quarta-feira, 16 de abril de 2014

Nova visão do real: a filosofia dialética

Antônio Xavier Teles

Todas as coisas estão em eterno fluxo e mudança. Você não é, está sendo. A história cósmica realiza-se em ciclos repetidos.
Heráclito de Efeso (530-470 a.C)

Assim como a Metafísica caracteriza o Passado, a Dialética marca o Presente. A Metafísica se associa a três características:
1. É um pensamento dicotômico, onde se enfatiza a ideia deste e do outro mundo ou realidade, com frequência.
2. É uma fundamentação racional desta realidade.
3. Esta realidade é mostrada mais sobre o ângulo estático do que dinâmico.

Na Filosofia Dialética, contudo, surge uma nova visão do Real, como processo (marcha). Este processo, segundo Hegel, é um ir e vir, é um tornar-se real (coisa) e mental (racional). O real (material) e o mental (racional) são momentos de um mesmo processo; em outras palavras, a única realidade é este Processo e, nele, o Racional torna-se Real.

 Vejamos um exemplo bem singelo disto. As grandes massas de população urbana, conscientemente ou não, pensam e sentem a necessidade de transportes coletivos apropriados. Esta racionalização (este pensamento) se transforma ou pode se transformar em realidade. Por exemplo, constroem-se grandes ônibus, metrôs, etc. Estes objetos são racionais, no sentido de que foram antes ideias racionais que tomaram expressão concreta.

A Dialética e seu modo de proceder

A concepção dialética apareceu cedo, na História da Filosofia, embora a tendência metadísica a tenha superado, desde logo. Começou com Heráclito e se desenvolveu plenamente com Hegel depois no pensamento de Marx e Engels (*).

A estrutura de nosso pensamento, de certo modo, está organizada de modo dialético. Nas nossas mentes, as ideias são limitadas por seus contrários. A ideia de vida está próxima e é limitada pela de morte.

Assim, nossas ideias estão organizadas em dupla, nas nossas mentes: “dia/noite”; “bom/mau”; “agradável/desagradável”, etc.
É curioso notar que, quando se diz a alguém: “você está falando demais”, a pessoa mentalmente formula seu contrário: “vou ficar absolutamente calado”. Isto, efetivamente, no caso de aceitar a observação.

Há outro aspecto interessante na relação mente– mundo. As ideias que surgem na mente criam transformações no meio exterior. O pensamento cria ação que vai modificar o mundo. Com a modificação deste, novas ideias surgem que vão interferir neste mesmo meio já modificado, transformando-o num processo em aberto.

Quando se tem, na mente, alguma ideia, mesmo que absurda, esta passa a ser real, nos seus efeitos.
Se alguém acredita na mula-sem-cabeça, no bicho-papão ou no lobisomem, estas ficções passam a ser reais nos seus efeitos. O portador de tal crença não sai na sexta-feira à noite, não aceita trabalhar de vigia noturno. São efeitos reais de ideias sem conteúdo objetivo.

Hegel dava muita ênfase a esta relação ideia– mundo, no sentido de que as mudanças nas ideias provocam mudanças no mundo. Por isto, sua dialética é chamada de idealista.
Para outras correntes filosóficas, conhecidas como realistas, nossas ideias são simples reflexos da realidade nas nossas mentes e por isso o importante são as condições externas que vão produzir as ideias.

(*) Heráclito (544-475 a.C.): filósofo grego, criador da primeira Filosofia Dialética, na Antiguidade.
Hegel, Friedrich (1770-1831): criou uma Filosofia Dialética extraordinariamente ampla e desenvolvida.
Marx, Karl (1818-1883): aplicou a Filosofia Dialética de Hegel ao desenvolvimento da História e da sociedade.
Engels, Friedrich (1820-1895): filósofo alemão, colaborador de Marx e teórico do materialismo dialético, assim chamado por se opor ao idealismo dialético de Hegel.

As leis da Dialética

Primeira lei: Tudo é o processo, tudo está em mudança.
Vejamos uma fruta. Olha-se para ela, não se percebe, mas está em estado de transformação. Dois dias depois, poderá estar madura. Quatro a cinco dias depois poderá estar apodrecida. Toda esta transformação foi o resultado do seu movimento dialético, isto é, do processoa natural daquele ser que, em determinado momento, começou a existir, cresceu, amadureceu, apodreceu e cujas sementes, a seguir, poderão germinar e dar origem a muitas árvores frutíferas. Assim, a fruta apresenta-se como uma transição entre o que foi, seu passado, e o que será, seu futuro. Poderá ser a transição entre uma árvore e um pomar.

Pelo fato de estarmos sempre em processo, conclui-se a transitoriedade do ser que se apresenta como processo ou marcha.

O processo resulta do dinamismo interno ou dialético da estrutura. Contudo, nem todas as transformações e mudanças são provocadas pelo autodinamismo. Quando um trator esmaga uma fruta sob as suas rodas, esta modificação não é dialética. É antes mecânica ou externa. As transformações podem ser de ordem interna ou dialética e de ordem externa ou mecânica. A Dialética procura investigar estas modificações internas: pesquisando seu começo, suas ligações com outros processos e o fim para onde se dirige.

