Morreu Ariel Sharon, depois de uma longa agonia. Os textos de Jean-Philip Struck e Caio Blinder (aqui e aqui) abordam com clareza e eficiência os aspectos ambíguos de sua trajetória política. Deu motivos para ser detestado, mas só até certo ponto; deu motivos para ser amado, também até certo ponto. Bem, talvez se possa dizer o mesmo de cada um de nós, não? O problema é que o destino colocou Sharon numa região muito particular do planeta, onde amor e ódio mobilizam paixões que vão muito além da esfera privada.
No comando do governo de
Israel, Sharon fez o absolutamente inesperado, por críticos e admiradores — e
era inesperado de tal sorte que os primeiros tiveram de lhe reconhecer
qualidades que não suspeitavam, e os outros se sentiram traídos. Como
primeiro-ministro, promoveu a desocupação da Faixa de Gaza e recorreu à força
para acabar com os assentamentos judaicos que havia na região, o que lhe rendeu
o ódio de algumas correntes religiosas. Também alterou o antigo equilíbrio
entre direita (Likud) e esquerda (trabalhistas) com a criação do Kadima. Nota à
margem: em Israel, “direita” e “esquerda” assumiram um conteúdo muito
particular, que só vale para aquele país e diz respeito, basicamente, às
negociações com os palestinos: o Likud, em tese, faz menos concessões. O
Kadima, sob o comando de Sharon (quem diria? O velho ícone da direita
radical…), apresentou-se como uma força de centro.
A desocupação de Gaza acabou
revelando, de maneira insofismável, um aspecto da questão israelo-palestina que
muita gente se nega a reconhecer. Ainda que se possa argumentar que Israel pôs
fim a uma intervenção cara, estrategicamente inútil e que lhe rendia desgaste
internacional, o fato é, e todo mundo sabe, que ela poderia ter se prolongado
indefinidamente. A saída, portanto, foi, sim, uma concessão, que lhe rendeu,
diga-se, ódios internos incontornáveis.
E aconteceu com Gaza o quê? Caiu
nas mãos dos terroristas do Hamas. Não vou entrar na lógica da disputa interna
de poder entre os palestinos. O fato é que o território se transformou numa
plataforma de lançamento de mísseis contra Israel. Ignorar que as consequências
da desocupação da área servem de advertência para o que poderia acontecer com a
Cisjordânia caso ficasse inteiramente sob o controle palestino é querer tapar o
sol com a peneira.
Em suma: aquela que a foi a
mais vistosa concessão do governo de Israel às forças palestinas acabou, por
contraste, demonstrando como é estreito e difícil o caminho da paz. De forma
didática — e traumática, sim, para o seu próprio povo —, Sharon acabou evidenciando
que a paz não é possível enquanto os palestinos não promoverem, então, a sua
revolução interna, que ponha fim à perspectiva do terror. Sem isso, não há
acordo possível. Existem radicais e truculentos no governo de Israel. O
terrorismo palestino só lhes dá razão prática.
O destino acabou sendo cruel
com Sharon e, a rigor, com as perspectivas de um entendimento na região.
Justamente porque não pesava sobre as suas costas a suspeita de que pudesse pôr
em risco a segurança de Israel, poderia ter conduzido negociações mais ousadas
do que qualquer outro político — tinha credibilidade entre fatias
importantes dos conservadores. Mas a história não tem “e se…”. É o que é. O
derrame o colheu quando ele levava para a política a ousadia e impetuosidade que
tinha no campo de batalha. E a paz, vejam que ironia, ficou ainda mais
distante.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 12-01-2014
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