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Uma discussão capaz de exaltar
ânimos, no Brasil, diz respeito a como chamar o alimento das fotos acima:
bolachas ou biscoitos?
Qualquer exaltação de ânimos,
porém, é injustificada: pela lei brasileira, biscoito e bolacha são
sinônimos perfeitos; nenhum dos dois nomes é mais correto que o outro. São,
pela lei brasileira, exatamente a mesma coisa, apenas com uso
predominante em diferentes estados e regiões do Brasil.
Por resolução em vigor amparada pelo decreto-lei nº 986, de 1969, que instituiu as normas sobre
alimentos no Brasil, a Comissão Nacional de Normas e Padrões para
Alimentos determina que “Biscoito ou bolacha é o produto obtido pelo
amassamento e cozimento conveniente de massa preparada com farinhas, amidos,
féculas fermentadas, ou não, e outras substâncias alimentícias. O produto
é designado por “biscoito” ou “bolacha”.“
O que explica o uso de um ou
outro termo é, simplesmente, a tradição regional. Uma das fronteiras
linguísticas nessa área se dá entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro:
enquanto paulistas dizem bolacha, os cariocas dizem biscoito –
e argumentam em geral que prova de sua correção é o fato de os próprios
produtores usarem a palavra “biscoito” nas embalagens. É um argumento que não
se sustenta, porém; é certo que a maioria (mas não todos) dos grandes
fabricantes usa, na embalagem, o termo “biscoito”, o que deve vir desde os anos
do Rio como capital e principal centro de influência nacional; mas a verdade é
que tanto Portugal quanto a maior parte do Brasil – tanto em
território, quanto população ou PIB – usa hoje o termo bolacha –
que, como já visto, é absolutamente equivalente do ponto de vista legal.
Confira o mapa:
É interessante ver a divisão
do país, que vai muito além de Rio versus São Paulo. A linha
divisória passa pelo meio do estado de Minas Gerais, cuja metade sul e oeste
falam bolacha – como São Paulo, toda a região Sul, os quatro
estados do Centro-Oeste e a maior parte da região Norte. Já biscoito é
a forma usada no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pará Amapá, Belo Horizonte e a
metade norte e leste de Minas e quase toda a região Nordeste (com exceção do
Rio Grande do Norte, onde predomina bolacha, e do Ceará, único estado em
que a maioria dos respondentes afirmou ser indiferente o uso de bolacha ou
biscoito).
No Pará, no Amapá e nos
estados do Nordeste que chamam aquilo da foto de biscoito, criou-se
mesmo uma particularização: bolacha, entre eles, designa as salgadas,
e biscoito, os que são doces.
É interessante também que,
embora seja um quadradinho dentro de Goiás, que fala bolacha, a nova capital
Brasília mantém a tradição da anterior – muito provavelmente pela origem
sobretudo nordestina de sua população – e fala biscoito. A qualquer
carioca ou brasiliense que pense que isso conta como prova de que biscoito é
forma preferível, porém, vale lembrar que em Portugal, pátria-mãe da língua, a
forma usada em todo o país é bolacha – como se vê, por
exemplo, nos supermercados portugueses:
Ainda do ponto de vista
linguístico, há duas observações que podem ser feitas sobre o tema: a primeira
é que a dicotomia bolacha-biscoito acaba influenciando a fala de brasileiros
mesmo quando não usam propriamente nenhuma das duas palavras. Como? Ao usar o
nome das marcas da foto que abre este texto, por exemplo, um
paulista (ou sulista, mato-grossense, amazonense) dirá que comprou “uma Bono“,
“uma Passatempo“, “uma Negresco“, “uma Oreo” (ou seja, “uma bolacha Bono“,
“uma bolacha Passatempo“), enquanto um carioca, capixaba ou
pernambucano dirá, referindo-se aos produtos dessas marcas brasileiras, “um
Bono“, “um Passatempo“, “um Negresco“, “um Oreo“.
O segundo debate linguístico
suscitado pelo tema vem do relato de pessoas da área do Brasil que fala
bolacha (a maior parte do Brasil) que afirmam conhecer pessoas que usam o termo
“bolacha” no dia a dia, mas que, quando querem falar de forma mais “chique” –
no trabalho, por exemplo -, usam “biscoito”.
Essa mudança forçada revela
simplesmente ignorância, já que biscoito não é mais formal, nem mais correto,
nem mais chique do que bolacha. Vê-se aí apenas mais um reflexo do fenômeno, já
várias vezes abordado aqui na página, de hipercorreção: o mal da
insegurança linguística que atinge muitos brasileiros, que faz que pensem que,
“se eu normalmente falo assim, o mais ‘correto’ deve ser da outra forma“.
É o mesmo caso, como já vimos,
dos brasileiros que falam “num” (forma corretíssima e a preferida de nossos melhores escritores), mas só escrevem “em um”, por a acharem mais chique. Não sejam
cafonas: se falam “num” e “numa”, como todos os portugueses e os melhores
escritores brasileiros, então façam como os portugueses (e nossos melhores
escritores) e escrevam num e numa; do mesmo modo,
se na sua região se diz bolacha, faça como os portugueses (e a maior parte dos
brasileiros), e escreva e diga, em qualquer contexto, bolacha.
Bolacha ou biscoito, de uma
vez por todas: os dois termos sendo sinônimos, perfeitamente corretos e
intercambiáveis mesmo do ponto de vista legal, não há
razão para evitar – ou preferir – um ou outro.
Título, Imagem e Texto: dicionarioegramatica.com,
26-11-2017
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