quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Company: como uma marca carioca virou símbolo da adolescência brasileira nos anos 80

Entre mochilas icônicas e filas na butique da Garcia D’Ávila, a Company marcou o estilo — e a vida — de milhares de jovens cariocas e criou peças que fazem parte da memória afetiva da cidade

Bruna Castro

A glória de uma marca que parecia falar a língua do Rio

Muitos acharam que elas ficariam apenas na memória. Outros driblaram a passagem do tempo e continuaram a usar algumas das suas peças icônicas, que marcaram a juventude carioca dos anos 1980.

Company e Yes, Brazil fizeram parte da história da moda do Rio. Eram, em sua época, lançadoras de tendências e reuniam o que era “hype”. Conquistaram uma legião de fãs.

Entre elas, a Company se tornou sinônimo de juventude carioca. Criada em 1973 e rapidamente transformada em referência nacional, a marca firmou-se como um fenômeno que ultrapassava a moda: era comportamento, estilo de vida, pertencimento.

A indústria que a Company construiu: do fio ao produto final

O segredo do sucesso estava no modo de produzir — algo raro no Brasil da época. “A Company comprava fio de algodão, fiava a própria malha, cortava, estampava, lavava, enfim produzia tudo. Essa foi uma das grandes razões do sucesso da marca. Ela tinha capacidade de produzir o que ela queria, no tempo que queria, era uma rapidez de produção impressionante”, lembra Lula Freitas.

Essa autossuficiência permitia uma liberdade criativa fora do comum. A marca lançava peças de forma ágil, atualizada, acompanhando a vibração das ruas de Ipanema e da juventude carioca que ditava ritmos culturais.

A mochila emborrachada: um símbolo nacional

A peça mais icônica talvez tenha sido a mochila emborrachada, que virou mania entre estudantes do Rio e do país. “A famosa mochila emborrachada virou febre entre os estudantes. Objeto de estudo, o acessório transformou o hábito dos consumidores brasileiros na época.” 

E a mudança foi profunda: “Antes da mochila, as crianças usavam pastas de couro. Foi uma transformação de hábito”, conclui Lula. Essa transformação aparece com força no relato emocionado de José Flávio Guerra:

“Eu me lembro até hoje do dia em que minha mãe comprou essa mochila pra mim. Foi uma grana na época, mas todos os meus amigos tinham uma. Eu tive muitas roupas também, mas a mochila, minha fiel companheira de viagem, é a que sobreviveu ao tempo. Fico espantado ao ver que ela não se deteriora. É a qualidade das coisas de antigamente, né?”

A Company, sem querer, havia produzido um objeto que ultrapassaria décadas — e que até hoje é reconhecido à distância.

As filas na Garcia D’Ávila e a calça carpinteiro

O fenômeno não se resumiu às mochilas. A loja da Garcia D’Ávila, número 56, tornou-se ponto de peregrinação adolescente. “Muitos formadores de opinião e pessoas especializadas no assunto lembram de adolescentes eufóricos na porta da loja de número 56, na Rua Garcia D’Ávila, para comprar a famosa calça jeans carpinteiro, aquele modelo mais largo, cheio de bolsos e alças espelhadas.” 

Era moda, mas também era ritual de passagem. A compra, o passeio, o encontro — tudo fazia parte da experiência Company.

O olhar da moda sobre a marca

Sílvia de Souza, consultora de moda, lembra o talento de Mauro Taubman, uma das cabeças criativas da empresa:

A Company pegou, pois o Mauro tinha tino comercial. Ele viajava muito com a equipe. Vivia em Londres buscando referências. Foi a primeira marca a ter design, sem falar na malha era maravilhosa. Eles se preocupavam com tudo o que era de qualidade.

Essa preocupação quase artesanal com qualidade era, em si, um diferencial. As peças duravam. O algodão era bom. A modelagem era original. E, com isso, a Company criava algo raro: roupas que viravam memórias.

Quando a moda carioca virou mito

A Company não era apenas uma empresa de moda. Era expressão da cultura carioca — leve, inventiva, solar, ousada. Vestia estudantes, surfistas, artistas, jovens de bairros diferentes, mas que compartilhavam a mesma estética urbana e despojada.

Foi também uma marca que acompanhou transformações da cidade, das tribos, dos costumes. No fim dos anos 70 e durante toda a década de 80, quem cresceu no Rio lembrará sempre de uma peça Company, de um desfile, de uma vitrine, de uma mochila espalhada pelos corredores das escolas.

E como resume com perfeição a estilista Isabela Capeto: “Eu era louca pela Company. Tinha que ter uma camiseta nova por fim de semana.”

O tempo passou, mas a lembrança ficou

Hoje, a Company pertence ao passado — mas a paixão que despertou permanece viva. No vocabulário afetivo do carioca, a marca está ao lado de lugares, músicas e imagens que definiram uma era.

As histórias sobrevivem na memória de quem viveu aquele tempo e nas peças guardadas como relíquias: mochilas que não se deterioram, camisetas que ainda perfumam lembranças.

A Company foi mais que moda. Foi Rio. E continua sendo — porque certas marcas não desaparecem: viram saudade.

Título e Texto: Bruna Castro, Diário do Rio, 4-12-2025 

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