Aparecido Raimundo de Souza
POR TUDO
QUANTO É MAIS SAGRADO, Emengarda, afinal de contas, o que você quer de mim?
Vamos, responda. Seja mulher com “m” maiúsculo, ao menos uma vez. O que você
quer de mim? Com certeza não é acasalar. Meus sensores permanentemente expostos
à sua mesquinhez me advertem que você está aprontando. O quê?! Talvez me ver
atirado ao deus dará chafurdando, enlodado, em meio a ratos ou rastejando a
carcaça lânguida e combalida nas calçadas da Avenida Paulista, ingerindo restos
de comida, bebendo sobras de latinhas de refrigerantes jogadas nos lixões por
transeuntes com espíritos de porcos e almas de rinocerontes enfezados.
Talvez você deseje ou ambicione mais. Saber pelos
noticiários que me flagraram tomando banho (banho...?) no chafariz de alguma
praça no centro de São Paulo, e, por causa dessa situação vexatória e
deprimente, precisei botar sebo nas canelas e correr mais rápido que o etíope
Leul Aleme dos guardas quando me viram pelado, bunda murcha e pinto magro,
ambos de fora dos meus parcos andrajos. Não sei! Você é, ou melhor, sempre foi uma espécie de
imagem queimada na visão embargada dos meus pensamentos mais lúgubres e
infaustos. Nunca sei o que você se predisporá a fazer no minuto seguinte.
Cheiros e odores de coisas boas, não, com certeza. Você é tão imprevisível como
rabo de juiz e cabeça de criança recém-nascida com caganeira.
Eu prefiro, minha linda, por conta desse rosário de
aprontações, ficar o mais distante de você. Eu adoto, Emengarda, o prazer de
estar num shopping movimentado em frente de uma tela plana exposta nessas lojas
que vendem eletroeletrônicos, vendo o Lula com aquele chapeuzinho de fresco
enterrado na cabeça, a mão com o dedo a menos apontando as merdas do Temer e
latindo as trapalhadas do Fernandinho Segóvia, o novo diretor da Policia
Fedemal, nos horários políticos. Não, o Temer não! Seria um atentado violento,
não ao pudor, todavia, a minha estupidez diante do óbvio massacrante que me
atormentaria depois. Melhor ainda se você topasse comigo sentado no parapeito
do Viaduto do Chá, ou no terraço do edifício Copan lendo a biografia de Machado
de Assis aventurando descobrir de quem ele herdou o machado, e, se realmente a
ferramenta era ou não do tal do Assis.
Ontem foi um dia maneiro. Você não merece, mas, mesmo assim,
me deixa contar. Saí de um restaurante perto da Praça da Sé, aos safanões, em
decorrência de uns tabefes, segurado fortemente por um segurança porreta
(imagine a cena), quando tentei entrar de penetra para comer algumas coisas
diferentes, como asas de galinhas que não voam mais, acompanhadas de batatinhas
fritas vencidas, saladas de alface de sábado passado, sobras de um bife a
cavalo, sem São Jorge montado nos costados dele. E sem o infeliz do dragão
soltando fogo pelas ventas. Tudo estava saindo dentro dos conformes, não fosse
uma senhorinha moradora de Botucatu ter se assustado com a minha face suja e
suada de tarado fujão. Creio, foram os gritos de socorro da minha barriga vazia
de fome que a deixaram com o coração espetado no medo, ou, talvez, o sórdido
desconforto de perder a bolsa que carregava com ambas as fraquezas dos braços
escaveirados e pelancudos, como um relíquo antigo herdado de tradicional
estirpe dos tempos medievais. De repente, ela me lembrou sua mãe. Me desculpe a
comparação, Emengarda. Sem ofensas. Sua mãe é um pouco mais putaquepariu!
Putaquepariu assim mesmo, tudo junto e misturado.
