Péricles Capanema
Está em curso no Rio de
Janeiro o maior espetáculo esportivo da Terra. Deslumbrante o começo, marcado
por cerimônia apoteótica com desfile de mais de 200 delegações, competindo
perto de 11 mil atletas, audiência pelo mundo afora de aproximadamente três
bilhões de pessoas. Pelo País se difundiu um ambiente de satisfação e ufania.
Como o espaço é curto, vou
tratar apenas de dois aspectos. Sem acidentes, em clima de festa, no meio da
cerimônia, desfilou a Coreia do Norte, passou a Síria, caminhou o Iraque. Os
espectadores, por momentos fugazes — abertura passageira em nuvens de tempestade
—, sentiram na alma o sol da união e da paz. O evento tocou em aspiração humana
profunda. Na Grécia, quando havia olimpíada, a guerra cessava.
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Veio-me à mente uma imagem
antiga. O período inicial da I Guerra Mundial ficou estigmatizado pelas
batalhas nas trincheiras, que acarretaram uma mortandade pavorosa. As potências
beligerantes decretaram a trégua de Natal de 2014. Em Ypres, na Bélgica, em 25
de dezembro, os franceses e ingleses escutaram o Stille Nacht (Noite
Feliz) cantado por soldados alemães. E logo depois observaram pequenas árvores
de Natal ao longo das trincheiras teutas. Serenaram as linhas de combate. Os
alemães caminharam sem defesa para o no man’s land (terra de
ninguém no meio dos dois exércitos). Ali, chamaram os soldados franceses e
ingleses para uma confraternização, ainda que passageira. Trocaram pequenos
presentes, cantaram. Walter Kirchhoff, oficial, tenor de talento,
apresentou um número com canções natalinas. Pouco depois, as tropas voltaram
para as trincheiras.
Por um momento se materializou
o ideal de que um dia os homens constituiriam de fato uma grande família. Mais
alto, o anseio palpita no Evangelho: “Tenho ainda outras ovelhas que
não são deste rebanho; também a elas eu devo conduzir: e elas escutarão a minha
voz e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16). E ainda: “Eu
já não estou mais no mundo, mas eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai
santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como
nós”(Jo 17, 11).
Tem mais. Em raiz, o
brasileiro facilmente compõe situações, harmoniza diferenças, faz os visitantes
se sentirem em casa. Na realidade, sente até satisfação em assim agir e,
satisfeito, vê hoje essa imensa “invasão” de povos de todos os cantos da Terra.
Lembra o austríaco que, tendente aos métodos suaves, harmonizou por séculos,
sob o guarda-chuva protetor dos Habsburgos, povos difíceis de conviver. Mas, lá
e cá, pode degenerar em irenismo.
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Viro a página. Os Jogos
Olímpicos de 2016 têm sido chamados de Olimpíadas da diversidade. De si, nada a
objetar, toda olimpíada congrega diversidades dos mais variados gêneros. E é
simpático o cultivo da diversidade em sua significação clássica. De forma especial
nos últimos séculos.
Com efeito, as revoluções nos
Tempos Modernos tiveram como fio condutor a igualdade, da qual geraram um
apetite que, em parte por doentia autoalimentação, se exacerba de forma
destrutiva. A simpatia pela diversidade é antídoto contra a igualdade. A
diversidade harmônica e proporcionada em situações sociais, de cultura, de
sexos, de nações, de bens expressa condição indispensável de crescimento
pessoal e aperfeiçoamento social. De outro modo, apresenta saliente nota
contrarrevolucionária, favorecendo as mais variadas plenitudes.
Hoje a coisa está mudando. O
vocábulo diversidade vem sofrendo violenta torção para servir objetivos de
demolição do que resta de civilização cristã entre nós. Por uma baldeação
ideológica inadvertida, em determinados contextos, esvaziado de seu significado
original, ele apresenta acepção libertária. E assim, de forma crescente, se
torna símbolo de movimento moral contestatário, socialmente igualitário e
ideologicamente intolerante.
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Uma rápida explicação. Por
milênios, a moral era a norma de conduta segundo a natureza. (Se já não se
aceita que exista natureza humana, como qualificar moralmente o ato humano?).
Os propagandistas da diversidade querem, em sua acepção torcida e com base na variedade
dos desejos, justificar condutas antes objeto de censura. No mundo da
diversidade se acolheriam com total normalidade transgêneros, lésbicas,
homossexuais masculinos, bissexuais etc. A lista não tem fim. Seriam protegidos
por lei (a campanha contra a homofobia entra aqui) e, através de uma intensa
propaganda de intimidação social, acabariam também as sanções impostas pelos
presentes costumes de raiz cristã. Na lógica do movimento de liberação total,
dia mais, dia menos, veremos ainda campanhas pelo fim da criminalização da
pedofilia, da poligamia e da poliandria.
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E vou ao ponto dois. A Rio
2016 vem sendo utilizada como plataforma de tal movimento. Reinaldo
Bulgarelli, signatário do documento no qual o Comitê Organizador dos Jogos Rio
2016 se compromete com a causa da igualdade de gênero e com os objetivos LGBT,
aponta o rumo: “Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos já expressam esse
valor da diversidade que há no mundo, inclusive a que considera a orientação
sexual e identidade de gênero. São temas ainda complicados no mundo, mas a
organização (Rio 2016) ao dizer isso (seu apoio à causa) expressa: nós
efetivamente valorizamos a diversidade.”
Contra essa
instrumentalização, que pretende de forma abusiva e em direção claramente
regressiva tornar aceitas legal e socialmente práticas aberrantes de seitas e
povos bárbaros, abolidas pelo caminhar ascensional dos povos ocidentais, cumpre
reagir com lucidez em defesa da ordem civilizada. O contrário seria a barbárie
e o crime.
Título, Imagem e Texto: Péricles Capanema, ABIM,
11-8-2016
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