Bruno Alves
“You can’t always get what you want”
É extraordinário como ainda há
quem seja capaz de ter entusiasmos destes. Um político francês ganha umas
eleições (alguém tinha de as ganhar), e por esse mundo fora não falta quem
pareça acreditar que chegámos a uma espécie de Terra Prometida. No domingo, essa
totémica figura intelectual que dá pelo nome de Marcelo Rebelo de Sousa dizia
que a partir de agora, “a Europa vai ter de olhar para o crescimento”. E nas páginas do New York Times, Paul Krugman anunciou que a chegada de Hollande
ao poder aumenta as hipóteses de sobrevivência do Euro e do “projecto europeu”.
Já com Obama abundaram arrebatamentos deste género, mas o homem era dado a
proclamações salvíficas e possuía uma retórica suficientemente vaga para que
ninguém pensasse muito sobre o que ele dizia. Hollande, no entanto, não
consegue dizer três palavras sem se adormecer a si próprio, e faz promessas que
deixam bem claro que ou não tem consciência da realidade ou mente de forma
descarada. Nenhuma delas uma característica particularmente redentora.
Hollande ecoa o discurso muito
em voga de que é preciso deixar a “aposta” na “austeridade” e “virarmo-nos”
para o “crescimento”. Como se houvesse uma opção. Como se a “austeridade” fosse
uma escolha. Como se bastasse querer “crescer” para o
conseguir. Mas ao contrário do que muitas pessoas parecem pensar, não há
ninguém que defenda “políticas de empobrecimento”. A “austeridade” que de facto
nos empobrece não é uma escolha, algo a que se possa “pôr fim” por decreto e
voluntarismo.
É estranho como as pessoas parecem
crer na capacidade de um governo (nenhum em particular, mas a entidade
abstracta) para resolver problemas. Na realidade, os governos são um animal dos
mais impotentes que existem à face da Terra. Estão limitados pelas acções de
outros governos, pelas acções de simples indivíduos cujos resultados não
controlam, e acima de tudo pelas circunstâncias. Nenhum
governo escreve numa folha em branco. E nas circunstâncias actuais, é
impossível acabar com a “austeridade”. Com cortes de impostos ou cortes da despesa,
com aumentos de impostos ou aumento do “investimento público”, os europeus em
geral e os portugueses em particular vão continuar a empobrecer.
Qualquer “aposta” no “crescimento” dificilmente será bem sucedida.
O que Hollande propõe, e que
tanta esperança alimenta nos que excitadamente acolheram a sua eleição, é
atirar dinheiro para a economia. O problema é que o dinheiro custa
dinheiro. Para “investir”, o Estado precisa ou de cobrar mais impostos, que
dificultarão a vida à classe média e que mais depressa farão fugir os ricos do
que fazê-los pagar mais, ou se endividar. E quem é que emprestará dinheiro a
Estados já excessivamente endividados, numa conjuntura como a actual, a não ser
com juros quase proibitivos? Basicamente, estar-se-ia a repetir o erro das
últimas décadas, alimentando uma falsa prosperidade hipotecando o futuro cada
vez mais.
É claro que há um outro sítio
ao qual os Estados podiam ir buscar dinheiro. Ao contrário do que a sabedoria
popular nos ensina, o dinheiro até cresce nas árvores. Apenas quanto mais se
colhe, menos valor ele tem. Se os governos quiserem (e querem sempre)
“injectar” dinheiro na economia, basta pedirem aos Bancos Centrais para o
imprimirem. É o que Hollande tenciona fazer, e certamente que o BCE terá
ouvidos receptivos para o Eliseu. E como que por milagre, haverá mais dinheiro
a circular. Mas esse dinheiro valerá menos. O pouco que as pessoas comuns
conseguiram poupar valerá menos. Os que ainda vão recebendo um salário irão ver
esse salário representar menos poder de compra. Haverá mais dinheiro, mas o
empobrecimento será maior.
O melhor que os governos têm a
fazer, nestas circunstâncias, é garantir que a “austeridade” não se venha a
repetir no futuro. É garantir que políticas como as que nos conduziram até aqui
são definitivamente abandonadas. É garantir que no futuro as pessoas não tenham
que abdicar de metade do que ganham para alimentar um Estado que nem assim paga
tudo o que deve, e que a única coisa que lhes dá em troca é um aumento de
impostos de seis em seis meses. Mas para isso, será preciso reformar
profundamente os sistemas públicos de Segurança Social, os sistemas públicos de
Saúde, os sistemas públicos de Educação. Na prática, isso traduzir-se-á em
fazer com que um número significativo de pessoas paguem mais por eles. A longo
prazo, será a melhor opção para todos. Mas a curto prazo,
significará também o empobrecimento dessas pessoas. É triste, mas é verdade.
Ninguém mais do que eu
gostaria que as políticas dos governos, fossem as de Obama, as de Passos Coelho,
as de Hollande, as de Merkel ou as de qualquer um outro, fizessem com que eu
pudesse olhar para o futuro e ver outra coisa que não a desgraça que todos
tememos estar aí à porta. O problema está em que a “austeridade” não foi uma
escolha feita em detrimento do “crescimento”, por perfídia de uns senhores de
índole duvidosa que ocupam o poder. “Crescimento” todos queremos. Mas
infelizmente, como sabiamente dizia o filósofo Jagger, “you can’t
always get what you want”.
Texto: Bruno Alves, no blogue “O Insurgente”, 09-05-2012
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