Você acredita que as sacudidelas e os sopapos do segurança
me deixaram meio zureta? Por alguns minutos, vi as coisas diante do nariz, se
desenrolando como se tivesse entornado todas. Mas Deus é testemunha. Nenhum
café, nenhum copo de água ou um pedaço de pão dormido, dispensado de alguma
janela das redondezas. Tão abilolado e lerdo eu fiquei que, diante de meus
esbugalhos, se delineou, de repente, a Flávia Alessandra, não, perdão, a Grazi
Massafera, que droga, nenhuma das duas, era a Sabrina Petráglia, isso mesmo, de
vestidinho branco muito curto e uma blusa cor de abacate com um caroço deste
tamanho, e, veja só, uma espécie de engasgo da mesma cor. Ou sei lá,
possivelmente a Roberta Miranda de jaqueta de couro preta, calça jeans e botas
de vaqueira conversando animadamente com um sabiá no ombro direito? Ou era o
esquerdo? Vai se saber!
Há tempos, Emengarda, desconheço o que é tomar uma lavadura
decente, com água quente, sabonete de alfazema e xampu que não arde nos
ouvidos. Esqueci até da cara com o semblante cheio de furinhos do chuveiro! Meu
desamparo é tão profundo e minha realidade tão derrotada e amarfanhada, que lhe
asseguro, se cair do céu uma ducha diante do espanto horrendo que me persegue
posso pensar na minha insanidade, ser o Jorge Piccicciani, ou o Romero Jucacá,
ou o Lucio Fufunanaro, quem abe o Alexandre Baldydy ou mesmo a bosta fedorenta
do Jair Bolsodofunaro de pires nas mãos, pedindo votos. Aliás, você sabe
perfeitamente que é nessas ocasiões importantes (as eleições), que a gente se
dá um pouco melhor. Os políticos chegam vindos de todos os lados, como baratas
atrás de doces. Como vermes saídos das pocilgas e cagaçais imundos. Prometem,
afirmam, asseguram, avalizam, creditam... dão até o moedor de carne. Tudo em
troca de voto.
A sede de poder é tanta e tamanha -, tamanha e tanta -, que
eles se esquecem, que euzinho, como tantos e demais espalhados por aqui e
acolá, estamos agarrados à sandice do destino ingrato e traiçoeiro. Somos
vagabundos, moradores sem teto, “noiados”, extraviados da sorte benfazeja, como
postes em busca de cachorros e linguiças cegas atrás de gatos vira-latas. Como
personagens desta vida desgraçada, Kikikikikikikiki, creia, Emengarda, não
dispomos, sequer, do sagrado e cagado direito de votar. Ora, Emengarda, se não
votamos, igualmente não voltamos. Seguimos adiante, como uma matilha de bois,
perdão, mamada (eu não quis dizer mamada), manada, o certo é MA... NA... DA...
em proa ao matadouro.
Por isso, minha esvoaçante e querida Emengarda, eu lhe peço
encarecidamente: vá embora. Suma, desapareça, escafeda da minha beira. Deixa eu
continuar aqui quieto, com meu colchonete furreca, meus fantasmas iracundos,
minhas aparições e visagens de dias mais abastados. Siga seu caminho. Quer
saber? Os quintos fica logo ali, depois da Brigadeiro Luiz Antonio. Se você
quer me ver de quatro, a retaguarda desguarnecida, como uma vela de castiçal de
igreja assustada, sem rastilho, ou pior, arreganhada a carvalhos e pavios
voadores, perdeu seu tempo. Emengarda, acredite! Perdeu seu tempo. Estou em
outra.
Busco éticas falsas, caminhos obscuros, sentidos nada
passivos dentro do meu eu impassivo, a fim de torná-los claro como uma noite
bem sombria. Mesmo me sentido como um cabide dependurado dentro de um armário velho,
um sapato sem pé, um carro sem motorista, um país sem ladrões, um cavalo sem
pasto, uma cadela sem cachorro... mesmo sem você fazendo cafuné e masturbando
meus dedos com artriste, digo, artrite, Emengardaaaaaaaaaa... eu... eu... estou
literalmente em outra.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, jornalista. De Ribeirão Preto interior de São Paulo.
21-11-2017
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Aparecido, parabéns! adorei. Essa crônica leve e sorrateira nos leva a enxergar como vão as coisas por aqui, ou seja; de mal á pior. Hilariante sua forma de descrever tão bem a "bagunça" no plenário, onde não há ética e cada um querendo cada vez mais. Ao citar o nome do famoso escritor "Machado de Assis" enriqueceu ainda mais o texto. Pois, sub entende-se que somente ele saberia desenrolar tudo isso.
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