terça-feira, 1 de maio de 2012

A Alegoria da Velhice Injustiçada

Carlos Lira
Dói-me no fundo da alma recordar o que passou, vidas vividas em tempos idos, idos infindos e condoídos com aquilo que estou passando agora, é um excesso de passado e de vazio que me torna mais velho do que sou realmente. Em toda a minha vida até agora tudo aconteceu numa rapidez em demasia. Antes, eu vivia, eu cantava e sorria, nem pensava no amanhã. O amanhã veio e sem fim vivo, justamente porque somente os mortos conhecem o fim de tudo isto.
Vem-me à imaginação,  neste estágio de vida, a idéia de um pequeno mundo submerso onde sempre vivi, desde pequeno, desde o nascimento, onde sempre presenciei geração após geração, pessoas sempre aprisionadas viveram. A arte cinegética, muitos rabejam pela escuridão da noite, perseguem as presas, forçando-as a subir, e com elas sobem sem coragem para descer depois. Outros tantos recorrem a velhos navios, forçando navegação sobre uma lama pesada de um rio repleto de lágrimas. A noite impera em torno de tudo isto. São seres humanos forçados a permanecer sempre no mesmo lugar, imóveis, impossibilitados de olhar a vida com olhos de otimismo e fé, vítimas de uma força estranha gerada pelos próprios. Uma réstia de luz provinda de uma abertura qualquer penetra naquele recinto, ensejando, através da fraca luz, o que se passa naquele interior. Este brilho que entra é reflexo de uma fogueira ardente produzindo luz e calor para os detentores do poder supremo que estão lá fora. No extremo, lá dentro, é maioria que impera, sem império, sem tempo adverbial ou conjunção subordinativa. Não existe explicação. Entre a luz e os prisioneiros, há um caminho ascendente, íngreme, existindo um obstacular impedimento, como se fosse a parte fronteira de um palco de palhaços e marionetes. Desfilam atos e fatos desta mesma gente aprisionada.
Hoje é o dia do trabalho. Primeiro dia de maio, mes das flores, mes de Maria, primeiro dia estressante, mentiroso e cruel; aprisionados, os prisioneiros em carreio, cabisbaixos se deixam levar. Festejar o quê? O que esperar daqui para a frente? Enquanto isso, a fogueira arde, incendeia lá fora, escândalos se sucedem, injustiças se cometem e a desordem prolifera. Goethe escreveu: "Prefiro uma injustiça a uma desordem" mas, o que dizer se ambas se irmanam neste Brasil infeliz?
"Não é bem assim", dizem uns, "existem muitos ricos", exclamam outros, "as televisões noticiam muitos brasileiros viajando para o exterior" protestam os demais. Primeiro de maio festeja o trabalho neste palco planejado de pessoas robotizadas, estátuas e animais bem tratados por madames ricas e pretenciosas, desfilam suas fantasias para quem gosta de riquezas, vaidades, frivolidades estampadas diante de olhos famintos, remelentos e sem viços. Para estes, são dias inúteis, são passeios ou caminhadas improváveis...
Primeiro dia de maio, obtuso proceder, sucessivas injustiças cometidas são, honestidade pervertida, sem força para trabalhar, o bem inexiste; jovens insensíveis, herdeiros de podres poderes, cultura do corpo, regidos pelo consumismo, buscam o brilho, a fortuna, a sorte ocasional, o ganho fácil. Daí a desonestidade se manifesta, cruenta festa à custa dos outros, a banalização da fé em Deus.
Cervejas, carteados, bancos de praça, burlam a morte os velhos próceres de outrora, desamparados de certos vocábulos, margeiam uma sociedade em decomposição. Engasgam-se de tanto falar porque longe dali perderam o poder de decisão, perderam a voz, são desrespeitados. Cada vez mais a aposentadoria é minguada, direitos lhes são retirados por um governo malsão que os maltrata; friamente são postergados a ínfimos planos de prioridades. Acordam-se com bocas amargas e muita angústia em corações cheios de amor ainda. Procuram corrigir esta injustiça com prazer, mas como, se prazer, neles, inexiste? Para os pobres aposentados deste Brasil de hoje, lhes é imposto sofrer um castigo irônico. Ou é isso, ou é uma cruel distração por parte deste governo que se diz "governo dos trabalhadores".
Olho-me no espelho, oh espelho infame! O que vejo refletido em meus olhos? A velhice? Isso não importa. O peso dos anos pesando sobremaneira? Nada disso. Vejo e reflexo da dor, do desencanto, do desespero. O mundo esqueceu de mim, neste primeiro de maio principalmente. Com exatidão, mergulho do céu, à noite, preferencialmente, como uma ave de rapina, agourenta e faminta. Faço parte de um coral que clama e protesta, vozes fracas, transeuntes passam, nem escutam o nosso clamor, ou temos cara de Sherazade? Não importa, amanhã eles envelhecerão também...
O que hoje há de falso no Palácio do Planalto cuja verossimilhança maltrata tanto o aposentado brasileiro? Vários octogenários  com quem conversei, estão convencidos de que sempre existiram ameias espalhadas pelos ministérios em Brasilia onde se escondem guardiões prontos a massacrar os pobres aposentados desta nação. Os velhos miseráveis, de uma miserabilidade instituída, tentam me convencer a respeito desta verdade verdadeira, traiçoeira e assassina: no período hibernal da existência nada de notável existe, ou nada procura existir o menos possível. No Brasil, os pobres velhos vivem largos anos prisioneiros deste terror chamado governo federal.
Apesar de tudo, Feliz Dia do Aposentado por extensão, porque o Dia do Trabalho é o primeiro passo para uma aposentadoria infeliz.
Título e Texto: Carlos Lira

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-