![]() |
“Caravela portuguesa do século XIV em ascenção (198 kts)
para Vera Cruz”, Museu de Arte Contemporânea do Sindicato dos Pessoal de Quilha
da TAP. Ilustração: Belmiro
|
Maria João Marques
Nos EUA há um nome pouco
elogioso para os políticos sem coluna vertebral que mudam de opinião consoante
consideram ser mais vantajoso no número de votos: flip-floppers. Por cá há
outro: troca-tintas.
Chegámos a um ponto da vida
política portuguesa em que devemos lamentar António Costa ter desaproveitado a
sua adolescência na Juventude Socialista. Não, não é pela desconfiança que
qualquer pessoa sensata tem de alguém que praticamente nada na vida
profissional fez além de política (o que é muito mau em si mesmo e nos garante
que Costa não tem a mínima noção do mundo fora das tricas partidárias e dos
abundantes orçamentos para que outros contribuíram). É mesmo porque a
adolescência é o tempo certo para os excessos e os extremismos, quando ainda
temos uma vida inteira para arrepiar caminho. Fora da Juventude Socialista,
Costa poderia ter-se entregue a uma verdadeira juventude revolucionária e
amante do comunismo. Assim, seríamos poupados agora à deriva proto marxista que
Costa trouxe ao PS.
É certo que Costa e o seu
enlevo da meia idade com o comunismo é um bom entretenimento no Portugal
pós-troika e nós rimo-nos em abundância. Mas faz-nos ficar desassossegados – e
planear tirar as poupanças do país se Costa tiver possibilidades de vir a
governar como sonha. Porque mesmo com a viragem à direita que inevitavelmente
ocorrerá, se Costa teimar em uma ou duas das suas políticas da esquerda
trovejante, só para virar à direita em tudo o resto sem pesos na consciência,
essas uma ou duas poderão – tal o demónio disparatado que tem possuído Costa –
ser mortais.
Há uns dias enrolaram-se na
questão do coeficiente familiar e na imaginária regressividade fiscal. Para
Costa, o Vermelho, manter a progressividade de um imposto é introduzir
regressividade. Para Costa, presumo, tudo o que não seja retirar aos geradores
de maiores rendimentos todo o rendimento que geram acima de (sejamos caridosos)
o rendimento médio é regressividade fiscal. Vamos esperar, a bem da coerência
(se Costa estiver familiarizado com o conceito), que o coeficiente conjugal
seja abolido – porque tem exatamente a mesma lógica do coeficiente familiar.
E como presente de Natal
tivemos a referência às caravelas dos Descobrimentos, tão fundamentais como
atualmente a TAP pública.
Confesso, no entanto, a
limitação que notei em mim perante tão brilhante evocação histórica e que o
amável leitor talvez partilhe: não entendi por que razão os aviões não são
também fundamentais se privados. E além de mim e, porventura, do amável leitor,
houve muito quem concordasse connosco. Por exemplo Jorge Coelho, que no início
de 2001 previa privatizar a TAP nesse ano. António Costa era colega de governo
de Coelho e não se lhe conhecem reparos à ideia que agora reputa de tão
disparatada e contrária aos desígnios nacionais. Ou Teixeira dos Santos e
Sócrates, que previam privatizar a TAP em 2010 e que colocaram a privatização
da TAP no PEC4, esse documento salvífico (segundo a narrativa atual do PS) que
nos teria evitado o resgate da troika e, claro, teria fugido (quiçá por
intervenção divina, já que se avizinha o Natal) ao destino dos PEC 1 a 3. Costa
foi apoiante incondicional deste governo e não consta que tenha vociferado
contra a privatização da TAP.
Nos Estados Unidos há um nome
pouco elogioso para os políticos sem princípios nem coluna vertebral que mudam
de opinião consoante consideram ser mais vantajoso na bitola do número de votos:
flip-floppers. Por cá há outro: troca-tintas.
Mas regressemos às caravelas.
É que como atualmente os interesses nacionais poderiam ser defendidos com uma
TAP privada (garantindo-se contratualmente, por exemplo, voos para os
arquipélagos de forma a assegurar a unidade territorial), também as bonitas e
versáteis caravelas podiam perfeitamente ter sido privadas (assim houvesse
capital).
Costa não sabe – ou conta que
os eleitores não saibam – mas outros países europeus apostaram na expansão e no
comércio por rotas marítimas. E – dêem sais aromáticos a Costa – fizeram-no
através da iniciativa privada.
A VOC holandesa e a East India
Company britânica eram companhias privadas que criaram impérios na Ásia, para
onde mandavam os seus garbosos navios privados. A Índia colonial, administrada
diretamente pelo governo britânico, surgiu só em 1857 com a Revolta dos
Cipaios, que terminou com a PPP do império mogol e da EIC.
E foram estas malévolas VOC e
EIC privadas que tornaram irrisória (aqui pela bitola territorial) a presença
portuguesa na Ásia. Isso: duas companhias privadas escorraçaram da Ásia a
iniciativa estatal portuguesa. (E façamos o favor de não culpar uma suposta
idade das trevas filipina, que cada vez mais se sabe ter tido pouca penumbra ou
trevas.)
Em suma: se António Costa quer
evocar a História, pelo menos que aprenda algo com ela. (Mas com aprendizagens
de Costa estou como Tomé: tenho de ver para crer.) A saber: nestas histórias da
globalização, não é a primeira vez que empresas privadas florescem onde as
iniciativas públicas sucumbem. No caso britânico, foi a privada e capitalista
EIC que deu à Rainha Vitória e ao império a joia da Coroa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-