Oi, Marcelo!
Desde já, lhe agradeço ter aceitado conversar, de novo, com o nosso blogue.
Nossa ótima primeira conversa (doze páginas) foi publicada em 3 de abril de 2017:
E aí, algo para contestar, esclarecer, reparar…?
Para responder a esta sua primeira pergunta é essencial revisitar o passado e me alongar um pouco para que se compreenda o jogo de poder que houve no setor aéreo brasileiro e o que aconteceu com VASP, Transbrasil e a VARIG. Dependendo da referência que se queira adotar como ponto de partida, já se passaram mais de duas décadas.
A VARIG detinha a maior fatia do mercado da aviação nacional e quase a totalidade do mercado internacional. Foi a primeira empresa nacional a se valer da Lei de Recuperação Judicial.
Frustrada a tentativa de incorporação da VARIG pela TAM — operação chamada na época de “fusão” —, seguiu-se um episódio decisivo: a venda da companhia em leilão para um grupo sem qualquer experiência no setor aéreo, por apenas 24 milhões de dólares. Oito meses depois, esse mesmo ativo foi revendido à Gol por 320 milhões de dólares, em operação intermediada por Roberto Teixeira, compadre do então presidente Lula, e seu genro Cristiano Zanin, hoje ministro do STF.
Algumas pessoas, por diferentes razões, erradamente atribuem que o colapso da VARIG se deu apenas por ineficiências gerenciais e choques macroeconômicos. Mas a verdade é que o fator político foi determinante: decisões de política pública e regulações (ou sua ausência), combinadas à transição institucional do setor, moldaram incentivos, distribuíram custos e definiram ganhadores e perdedores. Mostra-se também que, mesmo em ambiente “modernizado”, Gol, Azul e LATAM recorreram à justiça para reorganizar dívidas, sugerindo que vulnerabilidades estruturais persistiram.
Até meados dos anos 1990, o transporte aéreo brasileiro operou sob forte intervenção estatal, com congelamento tarifário e administração de rotas pelo Estado. Na virada dos anos 1990/2000, a liberalização foi implementada de forma gradual, com bandas tarifárias e, depois, maior liberdade de preços. Em 2005, nasce a ANAC, substituindo o DAC na regulação. Esse processo, entretanto, não foi neutro: a mudança do regime de incentivos ocorreu enquanto empresas legadas carregavam passivos históricos (previdenciários, trabalhistas e financeiros) e estruturas de custo pouco flexíveis.
No caso VARIG, soma-se o
contexto organizacional: em 2001, estudos encomendados pela APVAR sobre riscos
ao negócio e ao Aerus (terceiro maior fundo de pensão privado do país) teriam
encontrado resistência interna, culminando em retaliações e demissões por
“justa causa” posteriormente revertidas. Para a análise acadêmica, o ponto é
menos o litígio em si e mais o ambiente de governança: sinais de alerta não se
converteram em plano de ajuste tempestivo.
O fator
político como variável explicativa central
Política de preços e
transferência intertemporal de perdas
O congelamento tarifário e controles de preço, concebidos para conter inflação, desalinhavam receita e custos (QAV e leasing em dólar), gerando perdas acumuladas nas empresas legadas. Ao se flexibilizarem as tarifas já no fim do ciclo de hiperinflação, a correção chegou tardiamente para quem havia internalizado os prejuízos durante anos.
Sequenciamento
da liberalização e assimetrias competitivas
A liberalização e a entrada de “novos modelos” (low-cost/low-fare) ocorreram sem um mecanismo robusto de transição para passivos legados (previdência, frota, contratos). Na prática, as assimetrias criadas pelo sequenciamento das reformas favoreceram entrantes com balanços “limpos” e financiamento novo, enquanto incumbentes arcavam com custos históricos.
Desenho
regulatório, alocação de slots e acesso a infraestrutura
Decisões sobre slots em aeroportos congestionados, distribuição de rotas e acesso a infraestrutura (aeroportos, manutenção) são decisões políticas com impacto econômico. Em momentos críticos, a forma de alocar capacidade e prioridade operacional afeta diretamente receitas, reputação e liquidez das companhias — e, portanto, a probabilidade de recuperação.
