Reinaldo Azevedo
Não adianta! Eles têm lá as
suas dissensões, mas também têm a sua natureza, como nesses filmes B de
vampiros. Uns não gostam dos outros, mas todos se alimentam da mesma coisa.
Assim, Lula tenta surrupiar — e vai surrupiar — uma fatia do governo, Dilma
fica brava, os dois trocam palavras ríspidas, mas são quem são, e isso os une.
Foi o que me ocorreu ao ver a presidente na TV a anunciar a redução da tarifa
de energia. Não estava lá a governante preocupada; não estava lá uma aspirante
a estadista. Nada disso!
Quem falava era a candidata à
reeleição em 2014. Até aí, vá lá. É a sina dos políticos nas democracias;
disputar eleições é parte do jogo. O que incomodou foi outra coisa: por que o
tom de desafio e, às vezes, de certo rancor? Porque, no petismo — seja o lulista
ou o dilmista —, mais importante do que vencer, é a sensação de que o
adversário perdeu. No dia em que poderia anunciar, como costumam fazer
governantes, a vitória de todos (ainda que não seja verdade), Dilma preferiu
chamar a atenção para a suposta derrota de alguns. Em democracias mais
corriqueiras do que a nossa, esse tipo de abordagem costuma ter o devido troco
da oposição — além de ser mal recebido pela imprensa. Em Banânia, nem uma coisa
nem outra. Não faltará quem diga que ela foi enérgica e sagaz.
Dilma anunciou uma redução da
tarifa para o consumo doméstico e das empresas um pouco superior àquilo que se
esperava (ver post de ontem). E partiu para o confronto. Atacou os “alarmistas”
— referia-se àqueles que chamaram a atenção do país para o risco de faltar
energia; fez pouco caso dos que são “sempre do contra” e “estão ficando para
trás” — qualquer um que, exercendo o sagrado direito de crítica garantido pelas
democracias, ousa discordar do governo; e anunciou o seu triunfo: “Surpreende que, desde o mês passado, algumas pessoas, por
precipitação, desinformação ou algum outro motivo, tenham feito previsões sem
fundamento, quando os níveis dos reservatórios baixaram, e as térmicas foram
normalmente acionadas. Como era de se esperar, essas previsões fracassaram.”
Vamos colocar as coisas no seu
devido lugar. Já chamei a atenção aqui para o fato e volto a fazê-lo: ninguém
anunciou que haveria apagão no país depois de amanhã. O que os especialistas do
setor fizeram — e cumpriram, assim, até um dever cívico — foi chamar a atenção
para o baixo nível dos reservatórios e para o fato de que o Brasil é hoje
excessivamente dependente das chuvas para garantir o fornecimento de energia.
Mesmo com o crescimento mixuruca do país — 1% em 2012 (hoje um pouco mais, mas
não muito) —, todas as térmicas tiveram de ser acionadas. A elevação do risco
de crise fez com que as atenções de voltassem para o setor. E o Brasil se
deparou com usinas velhas, linhas de transmissão capengas, falta de
investimento e planejamento tortuoso.
Nada disso é mera invenção dos
adversários de Dilma Rousseff. Tudo foi absolutamente comprovado. Esse discurso
do desafio, do queixo levantado, do “cospe aqui se for macho” é pura
manifestação de arrogância e, no limite, tolice. Também é falsa a afirmação de
que se previu que o governo não baixaria as tarifas conforme o prometido. Dilma
está imputando aos adversários o que estes não disseram para que possa
proclamar a derrota destes. É discurso puramente eleitoral — e da pior
categoria.
Não faltou também uma
referência aos governos de São Paulo, Minas e Paraná — todos eles tucanos.
Cesp, Cemig e Copel não aceitaram o pacote imposto pelo governo, que implicaria
perdas monstruosas para essas empresas. Só na Cesp, o espeto poderia chegar a
R$ 7 bilhões. Não por acaso, as ações das empresas do setor elétrico
despencaram. A presidente deu um pé no traseiro dos fatos e mandou brasa: “Aproveito para esclarecer que os cidadãos atendidos pelas
concessionárias que não aderiram ao nosso esforço terão ainda assim sua conta
de luz reduzida como todos os brasileiros (….) Espero que, em breve, até mesmo
aqueles que foram contrários à redução da tarifa venham a concordar com o que
estou dizendo”.
Bem, um discurso feito para
provocar acaba mergulhando na mentira, ainda que a intenção fosse outra. Diga
aí, presidente: quem era “contrário à redução da tarifa”? É escarnecer dos
fatos e investir na ignorância alheia fazer uma afirmação como essa. A decisão
de São Paulo, Minas e Paraná de impedir que suas empresas quebrasssem não
significa ser “contra” a redução. Trata-se de uma mistificação grosseira,
daquelas que não deveriam ser ditas nem mesmo em palanque porque mentirosas. O
propósito estava bem claro: “Estamos vendo como erraram
os que diziam meses atrás que não iríamos conseguir baixar os juros nem o custo
da energia e que tentavam amedrontar o nosso povo, entre outras coisas, com a
queda do emprego e a perda do poder de compra do salário”.
Indago de novo: onde é que
estão essas previsões pessimistas todas? Por mais que eu procure, não as
encontro. O petismo vive um estágio curioso: como não tem de enfrentar oposição
e como só sabe jogar no ataque, fantasia as críticas que não recebe para poder
manter elevada o moral da tropa, que precisa estar em guerra.
De resto, não custa observar:
ainda que a energia elétrica seja um custo importante da economia, supor que a
redução da tarifa será uma alavanca efetiva do crescimento econômico,
especialmente da indústria, é, com a devida vênia, mera conversa mole de
lobistas do setor. Energia cara pode, sim, ser um constrangimento e coisa e
tal, mas não há um só estudo relevante — tentei encontrar nesta quarta-feira e
fiz algumas consultas — indicando que a medida terá um impacto efetivo no
crescimento. As dificuldades que o setor produtivo enfrenta hoje são de outra
natureza. Também já se achou que a dinheirama do BNDES a juros subsidiados
seria o toque de Midas da economia… O país cresceu 1% em 2012 com Luciano
Coutinho tentando financiar até carrinho de pipoca…
Eis, leitor, uma daquelas
conjunções ruins, mas que se mostram inexoráveis — as gerações futuras se
perguntarão: “Como é que eles conseguiram fazer tanta besteira?” A que me
refiro? O que se viu ontem na TV foi uma presidente orgulhosa dos seus
insucessos, com um discurso duro e triunfante do alto daquele 1% de
crescimento, a anunciar que todos os seus críticos são uns bananas, que eles
não sabem de nada e que os feitos do governo estão aos olhos de todos.
Como não há, no cenário
político, uma voz de peso que se levante e diga que a meia da rainha está
desfiada (esse negócio de “nu” é para rei…), vive-se uma situação realmente
singular: Dilma se jacta daquilo que não fez e desafia os adversários a provar
o contrário. E os adversários… não provam. Entenderam?
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 24-01-2013
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