Estão todos caladinhos no seu confinamento
moral assistindo aos arroubos de tiranetes pelo país afora — governadores e
prefeitos excitados com o estado de exceção viral
Guilherme Fiuza
Ronaldo Caiado mandou caçar um
trabalhador em casa e levá-lo para uma delegacia. Ronaldo Caiado é um
governador de Estado. A delegacia estava fechada pelo confinamento, mas foi
aberta especialmente para fichar o cidadão — ou, em português mais claro, para
intimidá-lo. Para coagi-lo. Para ameaçá-lo. O crime do cidadão foi repudiar a
violência da polícia de Caiado contra uma trabalhadora. Ou seja: o governador
de Goiás defende seus atos violentos usando a violência. É um homem coerente.
Esse tipo de ação brutal está
acontecendo em vários pontos do território nacional sob a justificativa de
combater um vírus. No Rio de Janeiro, concretizando as ameaças públicas do
governador Wilson Witzel de prender o cidadão que circular além do limite que
ele deixa, a polícia arrastou de forma animalesca duas mulheres que andavam na
orla.
Você está há anos vendo e
ouvindo evocações constantes à ditadura militar como alerta para os perigos que
rondam a democracia brasileira. Bolsonaro foi recebido como uma ameaça à
democracia. Temer foi recebido como uma ameaça à democracia — as reformas
trabalhista e fiscal foram denunciadas até no exterior como o início de uma
guinada autoritária da elite branca e velha contra o povo (tinha a PEC do Fim
do Mundo e outras pérolas). Fernando Henrique Cardoso foi recebido como uma
ameaça à democracia — o Plano Real era um golpe neoliberal e a privatização da
telefonia era um ato fascista, tudo em conluio com representantes da ditadura,
como Antonio Carlos Magalhães.
Curiosamente, após umas três décadas ouvindo a
resistência democrática alertar para a volta da ditadura, hoje você está
ouvindo o silêncio.
As duas cidadãs que foram
barbarizadas pela polícia na orla de Niterói (RJ) ficaram gritando sozinhas. Os
meganhas chegaram em velocidade e atravessaram sua viatura na avenida
litorânea, trancando o trânsito como se estivessem na captura de um comboio de
assassinos. Vários homens armados cercaram as duas mulheres — vamos repetir:
vários homens armados — e as arrancaram de seu caminho à força para empurrá-las
para dentro da viatura.
Essa cena brutal e ditatorial
— de verdade, não de filme — não comoveu um único humanista de plantão. Não
indignou um único ativista da resistência democrática. Não inspirou um único
arauto do apocalipse fascista. Não revoltou uma única feminista. Estão todos
caladinhos em seu confinamento moral assistindo aos arroubos de um tiranete e
seus brucutus fardados, ou melhor, de vários tiranetes pelo país afora —
governadores e prefeitos excitados com o estado de exceção viral.
Em Maringá (PR), os boçais
legalizados e armados a serviço do tiranete local estrangularam no meio da rua,
até o desmaio, um rapaz que estava lavando um carro. Silêncio absoluto da OAB,
da ABI, das ONGs, das Anistias, dos Maias, dos Observatórios, Human Rights e
vigilantes associados. Todos os megafones ficaram com defeito ao mesmo tempo.
Todos presenciando e consentindo a brutalidade estatal do conforto de seus
confinamentos conscientes.
O que terá acontecido com tanta
solidariedade? Com tanto amor pela liberdade?
Vai aqui uma pista singela.
Examine o que todas essas autoridades locais, entidades de classe e movimentos
sociais estavam fazendo antes da chegada do corona. Antecipamos aqui o que você
vai encontrar no Google: dez entre dez deles estavam tentando sabotar a agenda
de reconstrução do país. Fazendo política (rasteira) enquanto fingiam defender
a democracia contra o inimigo imaginário. Será que quem faz política rasteira
fingindo defender a democracia é capaz de fazer política rasteira fingindo
defender a vida? Isso você não vai achar no Google.
A paralisação sem precedentes
das atividades econômicas e sociais vai gerar uma destruição abismal de valores
materiais e humanos nas sociedades. Quanto mais longa a paralisação, mais
extenso será o estrago — e mais desfiguradas estarão as instituições. O cenário
de terra arrasada costuma ser fértil para os oportunistas e os parasitas. A OMS
já informou que as frentes de contágio agora estão dentro das casas. A FAO já
alertou para o risco iminente da escassez de alimentos no mundo com o atual
estado de imobilização. É um cenário complexo que traz vários dilemas — mas
para os talibãs do confinamento total é tudo muito simples: não se mova.
O tempo vai esclarecer tudo
isso. E não vai demorar. Mesmo com todas as estatísticas voadoras, que não
distinguem mortos com covid de mortos por covid — o que é grave. Mesmo com
fotografias de covas no Brasil circulando o mundo com a mensagem falsa e
criminosa sobre uma mortandade que não havia — e não há, ao menos por enquanto,
em nenhuma projeção honesta que constatará diversas epidemias contemporâneas
mais letais.
Até o remédio para tratamento do coronavírus foi politizado e ideologizado de forma chocante. As mentes estão gravemente infectadas. Esse tipo de epidemia não tem remédio no mercado — e não costuma acabar bem.
Até o remédio para tratamento do coronavírus foi politizado e ideologizado de forma chocante. As mentes estão gravemente infectadas. Esse tipo de epidemia não tem remédio no mercado — e não costuma acabar bem.
Título e Texto: Guilherme Fiuza, Revista Oeste,
10-4-2020, 07h38
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