Alexandre Homem Cristo
A ex-líder do PSD, que em 2009
tanto se orgulhou de defender a verdade sobre a popularidade, é agora uma das
vozes que preenche o debate público de imprecisões.
Manuela Ferreira Leite [foto] não acredita que a descida da taxa de desemprego esteja relacionada com as políticas do Governo. A desconfiança não é inédita e os argumentos são vários: o desemprego cai porque há emigração; o desemprego cai porque há desempregados que desistem de procurar emprego; o desemprego cai mas os novos empregos são de curta duração. Será assim? Não é, como se verifica com um simples olhar para os dados.
De acordo com o INE (consultar aqui), a taxa de desemprego (no 3º trimestre de
2014) é de 13,1%, ou seja 689 mil pessoas, tendo diminuído 5,5% (40 mil
pessoas) face ao último trimestre e 2,4% face ao trimestre homólogo (3º
trimestre de 2013). Na verdade, depois de cerca de dois anos a crescer, o
desemprego tem vindo a cair sucessivamente nos últimos seis trimestres. O que
explica essa queda?
Não é a emigração. Se fosse, a
queda do desemprego verificar-se-ia em função do desaparecimento estatístico de
desempregados (porque saíram do país) e não, como acontece, em função da
criação de emprego. De facto, em relação ao trimestre anterior, a população
empregada aumentou 1,1% (50 mil pessoas). E se tivermos em conta a taxa de
variação homóloga, a criação de emprego tem sido uma constante nos últimos
quatro trimestres.
Não é também a desistência em
procurar emprego que explica a queda da taxa de desemprego. É que não há
variações significativas na população inactiva disponível: na comparação
homóloga, até diminuíram (-0,7%) os portugueses desempregados que tinham
desistido de procurar emprego, embora face ao trimestre anterior se verifique
um aumento (17,8%). De resto, a desistência de alguns desempregados é, em
média, compensada pelo regresso de outros à procura de emprego.
Por fim, também não há
indicadores que sustentem que os empregos criados sejam precários e de curta
duração. Pelo contrário. Comparando com o período homólogo, aumentou o número
de trabalhadores a tempo completo (3,3%), e diminuiu a população empregada a
tempo parcial (-5%), assim como o subemprego a tempo parcial diminuiu 9,4%. Não
há, portanto, aumento de trabalho precário.
Claro que isto não quer dizer
que a emigração ou as desistências dos desempregados não têm qualquer efeito
nas taxas de desemprego. Significa apenas que nenhum desses fenómenos é a causa
da queda do desemprego. Ou seja, Manuela Ferreira Leite não tem razão: o desemprego
está mesmo a diminuir e, inevitavelmente, isso deve-se ao desempenho da nossa
economia. Não é truque ou artimanha. É a realidade.
Manuela Ferreira Leite não é
caso único. Veja-se Pacheco Pereira, Bagão Félix, Mira Amaral, António Capucho,
Freitas do Amaral. Todos são críticos ferozes do Governo. Todos são
personalidades de primeira linha da história do PSD e CDS. Todos usam desse
estatuto para emprestarem uma credibilidade reforçada às críticas que apontam
ao Governo – é sempre mais convincente quando é a direita a bater na direita. E
todos são ouvidos porque dizem exactamente o que as pessoas querem ouvir – que
tudo correu mal, que as metas vão falhar, que o desemprego real não baixou. E,
ao dizerem-no, legitimam essa opinião, por mais que, por vezes, ela esteja
errada.
Um debate público construído
de argumentos de autoridade só pode promover a irracionalidade. É aí que
estamos e é mais ou menos isso que nos espera no ano que antecede as
legislativas. Nada disso é novo.
A novidade é que Ferreira
Leite, que em 2009 tanto se orgulhou de defender a verdade sobre a
popularidade, é agora uma das vozes que preenche o debate público de
imprecisões. Em boa verdade, conseguiu ser popular – até o PS a cita nos
debates parlamentares. Mas, também em boa verdade, é cada vez menos o que
separa os seus comentários televisivos dos de Sócrates. E isso só pode ser
visto como uma derrota.
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