1. François HOLLANDE ganha as
presidenciais francesas e a Europa, ou uma parte dela, respira de alívio:
agora, finalmente, será possível abandonar a austeridade e abraçar o
crescimento econômico.
O próprio Hollande foi alimentando
as expectativas: com ele, a disciplina orçamental imposta pelos alemães aos
restantes países da União Europeia seria "renegociada"; a economia
francesa iria promover políticas de crescimento econômico a curto prazo; e o
Estado social seria preservado, e até reforçado, com mais funcionários
públicos, a diminuição da idade da reforma (dos 62 para os 60 anos) e subsídios
de todo tipo (para famílias, jovens, empresas etc.).
Infelizmente, faltou a
pergunta sacramental: e quem paga todos esses delírios?
Mistério. Verdade que
"monsieur" Hollande, para sustentar algumas das suas propostas,
acredita que a Europa será capaz de emitir "eurobonds" para financiar
grandes projetos industriais ou de infraestruturas; ou até de alterar os estatutos
do Banco Central Europeu para que a instituição passe a financiar diretamente
os Estados.
O que Hollande desconhece, ou
propositadamente ignorou, é que nada disso depende da sua exclusiva vontade. E
a Alemanha, que tem a chave do cofre, opõe-se frontalmente às ambições do novo
presidente francês. Por questões de princípio, interesse econômico – e eleições
em 2013.
Ou muito me engano, ou as
expectativas geradas por François Hollande só vão durar até as eleições
legislativas de junho. Depois, será a ressaca da realidade.
2. Alguns amigos que trabalham
na União Europeia não gostam das minhas posições eurocéticas. A União Europeia
é sagrada, o euro, idem, as "políticas de austeridade" impostas pela
Alemanha, ibidem.
E eu não passo de um
dinossauro, amarrado a noções anacrônicas de "soberania nacional" que
não têm mais lugar no mundo globalizado onde vivemos.
Defendo-me como posso. Digo
que nada tenho contra a União Europeia. Pelo contrário: reconheço o seu papel
como garantia de paz e prosperidade na Europa.
Mas reconhecer isso não me
obriga a reconhecer o resto. O euro, por exemplo, foi um erro político grave –e a
sua manutenção a qualquer preço, um erro político ainda maior.
Não é possível que uma moeda
comum possa servir a países com estruturas econômicas tão distintas. A União
Europeia não é uma federação de Estados. É apenas uma coleção de tribos com
histórias, vícios e virtudes dissonantes.
O euro, que supostamente
acabaria por aproximar as nações do continente, apenas revelou o fosso
inultrapassável que existe entre países excedentários (Alemanha) e deficitários
(Grécia ou Portugal).
De resto, e sobre as
"políticas de austeridade", não me oponho a elas – em teoria: é
importante que os Estados tenham controle nos gastos e moderação nos seus
níveis de endividamento. A festa do euro, que possibilitou dinheiro fácil a
juros baixos, não podia continuar.
O problema é que não é
possível realizar ajustamentos brutais nas economias endividadas do continente
quando esses países perderam soberania monetária. A austeridade só alimenta
ciclos recessivos sem fim que, por sua vez, exigem novas medidas de
austeridade.
A Grécia é o melhor exemplo
dessa armadilha: depois de dois pacotes de resgate e de um calote negociado da
dívida, o país está na mesma: quebrado. E, sem surpresa, com partidos
extremistas a crescerem no Parlamento e nas ruas.
3. França, Grécia, Holanda em
breve: a grande novidade nos ciclos eleitorais da Europa está no regresso dos
extremismos.
No primeiro turno das
presidenciais francesas, a extrema-direita da Frente Nacional obteve 17,8% dos
votos; Marine Le Pen promete agora repetir o resultado nas legislativas de
junho.
Na Grécia, a esquerda radical
ficou em segundo lugar – e um partido abertamente neonazista elegeu duas dúzias
de deputados. E, na Holanda, a extrema-direita derrubou o governo duas semanas
atrás.
Qualquer pessoa que tenha uma
noção da história reconhece o que se está a passar: com economia moribunda e
desemprego massivo, a Europa regressa à década de 1930.
Os meus amigos euroentusiastas
assobiam para o lado e fingem que não se passa nada. Essa atitude também faz
parte do "déjà-vu".
Título e Texto: João Pereira Coutinho, Folha de S.
Paulo, 09-05-2012
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