Foto: Felipe Dana/AP |
Venho de muitos anos de
redação de jornal e nunca vi com bons olhos o noticiário sensacionalista por
que se faz guiar a imprensa brasileira, onde o comum é os fotógrafos e
cinegrafistas apresentarem para o público a mancha de sangue no chão, como se
tal comportamento não fizesse parte tanto da crescente banalização da violência
quanto alimentador do desapreço pela vida. Em síntese, toda e qualquer
catástrofe é jogada no ventilador de todos os lares, numa verdadeira
disseminação do sangramento, da morte, da dor e do sofrimento coletivo.
Não há sequer espaço para a
divulgação de poesia no mundo jornalístico, apesar de a poesia ser fator de
sensibilização do ânimo humano. Recentemente, movendo-se contra aqueles que
menosprezam a arte poética, especialistas em ciência, psicologia e literatura
inglesa concluíram que a poesia é mais eficaz que livro de autoajuda, segundo
estudo da Universidade de Liverpool. Revela-nos os pesquisadores ingleses que
palavras incomuns ou utilizadas em estrutura semântica (e metafórica) complexa
levam o leitor a refletir sobre si mesmo, dentro de outra perspectiva. Ou seja,
a poesia não é só uma questão de estilo: a descrição profunda de experiências
acrescenta elementos emocionais e biográficos ao conhecimento de cada leitor.
Nossos meios de comunicação
estão por demais envolvidos em cuidar de seus interesses políticos e comerciais
para se preocupar com a implantação de jornalismo mais reflexivo, no qual a
opinião inaugurasse um novo tempo para o segmento impresso da comunicação, que
se perdeu ao se encaminhar para a opção de competir com a internet e sua
característica de acompanhar os acontecimentos em tempo real, com muita imagem
e pouco texto, o que levou os jornais a se encherem de fotos coloridas e
notícias rápidas, numa espécie de fast-food
noticioso.
Difundir de maneira maciça a
tragédia que se abateu sobre as famílias dos jovens mortos em boate de Santa
Maria (no Rio Grande do Sul), hoje um perfeito sinônimo de “minha nossa ou
Nossa Senhora”, em nada ajuda na conscientização da sociedade brasileira em
relação à implementação de rigorosa normatização para a indústria de
entretenimento, que só tem pensado na promoção de grandes eventos sem o devido
cuidado com a segurança.
É bom que se diga e se
enfatize que houve um tempo no qual a qualidade das composições musicais, que
se nos apresentavam acompanhadas de letras bem elaboradas, chegavam até a
amenizar a constatação do baixo índice de leitura existente no Brasil. Ou seja,
assistimos ao surgimento de uma arte musical inteiramente descartável e
direcionada tão-somente a atender aos apelos momentâneos de uma estação ou
mesmo de um período como o Carnaval, quando somos constantemente surpreendidos
pela veiculação de músicas apelativas e de duplo sentido.
Contudo, se não nos bastasse
ter os nossos filhos e netos entregues a uma cultura recheada de falsos
valores, ainda nos deparamos com os riscos derivados da ganância dos tais
empresários da indústria de entretenimento, que desabridamente assumem riscos
descabidos a cada montagem de show, nos quais aos sons dissonantes se mistura a
extrema necessidade de chamar a atenção a qualquer custo, inclusive com o
despropósito de soltar fogos-de-artifício em ambiente fechado e repleto de
material reconhecidamente inflamável.
Para nosso azar, não há quem
possa colocar um paradeiro no avanço do mau gosto patrocinado pela indústria de
entretenimento, pois alicerçamos nossa democracia pós ditadura militar num
desastroso “é proibido proibir”, do qual toda bandidagem tira proveito,
ganhando vez e voz em nome da liberdade de expressão e do ir e vir, ainda que
seja com uma metralhadora nas mãos.
O fogo que consumiu a boate em
Santa Maria estendeu sua língua incendiária Brasil afora, inquietando ainda
mais os lares de todos os brasileiros, onde pais e avós passam noites e
madrugadas sob o signo da insônia, à espera de jovens que são convidados,
sistemática e diariamente, a se entregar a versos de valor pra lá de duvidosos,
além de alienantes, capazes de levar a menina de 12 anos a se pintar com
sensualidade de mulher feita.
Talvez eu seja antiquado, pois
venho de um tempo em que o errado era errado e o certo era certo, ao contrário
dos dias de agora, nos quais a libertinagem é confundida com liberdade, com
todos agindo como se não existisse o bem e o mal; com os cidadãos,
indistintamente, obrigados a viver atrelados uns aos outros, numa democracia
fundamentada na balbúrdia, na anarquia e na impunidade.
Na realidade, poucas são as
boates e casas noturnas abarrotadas de jovens brasileiros que podem ou
conseguiriam escapar do fogaréu invisível em que arde o dístico "ordem e
progresso" de nossa bandeira verde-amarela. Pelo andar da carruagem,
diante de um modelo capitalista vampiresco em busca de lucro e acompanhado por
um jornalismo embebido em sangue, só nos resta dependurar réstia de alho na
entrada de nossas casas e, agarrados a um crucifixo, pedirmos para que Santa
Maria nos ajude e nos proteja!
Título e Texto: Carlos Lúcio Gontijo, Poeta, escritor e
jornalista, Secretário de Cultura de Santo Antônio do Monte, 30-01-2013
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