Entre mochilas icônicas e filas na butique da Garcia D’Ávila, a Company marcou o estilo — e a vida — de milhares de jovens cariocas e criou peças que fazem parte da memória afetiva da cidade
Bruna Castro
A glória de uma marca que
parecia falar a língua do Rio
Muitos acharam que elas ficariam apenas na memória. Outros driblaram a passagem do tempo e continuaram a usar algumas das suas peças icônicas, que marcaram a juventude carioca dos anos 1980.
Company e Yes, Brazil fizeram
parte da história da moda do Rio. Eram, em sua época, lançadoras de tendências
e reuniam o que era “hype”. Conquistaram uma legião de fãs.
Entre elas, a Company se
tornou sinônimo de juventude carioca. Criada em 1973 e rapidamente transformada
em referência nacional, a marca firmou-se como um fenômeno que ultrapassava a
moda: era comportamento, estilo de vida, pertencimento.
A indústria que a Company construiu: do fio
ao produto final
O segredo do sucesso estava no
modo de produzir — algo raro no Brasil da época. “A Company comprava fio de
algodão, fiava a própria malha, cortava, estampava, lavava, enfim produzia
tudo. Essa foi uma das grandes razões do sucesso da marca. Ela tinha capacidade
de produzir o que ela queria, no tempo que queria, era uma rapidez de produção
impressionante”, lembra Lula Freitas.
Essa autossuficiência permitia
uma liberdade criativa fora do comum. A marca lançava peças de forma ágil,
atualizada, acompanhando a vibração das ruas de Ipanema e da juventude carioca
que ditava ritmos culturais.
A mochila emborrachada: um
símbolo nacional
A peça mais icônica talvez tenha sido a mochila emborrachada, que virou mania entre estudantes do Rio e do país. “A famosa mochila emborrachada virou febre entre os estudantes. Objeto de estudo, o acessório transformou o hábito dos consumidores brasileiros na época.”
E a mudança foi profunda: “Antes
da mochila, as crianças usavam pastas de couro. Foi uma transformação de
hábito”, conclui Lula. Essa transformação aparece com força no relato
emocionado de José Flávio Guerra:
“Eu me lembro até hoje do dia
em que minha mãe comprou essa mochila pra mim. Foi uma grana na época, mas
todos os meus amigos tinham uma. Eu tive muitas roupas também, mas a mochila,
minha fiel companheira de viagem, é a que sobreviveu ao tempo. Fico espantado
ao ver que ela não se deteriora. É a qualidade das coisas de antigamente, né?”
A Company, sem querer, havia
produzido um objeto que ultrapassaria décadas — e que até hoje é reconhecido à
distância.
As filas na Garcia D’Ávila
e a calça carpinteiro
O fenômeno não se resumiu às mochilas. A loja da Garcia D’Ávila, número 56, tornou-se ponto de peregrinação adolescente. “Muitos formadores de opinião e pessoas especializadas no assunto lembram de adolescentes eufóricos na porta da loja de número 56, na Rua Garcia D’Ávila, para comprar a famosa calça jeans carpinteiro, aquele modelo mais largo, cheio de bolsos e alças espelhadas.”
Era moda, mas também era
ritual de passagem. A compra, o passeio, o encontro — tudo fazia parte da
experiência Company.
O olhar da moda sobre a
marca
Sílvia de Souza,
consultora de moda, lembra o talento de Mauro Taubman, uma das
cabeças criativas da empresa:
“A Company pegou, pois o
Mauro tinha tino comercial. Ele viajava muito com a equipe. Vivia em Londres
buscando referências. Foi a primeira marca a ter design, sem falar na malha era
maravilhosa. Eles se preocupavam com tudo o que era de qualidade.”
Essa preocupação quase
artesanal com qualidade era, em si, um diferencial. As peças duravam. O algodão
era bom. A modelagem era original. E, com isso, a Company criava algo raro:
roupas que viravam memórias.
Quando a moda carioca virou
mito
A Company não era apenas uma
empresa de moda. Era expressão da cultura carioca — leve, inventiva, solar,
ousada. Vestia estudantes, surfistas, artistas, jovens de bairros diferentes,
mas que compartilhavam a mesma estética urbana e despojada.
Foi também uma marca que
acompanhou transformações da cidade, das tribos, dos costumes. No fim dos anos
70 e durante toda a década de 80, quem cresceu no Rio lembrará sempre de uma
peça Company, de um desfile, de uma vitrine, de uma mochila espalhada pelos
corredores das escolas.
E como resume com perfeição a
estilista Isabela Capeto: “Eu era louca pela Company. Tinha que
ter uma camiseta nova por fim de semana.”
O tempo passou, mas a
lembrança ficou
Hoje, a Company pertence ao
passado — mas a paixão que despertou permanece viva. No vocabulário afetivo do
carioca, a marca está ao lado de lugares, músicas e imagens que definiram uma
era.
As histórias sobrevivem na
memória de quem viveu aquele tempo e nas peças guardadas como relíquias:
mochilas que não se deterioram, camisetas que ainda perfumam lembranças.
A Company foi mais que moda.
Foi Rio. E continua sendo — porque certas marcas não desaparecem: viram
saudade.
Título e Texto: Bruna Castro, Diário do Rio, 4-12-2025



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