Política
fiscal e precificação de insumos estratégicos
A tributação sobre QAV (notadamente ICMS estadual) e a precificação doméstica de combustíveis influenciam custos operacionais num setor com receitas em reais e despesas em dólar. Sem coordenação federativa e setorial, a política fiscal pode ampliar a vulnerabilidade cambial e comprimir margens em fases de estresse.
Política
previdenciária e tratamento de passivos do Aerus
A definição de responsabilidades sobre passivos previdenciários (como os do Aerus) e o ritmo de soluções judiciais/administrativas não são neutros: afetam o caixa, o custo de capital e a percepção de risco, condicionando a viabilidade de qualquer plano de soerguimento.
Política
de concorrência e desenho de leilões/reestruturações
Leilões de ativos (2006), reorganizações societárias e autorizações para consolidação setorial são escolhas de política concorrencial. O modo como se estrutura o “mercado após a crise” (quem compra o quê, com quais obrigações, em que condições) define quem sobrevive e com quais vantagens.
O fator político não é um adendo; é variável estruturante que define o campo de jogo, a velocidade das perdas e a possibilidade de reerguimento.
Por que a VARIG não se
recuperou?
A VARIG entrou em recuperação
judicial em 2005 com passivo superior a R$ 7 bilhões.
Carregava:
(i) perdas acumuladas do
controle de tarifas;
(ii) estrutura de custos
dolarizada;
(iii) passivos previdenciários
e trabalhistas;
(iv) governança fragilizada
para implementar um “turnaround” rápido.
Em um ambiente
político-regulatório em transição, sem instrumentos de “pontes” para passivos
legados, a empresa perdeu tempo crítico, viu receita encolher (redistribuição
de slots/rotas, perda de confiança) e não conseguiu atrair capital nas
condições necessárias. O resultado foi o leilão de ativos em 2006 e a falência
em 2010.
“Modernização” e recorrência das crises
O vazio deixado por VARIG,
VASP e Transbrasil foi ocupado por empresas tidas como “modernas” (TAM/LATAM,
Gol, Azul). Elas não sofreram diretamente o congelamento tarifário e nasceram
na nova regulação; ainda assim, recorreram à justiça em choques extremos
(pandemia, câmbio, petróleo), com dívidas elevadas e custos dolarizados. Isso
revela que a modernização não removeu vulnerabilidades sistêmicas: o arranjo
político-regulatório e fiscal continuou a expor o setor a volatilidade macro e
a margens estruturalmente comprimidas.
Conclusão
A derrocada da VARIG não pode ser lida como simples falha de gestão diante de novos concorrentes. Ela expressa a interação entre políticas públicas (preço, concorrência, infraestrutura, previdência), desenho regulatório e choques macroeconômicos. O fator político foi fundamental: moldou incentivos, distribuiu custos e condicionou a própria possibilidade de recuperação. O fato de companhias “modernas” também terem buscado proteção judicial indica que, sem redesenho institucional — coordenação federativa sobre combustíveis e tributos, instrumentos de transição para passivos, governança de slots e de risco cambial — o setor seguirá reproduzindo, sob novas marcas, os dilemas que derrubaram seus gigantes.
Perfeito!
O Poder Político Federal d’então não moveu uma palha para ajudar a Varig a sobreviver… pelo contrário…
O SNA-Sindicato Nacional
dos Aeronautas ainda existe?
Sim, o SNA ainda existe.
Continua voando? Ou, como
vai passando e acompanhando o tempo?
Depois do “Caso VARIG” que
outro(s) livro(s) escreveu?
Na sua opinião, além da
“vontade política” que outros fatores contribuíram para a quebra da VARIG?
Posso listar 10 fatores que contribuíram para a derrocada da VARIG, companhia aérea que por décadas liderou o setor de aviação comercial no Brasil e se tornou referência internacional. A partir de uma abordagem qualitativa e documental, identifica-se que a falência da empresa não decorreu de uma única causa, mas da sobreposição de elementos econômicos, políticos, regulatórios e de governança corporativa. O estudo evidencia que, embora fatores estruturais tenham fragilizado a companhia, a decisão política desempenhou papel determinante para sua inviabilização.
A VARIG foi, durante grande
parte do século XX, a maior e mais importante companhia aérea brasileira,
símbolo de prestígio internacional e de inovação tecnológica. Sua trajetória,
contudo, culminou em um dos mais emblemáticos casos de falência empresarial no
Brasil.
