terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

[Aparecido rasga o verbo] Os medos que me assombravam na infância cresceram e respiram firmes e fortes ao meu lado

Aparecido Raimundo de Souza 

QUANDO EU TINHA cinco para seis anos, havia dentro de meu ser, um medo brando, bobo e corriqueiro. Diria até sem maiores preocupações: um zero à esquerda. Apesar disso, se mostrava como um peçonhento de olhos compridos, perdidos num rosto esquisito, de vistas penetrantes, um absorvedouro que virava receio, desassossego, agitação, sobressalto e suspicácia. Ele surgia assim que a noite chegava, e o escuro, lá fora, se fazia um breu completo. Posso até ir mais longe e afirmar que ele, sempre teve um papel especial em minha vida (e aqui me refiro ao tempo dos calças curtas).  Naqueles idos, acreditava ou melhor, ainda agora, velho e babão, ainda penso que para muitas crianças, e até para alguns adultos, a obumbração continua sendo sinônimo de mistério e, muitas vezes, esse mesmo personagem chegue às raias do desespero desenfreado. Afinal, por quais motivos os novos e os velhos, têm tanto medo da inóspita negridão? 

Na ausência de luz, segundo o doutor Leandro Paulino da Costa, médico psiquiatra formado pela USP, com consultório em Limeira, interior de São Paulo, aliás, um cidadão exemplar que oferece consultas presenciais e on-line, assim se expressou: “nossos sentidos ficam aguçados, e nossa imaginação toma conta. Na verdade, se apodera de nossa vidinha pacata e voa longe, viaja quilômetros, sai literalmente do chão e dependendo da situação, transcende o que entendemos normal.” Com isso, e em face da explicação do doutor acima citado, o que poderia ser apenas uma sombra inofensiva se torna, em nossa mente imaginativa, uma espécie de criatura assustadora. Para aumentar o temor, o silêncio profundo da noite amplifica cada pequeno som, transformando um simples bater de uma porta por conta de um vento, em um ruído ameaçador. 

No entanto, é importante lembrar que o medo do escuro é um instinto natural, herdado de nossos ancestrais. Em tempos primordiais, bastava à noite cair, os perigos reais espreitavam por detrás das cortinas; se escondiam nos fundilhos dos móveis; se acasalavam nas costas do fogão de lenha e se engrandeciam nas sombras. Para escapar desse bicho papão, se fazia essencial estar alerta para sobreviver. Com o tempo, essa sensação de vigilância, para mim (e penso, para muitos,) se transformou em um medo tétrico. Superar o distúrbio do escuro é um processo gradual. Aprender a confiar em nossos sentidos e entender que a falta de claridade não esconde monstros nem bichos de sete cabeças, ainda assim, lá no fundo traz à baila a oportunidades para a reflexão e o descanso. Aliás, a reflexão e o descanso (ambos de mãos dadas) são fundamentais. 

À medida que crescemos e amadurecemos, podemos encontrar coragem para digerirmos aquilo que não vemos, sabendo que a luz pulsante sempre retornará para abrilhantar nossos caminhos. Quando eu era pequeno (repetindo o já dito acima, aí pela casa dos cinco para seis anos, tinha um medo causticante do escuro. Era um medo bobo, infantil, um medo brando, sem maiores complicações.) Ah, essas memórias da minha infância! Meu Deus! O pavor do escuro (do escuro do meu tempo) se transformava em algo tão comum e acredito piamente, para muitos de nós quando reinávamos num mundo do “faz de conta” e apesar de ser do “faz de conta”, nos deixavam a beira de uma brecha maior que o buraco de ozônio, tipo assim, um precipício sem retorno e sem volta. É interessante como esses sentimentos e experiências nos moldam de formas sutis. No meu tempo de guri, essas histórias atreladas a uma série de sustos e cagaços que o meu avô João me dava, ainda agora, apesar dos meus setenta anos, se fazem vivos, pulsantes e inesquecíveis! 

O medo do pipoqueiro é um exemplo clássico de como a minha imaginação infantil se fazia poderosa. Vovô João apregoava que o pipoqueiro, seu Belizário, me transformaria em um saco cheio de pipocas, se eu fizesse artes. O Seu Beto cadeirante, que comercializava o leite (o produto vinha numa garrafa de vidro tamponado com um invólucro de alumínio) não outra coisa senão o fruto de crianças que desobedeciam aos pais. Sem falar nas noites sem estrelas, irmãs famintas do além que tinham bocas enormes e cheia de dentes careados, que sentiam um prazer quase sexual em devoravam garotos e garotas como eu, que fugiam da escola, que arranjavam confusões na hora do recreio e metia porradas nos coleguinhas à hora do voltar para casa. Eu, belo e boboca, assustadiço e tatibitate, bisonho e pávido, tinha uma capacidade incrível de tornar qualquer história em algo real e palpável. O pipoqueiro, que em outras circunstâncias seria um vendedor comum, se assumia numa figura quase mítica, capaz de realizar transformações mágicas. 

Da mesma forma, seu Belizário. Hoje entendo fascinante como essas histórias ficaram gravadas nas minhas memórias. Olhando para João Eduardo e Heitor, meus netos, em dias de agora, me escangalho de rir ao lembrar desses episódios. Ao mesmo tempo, confesso, com um restinho de medo insalubre e enfermiço, engrunhido e escachelado, que por algum motivo não se apagou de vez. Essas memórias não só me lembram da nossa própria inocência, mas também da criatividade e das tradições familiares que formaram a base de quem hoje sou. Em certo sentido, o medo do pipoqueiro não se sustinha apenas sobre as pipocas, mas a interligação entre a magia e os mistérios da infância que faziam e persistem, até os dias de hoje, como parte das minhas lembranças mais queridas e imorredouras. Agarrada nessa cacetada, juro por Deus, muitas vezes tenho medo de dormir sozinho. 

