terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Era uma vez uma greve e um voo perdido

José Góis Chilão & Associados - Sociedade de Advogados, RL
Nos últimos dias, tal como nos últimos anos, temos vindo a ser assolados por greves que, em muito, afectam milhares (para não dizer milhões!) de cidadãos. Tais greves são convocadas, indiscutivelmente, ao abrigo das disposições constitucionais e demais normativo legal em vigor, contudo, salvo melhor opinião, são merecedoras de uma análise mais cuidada, qui ça critica, conforme nos propomos, hoje, aqui fazer.

Como é sabido, o direito à greve vem consagrado na nossa Constituição, tendo um teor relativamente ilimitado, isto é, as greves podem ser feitas em qualquer altura, podendo os trabalhadores definir livremente os interesses a defender por esta.

Contudo, cumpre-nos perguntar: É este um direito absoluto? Ou melhor, será que de algum modo existe uma greve ilegítima? Pensamos que a resposta a dar a esta pergunta será a de que sim, é possível haver uma greve que contrarie o sentido juridicamente aceitável, que possa ser, por conseguinte… injusta!

Na nossa sociedade, e nosso ordenamento, não existem direitos absolutos, porque é necessário sempre moldá-los a distintos direitos, constitucionalmente previstos.

Nos casos de greve, por igualdade de razão, teremos de admitir limites não expressos ao mesmo. Mas, frisamos, não é uma proibição deste direito, mas antes um critério para o exercício do mesmo.

Dentro dos vários casos que têm feito notícia nos últimos tempos, destacamos, pela actualidade e pela radicalidade do seu conteúdo, o da futura greve da TAP, a realizar-se nos finais de Dezembro.

Esta greve é feita com um único propósito. A saber, apresentar a oposição dos vários sindicatos (salvo erro 12) do ramo da aviação à privatização da TAP.

Ora, a greve, na sua visão tradicional, visava a protecção dos direitos dos trabalhadores, uma luta por condições laborais. Neste caso, qual a condição laboral? A alteração do corpo accionista da empresa?!

Em sentido estrito, a TAP não deixará de cumprir com as suas obrigações laborais, nem a mudança do accionista implicará a destruição automática de direitos (e de obrigações) que os trabalhadores têm para com a empresa – a haver alteração, tal fundamentar-se-á na necessidade eventual de sanear a organização e estrutura da empresa (sendo lamentável que o Estado, alegadamente, não saiba manter uma estrutura eficaz, justa e adequada…).

Na verdade, o “problema” com a privatização passa pela seguinte questão: o Estado Português precisa, ou não, de ter uma companhia aérea para defender o interesse público, devendo para tanto suportar os custos operacionais da mesma?

Ora, desconstruindo esta questão, verificamos que nos deparamos com um problema de política económica: deverá o Estado deter empresas em sectores que considere estratégicos? Sim ou não?

E, já agora, a quem compete decidir quais os sectores e em que termos?

Vivemos num Estado de Direito Democrático, isto é, um Estado que se rege por normas definidas através do processo democrático de decisão. Assim, os membros dos órgãos de soberania são escolhidos democraticamente, através do sufrágio universal, representando as decisões do Governo e da Assembleia da República a maioria dos cidadãos portugueses.

E quem escolhe os representantes sindicais? Os trabalhadores de um determinado ramo, quando filiados. Ora, isto quer dizer que, não obstante haver uma legitimidade democrática, esta é relativamente reduzida, face ao espectro eleitoral que leva à formação dum Governo.

Por outras palavras, com a greve da TAP, temos a oposição por parte dum grupo relativamente restrito, com interesses muito específicos, contra uma decisão dum Governo com uma base democrática muito mais alargada.

Factor que, voltamos a frisar, se agrava pelo facto de a questão em causa não ser verdadeiramente de teor laboral, mas antes de política económica. Temos assim, um direito criado no âmbito do direito laboral a ser exercido para discutir política, contra um Governo democraticamente eleito.

Por outro lado, cumpre igualmente debruçarmo-nos sobre o exercício desse direito à greve. Ora, sendo certo que a greve visa, em primeiro lugar, gerar um prejuízo para o empregador – no caso, a própria TAP -, a verdade é que esta greve ganha contornos especialmente sensíveis face à escolha das datas em causa – o período entre o Natal e o Ano Novo, no qual inúmeros portugueses – emigrados - se deslocam para Portugal para se reunirem com os seus entes queridos.

Ora, neste caso, a Greve acaba por ter um nível de prejuízo, que, diríamos, é excessivo. A escolha da altura da greve visa, efectivamente, uma autêntica chantagem para com a empresa (e para com o Governo), ao apelar para a sensibilidade dos consumidores, numa época com um teor simbólico tão especial para os portugueses, gerando mais do que prejuízos financeiros, um autêntico descontentamento e transtorno emocional a todos aqueles que pretendiam passar a quadra festiva junto das respectivas famílias.

É, claramente, uma actuação que lesa expectativas de inúmeras pessoas, dos seus agregados familiares, indo muito para além do espectro meramente económico e/ou de imagem da empresa.

Para agravar, nunca é demais lembrar, este comportamento e a decisão de fazer a greve nesta altura é feito com o intuito de atacar uma decisão emitida por um Governo com legitimidade democrática.

Esta conjugação, salvo melhor opinião, faz com que a decisão de fazer greve passe a ter contornos muito mais latos – isto é, ultrapassa, o que se supõe de uma greve.

A greve, como no início mencionámos, consubstancia uma paralisação da actividade laboral com vista à protecção dos direitos dos trabalhadores – o exercício deste meio como uma arma política para arguir questões que muito pouco têm a ver com as condições e direitos dos trabalhadores, e com a escolha da greve para uma época especialmente sensível, criando um transtorno bem para além do razoável, parecem transformar esta greve num acto contrário à boa-fé, consistindo num verdadeiro abuso de direito, ao ir muito além do que se espera de uma greve.

Diríamos, mesmo, se tratar duma subversão do direito à greve.

E esta subversão faz-se sentir não só na greve da TAP como em outras greves, que mais do que atacar medidas legislativas relativas a condições laborais, visam antes atacar uma forma de pensar o Estado e a coisa pública – ou seja, trazendo a discussão política que deveria ser feita na Assembleia da República e concretizada nas mesas de voto para a sede do direito colectivo do trabalho. 
Título e Texto: José Góis Chilão & Associados - Sociedade de Advogados, RL, Facebook, 23-12-2014

Um comentário:

  1. A TAP tem 12 sindicatos??? 12 grupos mafiosos com 13.000 funcionários e querem que o povo de Portugal pague pelas dívidas da TAP. Estatais têm que acabar, na iniciativa privada a produtividade é maior...
    joseluizdacosta@bol.com.br

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