quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Macron, a virada socialista?

Pierre-Antoine Delhommais

Ele queria atacar o laxismo orçamentário. A dívida pública aumenta.

Enquanto a França debate e manifesta, seu déficit público aprofunda o buraco. Desde há dois anos, ele tinha conseguido, não sem esforço, depois de uma década de deambulações, a descer até à barra dos 3% do PIB. Mas ele vai ultrapassar essa barra em 2019, para se estabelecer em 3,2% do PIB: uma consequência direta das medidas anunciadas em dezembro para responder à irritação dos coletes amarelos; prova, sobretudo, da insustentável ligeireza orçamentária dos governos da França.

Como constata com severidade, mas com lucidez o economista Charles Wyplosz em artigo publicado no site Telos: “Eis o déficit público crescendo. Desde há quarenta e cinco anos – o último exercício equilibrado foi em 1973 –, é sempre a mesma coisa. Existe sempre uma circunstância qualificada de excepcional para adiar para amanhã o que é necessário fazer hoje, já que não se fez ontem; neste caso, colocar em ordem as contas públicas. Emmanuel Macron havia manifestado a firme intenção de parar com este laxismo. Alguns coletes amarelos mais tarde, ele caiu de novo na sopa. Desesperador.”


Mais desesperador ainda é quando comparamos a situação da França com a que é observada no resto da zona euro, cujo déficit será limitado, em média, a 0,8% do PIB, e onde nada menos do que 10 Estados apresentarão um excedente orçamentário. Não só o nosso país exibirá em 2019 o déficit mais elevado da zona, bem superior ao de 2% do câncer italiano, a quem Paris quer dar lições de boa gestão, mas será também o único a estar fora das determinações de Maastricht de 3%.

Alargando, desta vez, aos 28 membros da União Europeia, somente a Romênia, que é um pequenino consolo, deverá este ano apresentar contas públicas mais desequilibradas do que as nossas. Enfim, de todos os países europeus a França será o que menos aproveitou do ciclo de crescimento que o Velho Continente passou para pôr em ordem as finanças públicas, desordenadas pela crise das subprimes.

Isto significa que quando chegar a próxima recessão, a França será também a mais mal colocada, sob o plano orçamental, para fazer face, para tomar as medidas de relançamento e sustentação da atividade econômica. O dinheiro gasto hoje para os coletes amarelos, é dinheiro de menos disponível para as vítimas das crises por vir.

Claro, podemos considerar que o governo de Édouard Philippe não tinha outra opção, para evitar que o país mergulhe num caos completo, que a de pegar o talão de cheques. Podemos também estimar que ele cedeu rapidamente aos bloqueios nas rotatórias e à violência das manifestações, com, à chegada, uma conta bastante salgada (15 bilhões de euros para 100 000 manifestantes, ou seja, 150 000 euros por cada colete amarelo). O que é certo é a que a sua resposta consistiu em combater o mal com o mal; a dopar artificialmente o nível de vida dos franceses endividando o país como fizeram todos os governos desde décadas; a aumentar ainda mais as despesas públicas que já atingiam um recorde, com como corolário a pressão fiscal, esta também recorde.

A conta é bastante salgada: 15 bilhões de euros para 100 000 manifestantes, ou seja, 150 000 euros por cada colete amarelo.

Os estragos econômicos causados pela crise dos coletes amarelos arriscam, infelizmente, de não se limitarem somente às contas públicas, mas também a de se fazer sentir nas cabeças, reforçando a visão administrada e estatista que os franceses têm da economia, a ideia que o governo, no fundo, pode tudo. E que pressionando-o, queimando alguns pedágios, pilhando lojas e ferindo alguns policiais, poder-se-á, da noite para o dia, aumentar o poder de compra de milhões de franceses.

O perigo é sobretudo o de entreter os franceses com as suas ilusões keynesianas, com a opinião majoritária e intimamente convencida que a despesa pública é o melhor meio, em todas as circunstâncias, de favorecer a atividade econômica. Logo, vemos economistas, nos estúdios de televisão, explicar com cara confiante e satisfeita, sem dizer, é claro, nenhuma palavra sobre o déficit e a dívida, que as medidas urgentes econômicas e sociais em favor das famílias vão fomentar este ano o crescimento do PIB. Claro, o suficiente para justificar e excitar mais ainda a loucura gastadora coletiva.

Foto: Guillaume Souvant/AFP via Getty Images

Se acrescentarmos os recentes e surpreendentes argumentos de Bruno Le Maire [foto acima] (Ministro da Economia e Finanças), que apelou “a refundar o capitalismo” ou do Chefe de Estado, ele mesmo, que denunciou “uma Europa ultraliberal”, concluímos que o quinquênio arrisca bastante, na saída da rotatória mantida pelos coletes amarelos, de se engajar de maneira muito inesperada e, sobretudo, muito inquietante na rota do socialismo e não na do social-liberalismo inicialmente prevista.
Título e Texto: Pierre-Antoine Delhommais, Le Point nº 2423, 7-2-2019
Tradução e Digitação: JP, 19-2-2019

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