Assim como na investigação de acidentes aeronáuticos, em que múltiplos fatores concorrem para o resultado, a derrocada da VARIG deve ser analisada a partir de uma multiplicidade de variáveis. Este artigo busca identificar e sistematizar dez fatores decisivos que, combinados, precipitaram o colapso da empresa.
1. Congelamento tarifário
no governo Sarney
A política de congelamento de tarifas aéreas imposta nos anos 1980 reduziu drasticamente a capacidade de geração de receita das companhias brasileiras. Ainda que operassem com alta taxa de ocupação, as receitas eram insuficientes para cobrir os custos.
2. Abertura dos céus
brasileiros
A passagem do regime de monodesignação para multidesignação, especialmente nas rotas para os Estados Unidos, expôs a VARIG a uma concorrência assimétrica frente às companhias norte-americanas. Para estas, os voos para a América do Sul eram marginais; para a VARIG, vitais.
3. Uso político da empresa
Na condição de concessionária de serviço público, a companhia foi obrigada a operar rotas deficitárias por razões diplomáticas e políticas, notadamente para países africanos, comprometendo sua saúde financeira.
4. O impacto do 11 de
setembro
Enquanto os EUA injetaram bilhões em socorro às companhias aéreas, no Brasil as empresas arcaram sozinhas com a crise agravada pela escalada do combustível, que subiu 97% em um ano.
5. Criação da ANAC
A substituição do DAC pela ANAC ocorreu de forma apressada e politizada, comprometendo a regulação técnica e instaurando instabilidade regulatória no setor.
6. Custos externos e
volatilidade cambial
A aviação, por operar com insumos dolarizados e margens reduzidas, sofreu intensamente com a variação cambial de aproximadamente 30% e com práticas de dumping e guerra tarifária.
7. Cultura organizacional
Havia entre funcionários a crença de que a importância estratégica da empresa garantiria sua sobrevivência. Essa sensação de invulnerabilidade retardou reações mais eficazes diante da crise.
8. Atuação sindical
Em momentos decisivos, sindicatos atuaram alinhados a interesses políticos, e não à defesa dos trabalhadores. No leilão da VARIG, não foram asseguradas garantias previdenciárias, o que agravou a crise do fundo Aerus.
9. Governança corporativa
deficiente
A Fundação Ruben Berta, modelo inovador de gestão, degenerou em disputas internas e decisões equivocadas. Alterações estatutárias restringiram a participação dos funcionários, e a transferência patrimonial para a FRB-PAR ampliou o desequilíbrio. A instabilidade administrativa refletiu-se na sucessão de 12 presidentes em apenas seis anos.
10. A determinação política
Embora todos os fatores anteriores tenham fragilizado a companhia, a literatura e documentos revelados pelo WikiLeaks sugerem que a decisão política de favorecer concorrentes foi determinante. A companhia foi, em última análise, vítima de interesses partidários e eleitorais.
Conclusão
A derrocada da VARIG não pode
ser explicada por um fator isolado, mas pela confluência de múltiplas variáveis
estruturais, conjunturais e institucionais. Contudo, o elemento determinante
foi a decisão política de inviabilizar a empresa e abrir espaço para
concorrentes alinhadas ao poder.
O caso da VARIG evidencia os riscos da instrumentalização de empresas estratégicas por interesses políticos, além de demonstrar a fragilidade das instituições regulatórias e sindicais quando cooptadas por agendas externas. Como afirmam especialistas e ex-dirigentes, a companhia era economicamente viável, mas não sobreviveu à combinação de ingerência estatal, má governança e pressões políticas.
Sobre o anunciado pagamento
aos ex-funcionários da VARIG, qual a sua avaliação?
É sempre positivo receber aquilo que é de direito — fruto de trabalho ou de indenização — ainda que de forma tardia.
Segundo a Lei nº 11.101/2005 - Lei de Recuperação Judicial e Falências- os créditos trabalhistas têm prioridade especial: o art. 54 determina que o plano de recuperação deve prever seu pagamento em até um ano, contado da homologação judicial. No entanto, no caso da VARIG, os credores em assembleia aprovaram a dilatação desse prazo para dois anos. Além disso, a expectativa de direito referente à Ação de Defasagem Tarifária — ainda sem trânsito em julgado — foi entregue ao AERUS como dação em pagamento.
