terça-feira, 7 de novembro de 2017

Hillary Clinton e o mal maior

Bruno Garschagen

Foto: U.S. Air Force photo/Tech Sgt. Cohen A. Young
Hillary Clinton sabia ou não sabia que um membro de sua campanha à presidência em 2016 ajudou a financiar um dossiê com acusações contra o presidente Donald Trump?

O jornal democrata The Washington Post revelou a história no dia 24 de outubro. Representante da campanha e do comitê do Partido Democrata, o advogado Marc E. Elias contratou a empresa Fusion GPS, que por sua vez contratou o investigador inglês Christopher Steele, um ex-funcionário do departamento de inteligência britânico que tinha conexões com o FBI e com a comunidade de inteligência americana. Para pagar pelo serviço, Elias teria usado parte dos quase US$ 10 milhões que recebeu da campanha e do comitê entre junho de 2015 e dezembro de 2016.

O jornal também revelou que parte das informações levantadas por Steele foi utilizada no dossiê que foi publicado pelo site Buzfeed em janeiro deste ano. O documento tentava estabelecer vínculos espúrios entre o governo russo e Trump ao sugerir que Moscou teria informações pessoais comprometedoras sobre o presidente americano e que teria colaborado secretamente na sua vitoriosa campanha presidencial. Nada foi provado até agora, mas o FBI, uma comissão independente e o Senado americano estão investigando o assunto.

A dúvida permanece: Hillary Clinton estava, afinal, a par da situação? Sem uma confissão ou prova concreta, neste momento só é possível especular com base nos fatos, nos seus atos como política e na sua ideologia. Para isso, precisamos saber quem é Hillary Clinton.

Sob o ponto de vista ideológico, Hillary foi profundamente influenciada por Saul Alinsky, ideólogo socialista e ativista político radical que trabalhou durante anos para o Partido Comunista de Chicago e que também exerceu grande influência sobre Barack Obama. Alinsky defendia a tese marxista da propriedade estatal dos meios de produção, mas, como intelectual pragmático da extrema-esquerda, não achava que tal finalidade poderia ser atingida por meio de uma revolução violenta. Ele propugnava um trabalho lento, feito em partes, baseado numa organização paciente de esforços no âmbito local para se atingir os objetivos, mesmo que estes demorassem gerações para serem realizados.

Na década de 1960, Hillary fazia parte de um grupo de estudantes de esquerda que não apenas seguiu, mas atualizou (e de certa forma aprimorou) os ensinamentos de Alinsky. Ela, inclusive, estudou o primeiro livro de Alinsky, Reveille for Radicals, em seu trabalho final de graduação. Sua conclusão sintetizava a sua própria expectativa: se as ideias de Alinsky fossem atualizadas, o resultado seria uma revolução social.

No livro Rules for Radicals, que dedicou a Lúcifer, “o primeiro radical que se rebelou contra o estamento e (…) conquistou o seu próprio reino”, Alinsky ensinava a importância de trabalhar dentro do sistema. E que, para realizar qualquer mudança revolucionária, era preciso, antes de tudo, adotar “uma atitude passiva, afirmativa e não confrontadora” para produzir uma mudança na sociedade (p. 15). Isso porque “as pessoas não gostam de sair bruscamente da segurança da experiência familiar. Elas precisam de uma ponte para fazer a travessia de sua própria experiência para uma nova. Um militante revolucionário deve sacudir os padrões vigentes de suas vidas – agitar, provocar desencanto e descontentamento em relação aos valores atuais, e produzir, se não uma paixão pela mudança, pelo menos um clima passivo, afirmativo e que não seja confrontador” (p. 18).

Hillary agregou as lições de Alinsky para realizá-las desde dentro do sistema político. Num artigo para a National Review, Stanley Kurtz afirmou que a proposta da Nova Esquerda da qual Hillary fazia parte representava uma mudança de meios, não de fins em relação à estratégia de Alinsky. “A crença de Hillary nos objetivos de Alinsky, e sua vontade de adaptá-los e adotá-los num contexto político, mantiveram-se fortes”.

