Aparecido
Raimundo de Souza
“Meus ideais (quase
sempre) possuem a aparência de pássaros noturnos, habitando as ruínas das
minhas frustrações”.
Humberto
Del Maestro
ESCREVO MEU NOME (e isso já virou mania) em todos
os vidros dos carros estacionados que encontro pelas ruas e vielas, igualmente
nas casas com janelas e venezianas baixas. É como se fosse deixando uma pista
visível, declarada, palpável e patente para que alguém, solitário igual a mim,
viesse seguindo meus passos a distância prudente e, num ponto qualquer desta
cidade grande, nossas almas se encontrassem, uma com a outra e, num enorme e
apaixonado amplexo, trocassem juras de amor eterno.
Não sei por qual motivo vivo sonhando com esse
alguém inexistente, e pior, com esse instante que tento fazer imorredouro.
Achar, de qualquer jeito, a minha metade faltosa. A outra parte escondida, a
alma gêmea, talvez, perdida, solitária, num canto desta metrópole sem medida,
imensa como a infelicidade que me desgasta, que me corrói que me enfraquece e
me debilita.
Bom seria topar com a fatia da maçã, não só dessa
fruta, mas da pera, da melancia, da laranja. Lado outro, a tampa da panela, a
meia faltosa, o recheio para o pastel feito na hora. Melhor ainda, o amâncio do
chinelo para o pé descalço... a consorte da escova de dente, a companheira da
parte desocupada na cama, a felicidade agregada a minha solidão solitária.
A procura tem sido longa e em vão. A espera,
lenta e cansativa. Até hoje, por mais pistas que tenha deixado ao longo das
calçadas e avenidas percorridas, dos carros com meu nome e telefone, e-mail e
WhatsApp, toda a jornada se fez estafante, cansativa, esgotante, sumariamente
fatigante como os esforços empregados nessa luta desigual, significaram fracasso,
baque, despenhadeiro total.
As tentativas de meu coração, na ânsia ardente de
se entregar de corpo e alma a alguém que realmente o queira, e o aceite como
ele é, com todos os defeitos e manias, carências e angústias, até o presente
momento, resultaram num verdadeiro e repugnante fiasco.
Meu sonho não passou, realmente, de uma quimera
mal sonhada. Na verdade, um pesadelo imperfeito. Uma esperança cortada pela
metade, sem fantasias, destituída de qualquer vínculo com a realidade. Por
assim, apesar disso, dos percalços e contratempos, amolações e embaraços, sigo
em frente. Cabeça erguida, olhos abertos. E persisto claro, escrevendo meu nome
aqui e ali, e-mail e site do Facebook, acolá. Contudo, nada.
Ninguém segue a pista. Ninguém espera por mim no
final dessa caminhada incerta. Em vista disto, me sinto como um desses
proscritos, abolido, extinto, esquecido. Um coitado, pobre e infeliz,
desgraçado e incompleto, que o destino, por algum motivo que nunca me foi
revelado, enjeitou, como se desampara uma coisa velha, como se desarrima algo
que não mais tem valor.
Fera magoada, pássaro ferido, longe de casa, sem
amigos, sem uma mão a distribuir carícias, sem um porto onde atracar. Solidão,
agonia, desesperança, vazio, tristeza, dor, e pior, com a sensação, na boca do
estômago, de que na próxima esquina, encontrarei um abismo imensurável, uma
lacuna muito disforme que, certamente, estancará meus passos na partida para o
agasalho de um novo amanhã.
Todo esse quadro mudaria, se ela, a minha amada,
estivesse aqui. E não só estivesse aqui, se fizesse presente, sobretudo, que me
quisesse. Se ao menos soubesse que eu existo. Se seguisse as pistas que deixei
por todos os lugares que passei. Ah a minha linda e encantada mulher invisível.
Nossa! Se ela chegasse de mansinho e entrasse na minha vida, se saísse detrás
de um carro, ou me abrisse uma janela, uma porta, e me abrasasse com a ternura
que vejo em suas mãos e a felicidade plena que de seus olhos resplandecem...
Mas essa cara metade é utópica. Só existe na
minha louca imaginação. E se acaso, fosse real, de carne e osso, eu seria o
último da lista. O afastado, o longínquo, o alheado extremo. Eu sei! Tenho
consciência que, por ser o derradeiro, não há uma esperança, uma luz no fim do
túnel. Sequer um talvez.
Em sumário, em síntese, me resumo um zero à
esquerda. Um Zé Ninguém ao acaso da vida, resfolegando meus fracassos e
derrotas, infortúnios e desventuras, como um náufrago em mar proceloso.
Sou, em verdade, aquele que ela não espera. Meu
Deus, ela quem?! A figura que ela não quer ver, tampouco saber que existe. Se é
que existe. Talvez, um dia, eu desperte de mim e ela acorde (ela acorde?) da
sua insensatez. Talvez, quem sabe, nunca se sabe, ela saia do seu
obscurantismo. Dê adeus definitivo ao seu ostracismo, e se livre, de vez, da
sua cegueira...
Enfim, pode ser que um dia (sonho com esse um
dia), ela me veja, me enxergue, me sinta me descortine, me descubra, me aviste,
como um homem... melhor explicado, como o cara que poderia mudar... que
definitivamente não só mudará, lhe ofertará, se ela vier a existir, de fato, de
contrapeso, uma nova vida.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de
Souza, jornalista. Da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 14-11-2017
Colunas anteriores:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-