Vale lembrar que, à época, o próprio juízo da Vara Empresarial chegou a declarar que a recuperação da VARIG havia sido um “sucesso”.
Mas a realidade é outra. Como dizia Rui Barbosa: “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada.”
Agora, pelo que se anuncia, os trabalhadores não receberão integralmente o que lhes é devido. A maior parte da dívida foi transferida para a chamada Classe 3, onde a intenção predominante parece ser ignorar ou simplesmente não pagar. Mas vontades mudam.
Importante destacar: nenhum credor da VARIG recebeu precatórios nem irá receber. Quem recebeu foi a massa falida, que, a partir desses recursos, deverá quitar obrigações com os credores. Os pagamentos abrangem até 150 salários-mínimos (UFIR/RJ), descontados os valores já rateados, mais os 40% da multa do FGTS referentes às rescisões.
Triste é constatar que muitos trabalhadores faleceram sem ver seus direitos respeitados. O resultado disso é um clima de ansiedade que adoece corpo e mente — e, muitas vezes, as maiores crueldades se disfarçam de bondades.
Os beneficiários do AERUS seguem recebendo amparados por tutela antecipada da Ação de Defasagem Tarifária. Contudo, esse arranjo nasceu de um acordo entre a União e a massa falida, sem a participação de todos os atores envolvidos. Nada garante que após a quitação do valor de R$ 4,7 bilhões da ação, ainda que alguns questionem que deveria ser bem maior, a União continue a aportar recursos no fundo de pensão.
A manutenção do AERUS irá depender de uma ACP que pode ser revertida no STJ.
E o paradoxo salta aos olhos: com bem menos do que esse montante, a VARIG poderia ter sido reestruturada, mantido seus voos, gerado empregos, trazido divisas ao país — e o próprio AERUS estaria saneado, cumprindo seu papel original.
Marcelo, qual a sua avaliação específica das presidências de Rubel Thomas (1990-1995) e Ozires Silva (2000-2002)?
E aproveitando o embalo,
quais foram o melhor e o pior presidente da RG, desde a sua fundação até a sua
afundação?
Eu não gosto de falar sobre
pessoas. Prefiro avaliar fatos e números.
Em toda a sua história a VARIG
só teve dois grandes crescimentos: um com Ruben Berta (1942-1966) e outro com
Erik de Carvalho (1966-1979).
O segundo nem era originário
da VARIG. Veio da Panair do Brasil. Dois grandes visionários e empreendedores.
Sem sombra de qualquer dúvida foram os dois maiores nomes que a VARIG teve.
Lembro ainda que de 2002 a 2006 a VARIG teve mais presidentes do que em toda sua história.
Obrigado, Marcelo! E até muito em breve! 😉
Relacionados:O mundo atravessa um período de guerra e de rearranjo no equilíbrio do poder global
Síndrome de carência de protagonismo
O vento invisível
Conversas anteriores:
Marcelo Duarte: “Enquanto pilotávamos os aviões, os que estavam pilotando a empresa estavam quebrando a VARIG e o AERUS”
Luiz Motta: ”o objetivo, como disse, é alcançar o público que até hoje reconhece a Varig como uma companhia aérea que foi orgulho de todos nós.”
João Brás: “As pessoas estão fartas, querem trabalho, bons salários, viver melhor, e não saber se somos todos trans, homofóbicos, racistas ou colonialistas “
Paulo Resende: “… lidar com o público em certas ocasiões é, às vezes, muito difícil. Mas, na maioria das vezes, correu tudo bem.”
James Tims: “Hoje se vende uma ideia, uma letra panfletária, um corpo, uma bunda, desde que chame atenção tá valendo!!”
Rocha: “LIBERDADE É SEMPRE A DO OUTRO, LEMBRE-SE DISSO.”
Eu que agradeço a você pela oportunidade de poder falar sobre este tema e esclarecer alguns fatos históricos . Uma visão de quem vivenciou. Passado duas décadas e baixado a poeira a verdade precisa prevalecer pois o tempo é o senhor da razão. Muita gente tem falado e escrito sem conhecimento de causa. Obviamente que qualquer um pode ter sua opinião o que não deve existir são falsas narrativas tentando reescrever a história.
ResponderExcluir
Excluir🫂