Segunda lei: O encadeamento dos processos. Ação recíproca. A rede que se forma.
Tomemos, como exemplo, a mesma fruta. Se quisermos estudá-la do ponto de vista dialético, temos que vê-la dentro de uma rede de processos ou encadeamentos. O que temos diante de nós nem sempre foi fruta madura. Começou como flor e fruto inicial. Olhando mais para trás, vemos que ela é resultante de processos mais amplos que incleum solo, chuva, luz solar, calor, estação do ano, clima, posição da Terra em relação ao Sol, etc. Com isto, estamos querendo mostrar o encadeamento dos processos formando redes, algumas extremamente amplas.

A fruta está ligada a uma árvore que, por sua vez, depende do clima e do solo, que, de sua parte, depende da posição da Terra em relação ao sol. E este depende de sua posição no Cosmos. E o Cosmos é uma estrutura infinita.

Vejamos este encadeamento de outro modo.
A fruta se decompondo ajuda a germinar suas sementes. Destas sairão árvores que, por sua vez, produzirão ínumeras frutas. Como vemos, o processo não é circular, mas em espiral. Começamos, no nosso exemplo, com uma fruta e terminamos com uma grande colheita, se as condições forem favoráveis.

Terceira lei: A contradição
Pela primeira lei, vimos que as coisas estão em contínua evolução ou mudança.
Pela segunda lei, sabemos que os vários processos se ligam, entre si, formando uma rede. Desta maneira, o progresso não é circular e repetitivo e sim, em espiral e ascendente.

Pela terceira lei, vamos ver porque isto acontece. O processo dialéticoa é uma marcha que leva o ser exatamente para o pólo oposto ao que é. Tudo se transforma no seu contrário. A fruta está, por força do seu movimento dialético ou por seu próprio autodinamismo, em movimento na direção contrária ao que é, a saber: a não ser mais fruta. O ser vai até ao fim de seus limites e, ao ultrapassá-lo, já não é mais o ser. É o seu oposto.

A existência de contrários, dentro da cada ser, garante a evolução e sustenta o processo dialético.

Se só houvesse vida, em seu estado puro, não poderia existir a morte; do mesmo modo, se a morte fosse “total”, seria impossível sair dela qualquer forma de vida. Assim, a marcha da vida é para a morte e, por sua vez, um ser morto entra num processo que termina por produzir novas formas de vida.

Assim, um ser é, ao mesmo tempo, ele próprio e seu contrário. Em outros termos, é algo que contém seu contrário.

Há, dentro de cada ser, forças de direção opostas: umas que lutam por conservá-lo no estado onde está e outras que o empurram para sair desse estado.

Assim, podemos dizer: há forças que afirmam o ser e forças que o negam. O objeto pode ser visto como uma síntese da afirmação (tese) e de sua negação (antítese).

Vejamos outro exemplo, simples: um ovo de uma ave, no seu ninho. Afirmamos que contém, em si, sua negação, que o novo ser que dele vai nascer. Deste modo, há nele duas forças: uma que o leva a permanecer ovo e outra que o leva a transformar-se num novo ser vivo.

Os marxistas afirmam que o Estado burguês contém, em si, sua negação, que é o proletariado.

É claro que nem sempre vamos encontrar estas fases dialéticas em tudo. Alguns processos são excessivamente longos para mostrar seu movimento dialético. Nem todo movimento dialético se faz com a clareza do dia que, no intervalo de vinte e quatro horas, conclui seu processo para recomeçar no dia seguinte.

Realmente, Heráclito tinha razão quando dizia: “coisa alguma fica o que é”; “coisa alguma permanece como está”.

Quarta lei: Transformação da quantidade em qualidade. Lei do progresso por saltos.
A direção do processo dialético se faz em dois sentidos. Primeiro, é quantitativo. Nesta fase, encontramos uma série de pequenas transformações quantitativamente cumulativas.

Examinando bem os fatos, verifica-se que a série cumulativa ou progressiva de pequenas mudanças aconecem até certo momento porque, a partir deste ponto, dá-se uma mudança brusca ou qualitativa. Por exemplo, as relações entre dois países podem ir crescendo em nível de tensão até, em determinado momento, se transformar num estado de guerra. Na guerra, não há mais relacionamento. É uma situação qualitativamente diferente.

Mudanças contínuas acumuladas acabam produzindo mudanças brusacas, diferentes das anteriores. É esta a quarta lei da Dialética.

Tomemos um exemplo da natureza física. Se levarmos um recipiente com água ao fogo, esta irá subindo progressivamente de temperatura até 100°C. Mas, a partir daí, ocorrerá uma mudança qualitativa. A água mudará de estado transformando-se em vapor. Assim, temos, de 1° até 99°C, mudanças quantitativas (na quantidade de calor). Ao se transformar em vapor e no inverso do processo, em gelo, dizemos que a mudança é qualitativa.

Em Filosofia social, isto tem um alacance singular.
Quando um número significativo de pessoas começa a pensar do mesmo modo, esta ideia comum, em prol da coletividade, por exemplo, poderá criar uma ação qualitativamente diferente. Por força desta ação ocorre um comportamento totalmente diferente do anterior. Estas ideias, que se acumulam quantitativamente de acordo com a quantidade de pessoas que as possuem, só são capazes de dar um salto qualitativo quando atingirem um número crítico.
Título e Texto: Antônio Xavier Teles, in “Introdução ao Estudo de Filosofia”, páginas 76 a 80.
Digitação: JP

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