
O hedonismo, a entrega irreprimível aos desejos e o fim de toda e qualquer sensação de culpa passaram a ser o comportamento preconizado. Colocando em uma típica e repugnante frase da Revolução Sexual da década de 1960, "Se algo se move, acaricie e demonstre afeto". O sexo, por fim, seria "apenas um gole d'água", algo natural e inofensivo.
No entanto, essa era da
inocência e da ausência de culpa propugnada pelos progressistas durou, pelo que
me lembro, aproximadamente seis meses. Logo depois, as coisas se
inverteram totalmente.
Atualmente, toda a cultura
progressista é caracterizada por um maciço sentimento de culpa coletiva.
Aquele cidadão que não rezar pela cartilha politicamente correta e não
professar (nem que seja apenas da boca para fora) uma longa lista de
culpabilidades solenemente declaradas é automaticamente rotulado de 'reacionário'
e será naturalmente tido como um pária em sua vida pública.
O sentimento de culpa é hoje
onipresente, a tudo permeia e está difuso em todas as culturas e classes
sociais. E o que é ainda mais irônico: tudo isso foi imposto a nós pelos
mesmos marotos que outrora prometiam uma fácil e irrestrita libertação de toda
e qualquer sensação de culpa.
Um breve resumo dos
sentimentos que um indivíduo tem a obrigação de ter: sentimento de culpa pelo
assaltante de rua, sentimento de culpa por séculos de escravidão, sentimento de
culpa pela opressão e estupro de mulheres, sentimento de culpa pelo Holocausto,
sentimento de culpa pela existência de aleijados, de cegos, de anões e de
deficientes mentais, sentimento de culpa por comer animais, sentimento de culpa
por estar gordo, sentimento de culpa por fumar, sentimento de culpa por não
reciclar o lixo, sentimento de culpa por se locomover de carro e gerar
poluição, sentimento de culpa por haver pessoas negras com renda menor que a
sua, sentimento de culpa por estar "violando a santidade da Terra" e
por aí vai.
Observe que esta culpa jamais
é confinada a indivíduos específicos — por exemplo, aqueles que realmente
escravizaram ou assassinaram ou estupraram pessoas. A eficácia em se
induzir culpabilidade nas pessoas advém justamente do fato de que a culpa não é
específica, mas sim coletiva, podendo ser expandida e ampliada por todo o
planeta e, aparentemente, ao longo de várias épocas, de modo incessante.
Antigamente, desprezávamos os
nazistas por causa da sua doutrina de coletivização da culpa (a qual eles
impuseram a judeus e ciganos); hoje, abraçamos esse mesmo conceito nazista como
se ele fosse uma característica vital do nosso sistema ético. Confinar a
culpa apenas a criminosos específicos seria uma atitude que não geraria o
efeito desejado justamente porque não caberia na nossa vigente doutrina do
"vitimismo credenciado".
Alguns grupos já adquiriram o
status de "vítimas oficiais" — são aqueles que têm direito a tudo,
principalmente ao bolso dos outros cidadãos, os quais, justamente por não
estarem no grupo oficial das vítimas, estão consequentemente no grupo dos
criminosos, e são os "vitimadores oficiais", normalmente homens
brancos, heterossexuais e bem-sucedidos.
Destes vitimadores exige-se
que sintam culpa e remorso pelas vítimas, e consequentemente — uma vez que não
faz sentido se sentir culpado sem pagar por isso — assumam vários deveres e
concedam infindáveis privilégios às "vítimas credenciadas", seja
sendo pacificamente assaltado na rua, seja fornecendo vagas de trabalho ou em
universidades por meio de cotas, seja concedendo salários sem nenhuma relação
com a produtividade.
Simplesmente não há maneiras
de um determinado indivíduo deixar de ser culpado. E foi isso que nossos
libertadores progressistas nos impuseram.
Para piorar, toda essa
vitimologia fez com que até mesmo o sexo deixasse de ser visto como algo livre
de culpa: com a implacável diatribe feminista de que "o sexo explora as
mulheres", e a furiosa mania do "deve-se usar preservativos em nome
do sexo seguro", seria melhor simplesmente abolir todos esses modernismos
e voltarmos para a boa e velha culpa cristã em relação ao sexo.
Certamente seria algo mais simples e pacífico.
Grande parte da atual onda
politicamente correta não passa de uma demente tentativa de justificar e dar
continuidade a um comportamento repugnante ao mesmo tempo em que se tenta
substituir o comportamento decente por uma cornucópia de regras formais ditadas
por progressistas. O problema é que essas regras formais são o inverso
das boas maneiras, pois são usadas como porretes para impor o desejo de alguns
poucos sobre todos os outros — e tudo em nome da
"sensibilidade".
Mas uma hiper-sensibilidade é
uma das maiores barreiras que podem ser impostas ao discurso civilizado e às
relações sociais, e servem apenas para fazer com que as relações humanas
voluntárias e francas sejam virtualmente impossíveis.
Como em todos os outros
aspectos da nossa pútrida cultura, a única maneira de remediar a situação é
oferecer resistência e partir para o ataque frontal e total contra esses
progressistas de esquerda indutores de culpa. É nesse ataque que jaz a
única esperança de reassumirmos o controle de nossas vidas e retomarmos nossa
cultura do controle destes tiranos maliciosos.
Título e Texto: Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um
decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi
o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for
Libertarian Studies. Instituto Ludwig Von Mises, 10-02-2014
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