Os instrumentos à disposição do governo são os meios para, inclusive, modificar a cultura de cima para baixo. A declaração de Hillary numa conferência sobre feminismo revela a estratégia: “Os códigos culturais profundamente enraizados, as crenças religiosas e as fobias estruturais precisam mudar. Os governos devem empregar seus recursos coercitivos para redefinir os dogmas religiosos tradicionais”. São esses dogmas que, por exemplo, servem como um obstáculo contra o aborto, que a candidata do Partido Democrata apoia e usa seu prestígio de forma a conseguir recursos para a Planned Parenthood, “a maior multinacional do aborto”.

Essa dimensão ideológica já seria suficiente para afirmar que, se Hillary tivesse conquistado a presidência, o grande vencedor teria sido, mais uma vez, Saul Alinsky, ambos inimigos da imaginação moral.

Pode-se questionar se o compromisso ideológico da juventude não teria já sido rompido por Hillary na fase adulta ou até mesmo agora, na maturidade. Mas suas posições políticas, algumas das quais flutuantes a depender do seu objetivo, parecem ser mais uma prova de que a natureza de suas ações continua fundamentada nos ensinamentos de Alinsky. Um exemplo simbólico são os vínculos estreitos dela com George Soros, sobre quem escrevi recentemente aqui na Gazeta do Povo. Soros é um dos maiores doadores de toda a carreira política de Hillary. Os documentos vazados pelos sites Wikileaks e DC Leaks no ano passado mostraram a dimensão do poder e o grau de influência do bilionário sobre a então candidata e sobre o Partido Democrata. Para ambos, ele destinou cerca de US$ 25 milhões só para a eleição presidencial de 2017. Um dos emails vazados revelou que Soros, mediante um representante, enviou instruções a Hillary, então secretária de Estado do governo Obama, para intervir na política da Albânia, país onde ele tem negócios. Três dias depois da mensagem, o nome sugerido pelo bilionário, Miroslav Lajcak, foi enviado pela União Europeia para mediar o conflito entre os rivais políticos albaneses.

No âmbito da ética, Hillary não decepciona. Apesar de ter passado a campanha criticando o mercado financeiro representado por Wall Street, ela recebeu somente em 2013 US$ 3,15 milhões por palestras contratadas por bancos como UBS, Goldman Sachs, Deutsche Bank e Morgan Stanley. Um levantamento feito pelo Center for Responsive Politics mostrou que os bancos JPMorgan, Goldman Sachs, Citigroup e Morgan Stanley estavam entre os maiores doadores de sua campanha para presidente em 2008. Esses mesmos bancos, representantes legítimos de Wall Street, foram quatro dos cinco principais doadores durante todo o período em que Hillary ficou no Senado. Entre 2013 e 2014 Hillary recebeu cerca de US$ 10 milhões por ano por palestras proferidas (incluindo aquelas para outros segmentos).

Talvez isso explique por que a elite financeira americana, incluindo investidores como Michael Bloomberg, Warren Buffet e George Soros, apoia há décadas o Partido Democrata e a própria Hillary, que, em 2015, apresentou no Senado o tão aguardado plano de reforma do sistema financeiro. O plano foi, curiosamente, elogiado pelos banqueiros e criticado por Bernie Sanders, seu ex-adversário na disputa interna do Partido Democrata no ano passado. A forma como Hillary venceu a nomeação contra Sanders já estava sob suspeita, mas agora não há mais dúvidas sobre o que, de fato, aconteceu.

