sexta-feira, 1 de abril de 2011

O destino

Luiz Felipe Pondé

O destino humano é sobretudo fisiológico. Carregamos moiras em nossas células. Kafka tinha fixação em janelas como o lugar onde se envelhece. Seus “heróis” envelhecem na janela à espera da resposta acerca de seu próprio desaparecimento. Esse desaparecimento é uma das formas de o destino se revelar enquanto ainda estamos vivos: o envelhecimento. A vida moderna, voltada para o progresso, mostra a sua ambiguidade de forma grotesca no modo como se relaciona com o destino fisiológico do ser humano, que é virar pedra.
Nunca tivemos nas mãos tantas técnicas para retardar o envelhecimento nem tanta consciência de nossa nulidade. Envelhecer hoje nada significa porque o idoso não é mais o narrador da vida. Ele nada mais é do que um corpo que cai no reino mineral. E são tantos os idosos que já sabemos que a maioria deles nada sabe e nada vale como narradores porque eles mesmos querem “aprender” com os mais jovens. Um mundo que endeusa o futuro (os mais jovens) é um mundo sem futuro. Quanto mais exaltamos as tecnologias da juventude, mais declaramos que a vida é um nada que despenca no abismo. A diferença é que hoje sabemos (ou achamos que sabemos) que os idosos nada sabem e, portanto, nada valem.
Uma sociedade como a nossa, em que o jovem é o critério de valor, necessariamente esmaga qualquer dignidade possível do envelhecimento. Quando um pai ou uma mãe quer ser como o filho ou a filha, ele ou ela nega o futuro para sua prole porque demonstra, na sua ridícula esperança de eterna juventude, que não vale a pena viver.
Luiz Felipe Pondé, in “Contra um mundo melhor – ensaios do afeto”, página 132
Digitação: JP
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