segunda-feira, 20 de novembro de 2017

[Para que servem as borboletas?] CONSCIÊNCIA NEGRA... A necessidade da interpretação da História... “... as pessoas atravessam a rua para outra calçada ao nos ver”...

Valdemar Habitzreuter

As gerações futuras farão um estudo interpretativo de nossa época atual, assim como nós, atualmente, interpretamos épocas passadas de como o ser humano encarava a vida, e o que é destituído de sentido ou ainda nos é proveitoso.

A História é o lugar comum onde o ser humano registra o seu modo de vida e vai se moldando conforme compreende a si mesmo, calcado em fatos passados; dependente, pois, de uma teia histórica que se estende ao longo do tempo.

O passado nos ensina, mas tão somente se soubermos interpelá-lo à luz de um método interpretativo que nos elucida o sentido dos fatos passados, e, dessa forma, talvez, trazê-lo renovado ao nosso presente.

Os registros de fatos históricos, pois, através da linguagem escrita, são as fontes onde podemos nos apoiar e decifrar o significado histórico de cada época e compreender o modus vivendi do homem, e ao mesmo tempo, inteirar-se de seu sentido e se ainda faz sentido para nossa realidade atual.

Por exemplo, aludamos à Reforma de Lutero cujo aniversário de 500 anos celebramos neste ano de 2017. O que Lutero propôs, face às distorções emblemáticas da Igreja à qual pertencia? Simplesmente isto: que a palavra da Bíblia fale por si mesma e toque a cada um, crente em Deus; não deve ser monopólio de poucos a interpretação dos textos sagrados como o era na Igreja católica até então.

Ademais, os registros bíblicos foram efetuados em um passado remoto por autores que experimentaram a vida daquela época, tanto em seu aspecto psicológico como social. Esses autores tinham sua própria vivência religiosa (estado psíquico) inserida num determinado contexto social. Tudo isso deve-se tomar em conta e trazer para os tempos atuais o que o texto desses autores ainda nos pode falar e transmitir; é por um exercício hermenêutico que chegamos à compreensão do sentido e verdades aí ainda vívidas e úteis, e vivenciá-las em nossos dias, talvez mais proficuamente do que os próprios autores... é o que Lutero fez; foi um hermeneuta dos textos bíblicos e a partir daí disseminou-se a leitura da Bíblia e, consequentemente, surgiram vários ramos de cristianismo...

Abordando outro episódio, celebra-se hoje o Dia da Consciência Negra. O que vem a ser isso? Por que foi instituído esse feriado? Talvez, nós brasileiros, não nos interessamos por um esforço interpretativo de nossa História e nos esquecemos do que representou a escravatura no Brasil desde o seu descobrimento, e que perdurou por mais de três séculos.

Monumento Zumbi dos Palmares, Rio de Janeiro, foto: Vinício Antônio Silva
Aos olhos da atualidade, esta faceta da História brasileira foi uma época horrenda em que era natural que seres humanos fossem considerados e tratados como sem alma e usados como animais para trabalhos escravos; isto é, submetidos à vida degradante, a castigos e humilhações, sem remuneração e despojados de dignidade humana. É, amigo leitor, faça um exame de consciência – já que hoje é o dia da Consciência Negra – e estude os primórdios de nossa História brasileira e verás o absurdo criminoso em que se calcou nossa colonização.

Infelizmente, essa mancha teima em resistir e não sabemos ou não queremos interpretar o passado para nos desvencilhar dessa mácula, pipocando cá e lá sentimentos de discriminação a um povo que foi a grande força de sustentação do país naquela época.

Um viés interpretativo pode nos transportar para aquela época e entender a situação econômica e social em que se vivia, a partir mesmo dos países africanos onde eram arregimentadas as pessoas que seriam transportadas para as Américas como escravos. Era comum e natural naquela época o comércio de pessoas para melhorar a situação econômica de países e poderosos tanto em solo africano como em terras descobertas além mar. Assim, o poder dos poderosos deu sentido à escravatura... Aliás, a escravatura era uma prática desde os primórdios da civilização.

Mas, a História por si mesma é um processo interpretativo e corretivo, transmutando o sentido dos fatos históricos ao carregar em seu lombo a dinâmica do tempo transformador. Fatos, outrora com sentido, vão sendo analisados e avaliados no decorrer da História e revestindo-se de roupagem atualizada e carregada de novo sentido. No caso da escravatura no Brasil, uma avaliação histórica se processou, culminando também numa reforma, substituindo seu sentido e o status quo do passado ao interpretar a escravidão, então tida como natural, como uma aberração da natureza humana, uma vez que escravizados e escravizadores pertenciam a uma só raça: a humana.

O interessante é que o feriado de hoje, o da Consciência Negra, foi instituído através de uma lei para que os brasileiros tivessem consciência do que representou a história dessa sofrida gente que, mais do ninguém, trabalhou a fogo e ferro pelo Brasil. Não precisávamos desse feriado, que mais demonstra uma divisão do que unidade em nossa sociedade, e que pode até acirrar ainda mais os ânimos, acentuando o racismo que permeia ainda disfarçadamente em nossa sociedade.

Mais útil seria a nós brasileiros suscitar uma lei áurea individual que forjasse uma só alma, a alma alvinegra brasileira e podermos olhar para o passado negro de nossa História, transportando-o para o presente com um novo sentido: somos todos brasileiros precisando um do outro... Assim, proferimentos discriminatórios tipo: “... as pessoas atravessam a rua para a outra calçada ao nos ver...” não teriam mais lugar.
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 20-11-2017

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