Rui Ramos
Em Portugal chama-se
“liberalismo” à necessidade de ter crédito ou de usar os mercados para o
crescimento económico, como se só aos “liberais” ocorressem tais opções. Não é
debate, é chicana política
A conversão do deputado Carlos
Abreu Amorim tem justificado algumas lições sobre o liberalismo e a
sua oportunidade.
Como acontece com todos os outros “ismos”, o liberalismo — no singular — só
existe em teoria. Na história, nunca houve um liberalismo, mas vários
“liberalismos”, como Oliveira Martins notou no “Portugal Contemporâneo”, que
continua a ser o grande livro sobre a experiência liberal portuguesa do século
XIX. Foram liberais o duque de Palmela, Passos Manuel, Costa Cabral, Fontes
Pereira de Melo, e basta este rol de nomes para sugerir a diversidade do
“liberalismo” histórico, porque é evidente que o “progressista” Passos Manuel e
o “conservador” Costa Cabral não foram liberais da mesma maneira. Liberalismo
era então como a “democracia” hoje: um rótulo de que quase toda a gente se
procurava apropriar, e até ter o exclusivo. Mais de um século depois, é
precisamente o contrário no actual regime democrático: hoje, nenhum político se
diz liberal, e os que aparentemente o eram já deixaram de o ser, como Carlos
Abreu Amorim, a quem a aparição de Ricardo Salgado terá feito perder a fé.
Em teoria, podemos chamar
liberalismo à preferência por um Estado e uma sociedade fundados na
independência individual do cidadão, o que pressupõe um poder limitado e o
reconhecimento de uma esfera privada. Historicamente, o “poder limitado”
resultou do uso ilimitado do poder para redesenhar instituições, e a
delimitação de uma esfera privada começou frequentemente com agressões às
crenças da maioria da população, como sempre que foi necessário reduzir uma
religião colectiva a uma simples fé pessoal. Em sociedades como a portuguesa,
tudo passou pelo “despotismo da liberdade”, como pitorescamente se dizia no
século XIX. É verdade, mas também é verdade que os Estados e as sociedades
assim formatados geraram muito mais do que o relógio de cuco da anedota de
Orson Welles: por exemplo, a liberdade de imprensa. Por mais constrangimentos
que lhe possamos encontrar, é mais real nos regimes de inspiração liberal do
que em qualquer outro tipo de sistema.
Para que serve o liberalismo
teórico? A mim serve-me, por exemplo, para perceber que o chamado Estado social
pode ser um meio de dar oportunidades a muita gente, mas é também uma via para
reduzir populações inteiras à condição de utentes controlados por burocracias
anónimas. Mas há coisas para que não preciso para nada do meu
liberalismo. Por exemplo, para compreender que os políticos correm um
risco demasiado grande ao assumir compromissos que não podem pagar, que a
defesa do crédito é hoje a melhor maneira de evitar uma ruptura social, ou que
convém fazer crescer a riqueza, e que neste momento os mercados abertos da
globalização são a via mais adequada para esse fim. Para perceber isto, não
preciso do liberalismo.
No entanto, é este o sentido
que liberalismo tem no debate político português. Chama-se “liberalismo” à
urgência de equilibrar as contas do Estado ou à necessidade de, numa época de
endividamento e desemprego, tornar a economia competitiva internacionalmente —
como se só aos “liberais” pudessem ocorrer essas opções. É por isso que na
Europa, todos os governantes são acusados de “liberalismo”, estejam à esquerda
ou à direita: Passos ou Rajoy, mas também Renzi ou Hollande. Não interessa o
que cada um deles é ou diz que é: basta que diminuam um subsídio ou façam uma
reforma, mesmo contrafeitos, para passarem a ser “liberais”.
Este uso indiscriminado de
liberalismo não corresponde, como é óbvio, a um diagnóstico, mas a um embuste:
as oposições tratam assim de impor uma identidade ideológica às operações de
equilíbrio do Estado social e de estímulo da economia, de modo a fazer crer que
são apenas um mero capricho doutrinário, sem qualquer outra razão de ser. Somos
assim convidados a acreditar que o mundo é como é apenas porque os “liberais”
mandam, e que portanto bastará afastar os “liberais” para que outro mundo — de
abundância sem custos para ninguém — seja imediatamente possível. Não, isto não
é um debate. É apenas demagogia e desonestidade.
A esquerda portuguesa encontrou na palavra liberalismo ou neoliberalismo uma nova arma de arremesso.
ResponderExcluirHá vários anos atrás era utilizada a palavra fascistas, mas como essa já não cola há que descobrir novo léxico para meter medo às criancinhas.
Haja pachorra.
Joaquim Pereira
Se não fosse a Direita, Portugal estaria bem pior do que está... Tem muita gente em Portugal que acredita (ou finge acreditar, ou por ódio pessoal) em esquerdismo. Ou seja, acredita na inveja e no ódio. Não têm nada a acrescentar, só demagogia rancorosa contra quem ouse não pensar como eles e, pior ainda, quem se atreve a ignorá-los!
ResponderExcluir