Então apelo para a Carina (minha secretária) que mora no mesmo prédio para que venha me socorrer. E ela comparece. Se deita ao meu lado e não desgruda, ainda que eu esteja “apagado” roncando feito uma besta apocalíptica, ou pior, soltando uns puns sonoros e catinguentos. Meus medos, hoje, são outros. Um monte de filhos, porém, todos cuidando de suas próprias vidas e filhos (meus netos). Meus medos se materializam na velhice. No amanhã, no porvir. Quem cuidará de mim? Quem me socorrerá se eu tiver um mal súbito estando sozinho? Dos meus seis filhos, Erica, Eduardo, Narjara, Amanda, Luana e Antonella, o quadro atual com relação a eles, é o seguinte:  Erica me liga todo dia. E se faz acessível. Luana, às vezes me socorre quando faço sinal de fumaça. Eduardo, mora fora do Brasil. Nem sabe que eu existo. E os filhos que ele arranjou por lá, nunca os vi mais gordo. 

Narjara, Amanda e Antonella, me bloquearam. Narjara, pelas verdades que falei para o marido dela (meu genro.) Amanda ficou magoada por um texto que escrevi parabenizando-a por ter entrado com honras para a empresa aérea Azul. Antonella só me liga (aliás, a mãe dela soltando cobras e lagartos) no dia do pagamento das pensões alimentícias. Não existe carinho, por parte das duas, piedade, sequer uma palavra de conforto. É a famosa gana infame pelo dinheiro. Dinheiro, dinheiro, dinheiro. Antonella e a mãe peidam e cagam em nome do dinheiro. Pois bem! Dos netos todos, só a Ellen, filha da minha filha Érica, está ombro a ombro comigo. E não me larga. Carina dispensa comentários. É o meu braço direito, o esquerdo, enfim... ameniza os meus medos de crianças que incrivelmente cresceram... e se tornaram adultos. Só me resta concluir, dizendo: puta que pariu!  

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 11-2-2025 

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Do pecado à redenção 
Itinerário de uma ausência 
Namoradinhos 
Batismo difícil 
Quando ela saiu detrás das telas de privacidade 
Macacos me mordam

4 comentários:

  1. Gosto muito das narrativas desse talentoso escritor.Usa muito o lúdico em suas linhas fazendo o leitor vivenciar como se fizesse parte da sua história Gilmario Braga

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  2. Não. Narjara não o bloqueou por “inverdades malditas”. O bloqueou como reflexo de 35 anos de espera. Muito fácil vomitar fezes pela caneta expondo o abandono reverberado na velhice de uma vida inteira de descaso. Cinco “filhos”, porque uma é tão fantasiosa quanto a secretária dentro de sua personalidade fragmentada, não o acolhem porque nunca foram acolhidos ou porque são os verdadeiros vilãos da estória? Se poupe, me poupe, nos poupe!

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  3. Possivelmente esse rato de esgoto que me bloqueou, deve ter a mente fragmentada como eu. Não foi, obviamente, a minha filha que sumiu do meu WhatsApp, também não me interessa, até porque, conheço a personalidade da Narjara. Narjara teria dito, "eu, Narjara, te bloqueei... "em face disso, não ter sido ela, e sim, um rato de esgoto, um mal amado, um filho do capeta, do coisa ruim, do diabo, um fustibótico meia sola, que de tão píslico e mané, escreve e se passa pela Narjara. Narjara jamais escreveria "Não, Narjara não te bloqueou..." portanto, seu cara de cu mal lavado, ou supunhetamos, caso seja uma prafólica anônima, sua cara de piriquita fedida, lave a boca quando vier falar comigo, ou de mim. Lado outro, você não sabe nada da minha vida. Não sabe como eu vivo, como estou, se bem ou mal de saúde. Se como; se bebo; se moro na rua; se fodo; repetindo; se tomo café; se almoço ou janto. Você, anônimo, se passando pela Narjara, você para mim, é um tremendo Zerão à esquerda, não vai além de um covarde... ou se for outra pessoa, ou seja, uma mulher, eu lhe rotularia de lambisgóia, sem bunda, e outros qualificativos paravélóticos. Pois bem! Tirando a minha filha Narjara, meu neto Miguel e minha neta Maria, quero que os demais vão tudo tomar no... olho do bar ai da esquina, um cafezinho... riquinhos de merda... vocês vivem de aparência, eu sobrevivo da minha realidade. Pra terminar, estou pensando seriamente em entrar com “Regulamentação de visita” para ver meus netos. E para a justiça não importa se eu sou maconheiro, ladrão, se tenho 5 filhos, ou 10, se sou assaltante de banco, pica reta (digo picareta) ou qualquer outro qualificativo existente na área criminal. Sem falar que por vocês, rotulados de riquinhos, eu posso pleitear que meus filhos (todos) me mantenham em face da idade. Tenho 71 anos, se não me matarem antes, farei 72. Amo a todos. Apesar de serem uma cambada de chinchilenos e paragóticos da pior espécie. Fiquem bem, e em PAZ!

    Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha no Espírito Santo

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