Cesar Maia
1. Nos últimos tempos costumou-se repetir que na política não há
mais ideologia. De certa forma, Fukuyama inaugurou este processo com seu
consagrado – e progressivamente desmontado – "O Fim da História".
2. Mais recentemente cresceu na mídia e na opinião pública a ideia
de que os valores pessoais substituem as ideologias (e não as reforçam). Na
medida em que a mídia televisiva enquanto entretenimento e que responde à
lógica da audiência, era natural que suas "estrelas" surgissem para
as pessoas como alternativa desse mundo "sem ideologia".
3. Parafraseando o sociólogo canadense Marshall McLuhan, “O Meio é
a Mensagem”, hoje se poderia dizer que o “Comunicador é a Mensagem”. Assim está
sendo na Itália, no Chile, com a surpreendente candidata da Frente Ampla, em
Honduras, com um candidato que disputou palmo a palmo a eleição contra a
reeleição do presidente, etc. Ou seja: independe do grau de desenvolvimento
econômico do país. De certa maneira isto vale também para os esportistas
populares que cumprem a mesma lógica "ideológica".
4. É natural que as referências que caracterizam o que se passou a
denominar “esquerda e direita” não sejam as mesmas da revolução francesa. E
menos ainda as referências antes e após da Primeira Guerra Mundial e durante a
Guerra Fria. Com o derretimento do Muro de Berlim e da União Soviética, em vez
de se ter uma análise dinâmica e dialética de superação, se passou a entender
que o que se derretia eram as ideologias.
5. Sempre haverá ideologia. Isto não quer dizer os mesmos parâmetros
desde a segunda metade do Século XIX ao fim do Século XX.
6. O Nouvel Observateur
com o Instituto Ipsos, anos atrás, fez uma ampla pesquisa consultando as
pessoas sobre as suas preferências e comportamentos, que terminou sendo
agrupada num quadrado subdividido em quatro partes. Na coluna vertical, de
baixo a alto, perguntas cujas respostas sinalizavam valores conservadores e
liberais. Na linha horizontal, as respostas sobre economia/estado listavam
visões conservadoras e liberais.
7. Dessa forma, na coluna vertical, quanto mais se aproximava do
limite superior os valores eram liberais e quanto mais próximo do ponto zero os
valores eram conservadores. Na linha horizontal, quanto mais próxima do ponto
zero mais a visão de economia/estado era liberal e quanto mais próxima do
limite mais a visão era conservadora.
8. A Esquerda – hoje – enquanto ideologia, na linha vertical,
defende uma visão liberal sobre a vida, gêneros, casamento, comportamento... E
quanto ao estado/economia defende uma visão conservadora com intervenção
estatal, ampla regulamentação, controle econômico, legislação detalhada... O
que se chama de esquerda, hoje, na sua razão pura, é o encontro das duas linhas
no ângulo superior direito.
9. A Direita – hoje – enquanto ideologia, na linha vertical, defende
uma visão conservadora sobre a vida, gêneros, casamento, comportamento... E
enquanto ao estado/economia defende uma visão liberal, mínima intervenção
estatal, desregulamentação, prevalência do mercado, legislação aberta... O que
se chama de direita, na sua razão pura, é o encontro das duas linhas no ângulo
inferior à esquerda.
10. Na vida real, as linhas se encontrarão nos espaços dentro dos
quatro quadrados da subdivisão. Ou seja, as razões puras não produzirão ampla
maioria das opiniões. E, como consequência, não produzirão uma ampla audiência
na mídia.
11. Isso dificulta muito os "líderes de audiência"
manterem a audiência, popularidade, ou maioria eleitoral absoluta em eleições
de dois turnos ou maioria absoluta no parlamentarismo.
12. Mas, de qualquer forma, as maiorias eleitorais tendem a se
formar com doses ou em pontos intermediários na coluna vertical e na linha
horizontal, se encontrando no meio de um dos quatro quadrados internos.
13. Apenas como exemplos, a busca de um candidato entre os mais
fortes na intenção de voto no Brasil, hoje, ao tentar ficar no ângulo inferior
esquerdo – liberal na economia e conservador nos valores – elimina sua
pretensão de conseguir maioria absoluta. Isso o aproximaria de um perfil como o
de Bolsonaro. E pelas mesmas razões só que como esquerda, hoje, o perfil o
aproximaria de um candidato do PSOL, inviável numa eleição de maioria absoluta.
Título e Texto: Cesar Maia, 28-11-2017
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