terça-feira, 21 de novembro de 2017

É o generation gap, estúpido

Vitor Cunha

Quando Catarina Martins escreveu, em tempos, que o que é preciso é médicos que gargalhem, alguns de nós, médicos ou não, chegamos mesmo a gargalhar. Contudo, em retrospectiva, apercebo-me que a expressão tem um significado muito mais angular, abstrato, que permite, na sua irregularidade, encontrar as razões de ser da filosofia da imbecilidade contemporânea.

A sociedade do século XXI foi e continua a ser dominada pela influência que baby boomers tiveram no mundo. Estes tiveram todas as condições para exercer influência: a guerra aniquilou uma quantidade considerável de pessoas da geração anterior, abrindo caminho a que os seus filhos marcassem a diferença até pela ausência de competição geracional. Os filhos dos baby boomers, por todos os motivos óbvios, limitaram-se a aceitar o conforto na adolescência como um dado adquirido. Não é de surpreender que em campos como o da música popular, tudo tenha ficado, salvo pequenas exceções completamente tópicas, completamente definido (e estagnado) até meio da década de 1980.

O que faz um filho de baby boomer com tempo livre e dinheiro suficiente para não andar a fazer uns biscates a passar droga? Vai para a universidade “aprender” marxismo, vira ator e, mais cedo ou mais tarde, inscreve-se no proto-Bloco (não, não é uma caricatura). Em luta geracional com o que os seus pais representam, adquire noções de ruptura com o passado, assimila a moral pública dos avós e total dislexia entre sentimentos de inquestionável e elevadíssima autoestima e patética pele fina que torna a existência em agressões. É a geração que usa as redes sociais para mostrar o corpo enquanto se ofende por este ser julgado.

Os alvos a abater serão sempre os mesmos: todos aqueles que se limitam às dificuldades, dúvidas recorrentes, virtudes, erros e burrices que são consequências diretas de se estar vivo.

O que Catarina Martins disse foi que quem ri no fim ri melhor; e não há melhor maneira de assegurar que se ri no fim do que esperar que o outro morra. 
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias, 21-11-2017

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