Na sexta-feira passada, o site POLITICO publicou excertos do livro Hacks: The inside story of the break-ins and breakdowns that put Donald Trump in the White House, de autoria de Donna Brazile, ex-presidente interina do Comitê Nacional do Partido Democrata. Nos trechos divulgados, Donna fornece detalhes de uma história que era conhecida pela metade. Ela afirma que um ano antes da realização das primárias que a indicaram como candidata, a campanha de Hillary teria fechado um acordo com a então presidente do Comitê Nacional do Partido Democrata, Debbie Wasserman, para assumir o controle dos fundos da entidade. Até então, o padrão era a campanha do candidato assumir o “controle das operações partidárias e do levantamento de recursos” só depois de ser indicado pelo partido após votação – não antes – para evitar qualquer tipo de favorecimento. O objetivo do acordo seria manipular o Comitê para beneficiar a campanha de Hillary nas primárias. Depois de tê-lo firmado, a campanha da candidata depositou US$ 10 milhões na conta do partido, que tinha uma dívida de US$ 2 milhões. Donna assumiu a presidência interina logo depois de a então presidente Debbie Wasserman deixar o Comitê assim que parte da história veio à tona com os e-mails vazados pelo Wikileaks.

Nos trechos publicados pelo site POLITICO, Donna afirma que “o acordo de financiamento com Hillary For America [a campanha] e Hillary Victory Fund [instrumento de recolha de fundos em conjunto com o Comitê Nacional Democrata] não era ilegal, mas com certeza não foi ético”. Ela ainda disse que “se a luta tivesse sido justa, uma campanha não teria controle do partido antes que os eleitores decidissem qual dos candidatos queria para liderar”. Embora tenha dito não se tratar de “um ato criminoso”, não tinha dúvida de que “a integridade do partido foi atacada”.

Donna Brazile, porém, não era uma santa cercada de pecadores. Em outubro do ano passado, ela foi obrigada a pedir demissão da função de comentarista da CNN, a emissora que apoia a ideologia, a agenda e os candidatos do Partido Democrata. O motivo foi ter vazado para a campanha de Hillary, em duas ocasiões, perguntas que seriam feitas em debates com os candidatos democratas promovidos pela própria CNN.

No mesmo dia em que os excertos do livro foram publicados, a senadora Elizabeth Warren “afirmou que as eleições primárias para a escolha do candidato presidencial democrata de 2016 foram fraudulentas”. Segundo Elizabeth, “o processo eleitoral foi manipulado e agora cabe aos democratas construir um que realmente funcione e para todos”.

Há vários casos escandalosos e criminosos envolvendo o nome de Bill e Hillary Clinton (alguns dos mais importantes, lembrados neste post de Filipe G. Martins), cujo enriquecimento é algo impressionante até mesmo para os padrões dos Estados Unidos em se tratando de políticos e não de empreendedores. De casal endividado no ano 2000, quando Bill deixou a presidência, os Clinton amealharam em 15 anos a expressiva fortuna de US$ 200 milhões.

Retomando a pergunta com que iniciei este artigo, sendo ela quem é e o que ela já fez, difícil acreditar na inocência ou na ignorância de Hillary Clinton sobre uma questão que lhe dizia respeito tão diretamente e que definiria o seu futuro político. Mas, porque Donald Trump está na presidência, ela deve continuar a contar com o apoio e com a complacência de milionários, investidores, especuladores, intelectuais e jornalistas dos Estados Unidos, da Europa e do Brasil mesmo diante de todas as provas existentes contra ela até agora.

Ao contrário do que afirmou Ruy Barbosa, do mal em política muitas vezes nasce um mal maior.

SAIBA MAIS:

Clinton Cash – A História Não Contada da Fortuna dos Clinton:


A Wolf in Sheep’s Clothing (“Lobo em pele de cordeiro”):


Trecho do filme America, Imagine the world without her (“América, imagine o mundo sem ela”), de Dinesh D’Souza, sobre Alinsky:


Palestra “Regras para Radicais: O que conservadores constitucionalistas deveriam saber sobre Saul Alinsky”, de David Horowitz:


Entrevista concedida por David Horowitz para Glenn Beck:


Trecho de uma palestra de Andrew Breitbart sobre Obama e Alinsky:


Saul Alinsky e a Anatomia do Mal, de André Assi Barreto e Márcio Scansani, livro em fase de financiamento coletivo.

Título e Texto: Bruno Garschagen, Gazeta do Povo, 6-11-2017

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