Rui Ramos
Seria
crítico que, perante o terrorismo, encontrássemos um governo dependente de quem
não é capaz de condenar um atentado sem elaborações duvidosas.
Não, não foi outro 11 de
Setembro. A atrocidade da Al-Qaeda nos EUA, em 2001, aconteceu noutro mundo,
numa sociedade de baixa segurança, completamente desatenta, incapaz de imaginar
o que poderia acontecer. A operação militar do Estado Islâmico em Paris, com
três equipas em contacto com os chefes na Síria, decorreu numa das cidades com
maior nível de segurança da Europa, e quando toda a gente discutia a
probabilidade de um atentado. Esse é o grande significado da passada
sexta-feira: a segurança que temos não chega para vivermos tranquilos.
George Bush tentou
combater o que julgou ser as origens do terrorismo num Oriente de déspotas
e de teocratas. Depois, convencemo-nos que nos bastaria mantermo-nos à
distância, deixá-los matarem-se uns aos outros, pactuar com poderes suspeitos,
vigiar a internet, e ficarmo-nos por liquidações cirúrgicas, como a de “Jihadi
John”. A polícia, mais uns drones nos céus da Síria, bastavam. Foi a opção de
Barack Obama, embora admitisse, como fez na passada quinta-feira, que afinal os drones não
têm sido demasiado eficientes. O facto é que a “não intervenção” na Síria
provocou um desastre muito maior do que a intervenção no Iraque. Criou uma base
de terror e fez os sírios que puderam fugir para a Europa. Na sexta-feira,
descobrimos que a geografia mudou, e que Paris fica na Síria. Talvez já tenha
faltado mais para Bush ser compreendido.
A Europa começa a fazer parte
do Médio Oriente. É uma das ironias da história. Durante muitos anos, os
interesses ocidentais no outro lado do Mediterrâneo eram enormes, a começar
pelo petróleo barato que sustentou a industrialização do pós-guerra. Mas nesse
tempo, a não ser pelas guerras de Israel, tudo na Ásia Ocidental e no Norte de
África parecia tão remoto como no tempo de Lawrence da Arábia. Agora, que a
dependência energética do Médio Oriente diminuiu e que já ninguém pensa em
fazer da Argélia uma província francesa, a circulação de pessoas, intensificada
pelas migrações, estabeleceu uma espécie de continuidade populacional entre os
dois lados do Mediterrâneo. Já nos revemos no espelho levantino: o exército (em
vez da polícia) a montar barreiras nas ruas de Paris é uma imagem típica de
Israel.
Como de costume, toda a gente,
a todos os minutos, nos recorda a virtude da tolerância, e nos alerta contra o
populismo nacionalista. Sem dúvida que temos de resistir à xenofobia, e à sua
exploração por demagogos da pior espécie. Mas a catequese não
chega. Convém evitar situações extremas, em que a sobrevivência ou o medo
prevaleçam sobre os nossos valores e instituições. Uma vaga de atentados, na
sequência do descontrole nas fronteiras, anularia todos os bons sentimentos. Os
governos europeus precisam de restabelecer o controle do espaço europeu e
mostrar-se finalmente decididos em fazer recuar o Estado Islâmico, a quem
consentiram barbaridades durante demasiado tempo. A relutância de Obama ou a
inconsciência de Merkel não servem.
Por isso, quando a deputada
europeia Ana Gomes, logo na sexta-feira à noite, tentou aproveitar o sangue em
Paris para lembrar que, numa altura destas, não podemos estar sem governo, esqueceu-se de que não chega
qualquer governo. Seria de facto crítico que, perante o terrorismo,
encontrássemos ministros dependentes de quem não é capaz de condenar um
crime sem elaborações duvidosas, ou considera que os EUA ou Israel,
neste caso como em todos os casos, é que representam a culpa e a ameaça. Não
pode haver dúvidas sobre o empenho de quem governa na defesa dos valores
ocidentais e do nosso modo de vida.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
16-11-2015
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