sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"Será o Exército egípcio, protagonista da ditadura e também da deposição do ditador, a salvaguarda que protegerá o Egito de um governo islâmico?"

O consenso derrubou Mubarak. Agora começa o dissenso

Só existe um caminho para o Egito num primeiro momento: a realização de eleições. Os militares que assumiram o poder terão praticamente de fundar instituições que possam ancorá-las e discipliná-las.  Um regime democrático tem certos princípios e precauções. Embora todas as democracias estejam mais ou menos sujeitas a grupos que abusam de suas prerrogativas para solapá-la, o modelo tem sistema de pesos e contrapesos que limitam a tática do assalto ao poder por meio das urnas.
Que o Egito fará eleições, isso é absolutamente certo, e, nesse estrito sentido, ainda não se chegou ao auge da primavera. Os cuidados terão de ser tomados depois. Freqüentemente se diz que o radicalismo islâmico é usado como fantasma para assombrar o Ocidente e boa parte da própria população árabe, que, então condescenderiam com ditaduras para tentar evitar o mal maior.

É claro que há um uso oportunista dessa ameaça, mas seria tolo supor que o risco não existe e que tudo não passa de mera tramóia para impedir o florescimento da democracia. O radicalismo islâmico não torna amigos da humanidade os tiranos; o fato de serem tiranos não torna os radicais islâmicos humanistas exemplares, pobres vítimas de déspotas sanguinários.
A democracia no Egito não será construída da noite para o dia, com uma ou duas eleições. Ainda que a transição consiga forjar uma moldura institucional impecável, é o ideário dos grupos que disputarem o poder - capturando, pois, as aspirações da maioria - que vai definir o futuro do país.
A população do Egito tem mais de 80 milhões de pessoas. Quantas estavam nas praças e nas ruas? 1% da população? 2%? É claro que era muita gente e que a massa, provavelmente, representava uma aspiração da maioria: a saída de Mubarak. Mas essa unidade começa a se desfazer amanhã.
O grupo mais solidamente organizado, mesmo numa certa clandestinidade, é a Irmandade Muçulmana. Ela não mudou o seu ideário para ajudar a derrubar Mubarak. Seu propósito continua a ser a instalação de governos que apliquem as leis do Islã. O que nós entendemos por “democracia” não é o que o grupo compreende por um governo legítimo e decente. A democracia formal assegurará à Irmandade disputar o poder - ao menos vagas no Parlamento - segundo o seu ponto de vista, o que é, evidentemente, um paradoxo. E não adianta fazer de conta que ele não existe.
Não sei se será assim ou não; sei o que me diz a lógica: a Irmandade não teria condições, não agora, de impor o seu ponto de vista à sociedade egípcia. A mecânica da coisa indica que ela vai reunir forças eleição após eleição. O quadro de carências do país é grande, e a organização comanda uma vasta teia de assistência social e… religiosa. Isso, num regime de eleições livres, significa uma montanha de votos.
A Irmandade se apresentará para sucessivos pleitos, apontando as óbvias carências do povo, oferecendo o seu primado moral como caminho para uma vida reta, fazendo exigências que dizem respeito não só à população do país, mas também ao mundo árabe e, mais amplamente, islâmico. Será o Exército egípcio, protagonista da ditadura e também da deposição do ditador, a salvaguarda que protegerá o Egito de um governo islâmico? Vamos ver.
Reinaldo Azevedo

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