O país parou para acompanhar
detalhes de uma das maiores tragédias de sua história. Duzentos e trinta e um
moços e moças saíram de casa para se divertir na noite de sábado e jamais
voltarão. Morreram queimados ou asfixiados — a grande maioria — na boate Kiss,
na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Ficamos, especialmente os pais
de adolescentes e jovens, paralisados de medo, de apreensão, de terror.
Qualquer morte nos diminui. A de um ente querido nos destroça. A de um filho,
então, subverte aquele que é o nosso mais duro aprendizado: morrer um pouco por
dia para que sobreviva a nossa descendência. Em “Cântico do Calvário”, escrito
justamente em memória de um filho morto, Fagundes Varela pôs nos justos termos:
“Eras na vida a pomba
predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. — Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.”
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. — Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.”
Penso na dor dessas mães e
desses pais e rezo para que encontrem algum conforto. Lembro-me de ter me
irritado certa feita com a minha mãe por causa de seu excesso de preocupação,
ainda que estivéssemos a centenas de quilômetros de distância: “Pô, eu sei o
que faço; já tenho mais de trinta anos”. E ouvi do outro lado: “E continua meu
filho; filho não tem idade para mãe e para pai”. Hoje sou eu que ouço: “Pai, eu
já tenho 18, já tenho 16…”. Filhos não têm idade. As nossas crianças têm de
voltar para que possamos fechar a porta, deixando do lado de fora as tormentas.
Mas a nossa dor também tem de
saber exercitar a devida ira. Com a conivência de muitos, a Kiss não era uma
boate, mas uma armadilha. Parece evidente que muitos milhares se arriscaram
antes a morrer nas suas dependências. Faltava apenas o casamento do fortuito
com o inexorável. As imprudências meticulosa e metodicamente praticadas
careciam do elemento incidental, da estupidez que serve de estopim, do gesto
tolo, irrelevante, que provoca a reação em cadeia e resulta na tragédia.

O Plano de Prevenção de
Combate a Incêndio tinha vencido em agosto do ano passado e não havia sido
renovado, informa o comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do
Sul, coronel Guido Pedroso de Melo. É, sim, uma informação relevante, que
parece indicar que a casa não primava exatamente pelo respeito às regras. Mas
essa informação pode contribuir para omitir outra, que me parece ainda mais importante: quer
dizer que, até agosto de 2012, o Corpo de Bombeiros julgava que tudo ia bem num
imóvel que abriga duas mil pessoas e tem uma única porta. Ela não só
servia à entrada e à saída dos frequentadores como era obstruída por uma
espécie de biombo, que impedia os seguranças de ver o que se passava lá dentro,
razão por que, por alguns poucos minutos, eles tentaram impedir a fuga dos
jovens, supondo que queriam sair sem pagar a conta.
O incêndio causou um
curto-circuito e deixou a moçada no escuro, em meio à fumaça. Não havia luzes
de emergência, acionadas automaticamente quando há o corte do fornecimento de
energia elétrica. Um extintor também não teria funcionado. A boate Kiss não poderia,
naquelas condições, estar funcionando. E não era um empreendimento pequeno, que
tivesse existência clandestina. Talvez fosse a maior casa do gênero em Santa
Maria, uma cidade de porte médio, com 230 mil habitantes, mas com vida noturna
agitada em razão da universidade federal, que atrai jovens do Brasil inteiro. A
festa de sábado tinha sido organizada por alunos do primeiro ano dos cursos de
de Tecnologia de Alimentos, Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia,
Tecnologia em Agronegócio e Pedagogia.
Estupidez
Não, senhores! Essa não é uma tragédia fabricada pelo acaso. Ela é obra de uma cadeia de descasos. Uma casa dessas dimensões tem de ter, por exemplo, uma brigada civil de combate a incêndios. A ela caberia dizer à tal banda “Gurizada Fandangueira” que o ambiente era impróprio para o uso de fogos-de-artifício.
Não, senhores! Essa não é uma tragédia fabricada pelo acaso. Ela é obra de uma cadeia de descasos. Uma casa dessas dimensões tem de ter, por exemplo, uma brigada civil de combate a incêndios. A ela caberia dizer à tal banda “Gurizada Fandangueira” que o ambiente era impróprio para o uso de fogos-de-artifício.
Que se apurem as
responsabilidades. Não sou polícia técnica nem perito. Mas há elementos de
sobra para concluir que a “fatalidade” que resultou na morte de 231 jovens foi
construída. Eles foram mortos pela estupidez, não pelo destino.
PS – Por mais que fique
constrangido e até envergonhado de escrever isto num texto dessa natureza, é
inevitável. Vamos lá. Dilma Rousseff fez bem ao interromper a sua viagem e se
deslocar para Santa Maria. É a presidente de todos os brasileiros, e uma grande
tragédia aconteceu por lá. Goste-se ou não disso, representa todos os
brasileiros. A presidente chorou, e acho que estava sendo sincera. Dispensável,
porque tem o cheiro inevitável da exploração política, é a nota de Lula e sua
mulher, Marisa. Ele não exerce mais cargo público. E não se espera que cada
político se manifeste a respeito. Dilma está investida do cargo mais importante
da República. Ele, embora não se dê conta disso, não. É só mais uma evidência de
que não tem mesmo limites
Título e Texto: Reinaldo Azevedo,
28-01-2013
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