sexta-feira, 18 de maio de 2012

O preço do populismo demagogo



Francisco Vianna
Os países da América Latina, desde o início de seus processos históricos de independência política de seus colonizadores europeus e principalmente desde que se tornaram repúblicas, não conseguem evitar o engodo imediatista do populismo demagógico de agirem contra as normas e as leis internacionais em vigor desde sempre, mas principalmente deste Breton Woods. Pagam, por isso, um preço social exorbitante no médio e no longo prazo.  
Não vamos aqui descrever o comportamento, quase sempre irresponsável e histriônico, dos líderes de todos esses países, mas, como exemplo do que afirmo, vamos considerar apenas o caso do Brasil e da Argentina, pela importância e volume de suas economias no subcontinente.
Desde o final do século XIX, os maus governos republicanos que se estabeleceram, tanto pelo voto popular como pela força das armas, nesses dois países, buscaram acima de tudo e com raras exceções obter uma popularidade imediata junto à opinião pública, sem se importarem com os altos custos que tal atitude cobraria de seus povos no médio e no longo prazo. Foi o que se viu na Argentina e no Brasil, respectivamente a partir da era Perón e da era Vargas.
Esses dois caudilhos implantaram em seus países culturas patrimonialistas, oportunistas, imediatistas, e profundamente populistas e demagógicas, cujas origens estão enraizadas no modo como foram colonizados por Espanha e Portugal, levando seus povos a se imaginarem viver numa espécie de países fantasiosos que desejavam ter um dia, mas cuja na realidade sabem não ser essa. Também não vamos aqui nos delongar em citar múltiplos exemplos de como tais condutas políticas acarretam prejuízos imensos para os dois países ao longo do tempo. Escolho citar apenas a questão do petróleo.
Não há nada pior para a economia dos povos do que a existência de monopólios e a proliferação de oligopólios. A força desses grupos estabelece dependências importantes das suas soberanias aos interesses comerciais e de poder típicos das grandes concentrações produtivas, sejam elas privadas ou estatais. E foi exatamente com base nessa soberania, xenofobicamente a ser defendida do “capital estrangeiro”, que Brasil e Argentina criaram respectivamente o monopólio estatal da PETROBRAS e o oligopólio público-privado da YPF-REPSOL, ambos profundamente dependentes dos investimentos externos, principalmente no tocante às necessárias prospecções e extrações de suas reservas conhecidas.

Nunca importou a eles o quanto o consumidor final iria pagar pelo combustível nos postos, mas sim o histrionismo de garantir a “máxima populista” de Vargas, de que “o petróleo é nosso”. Infelizmente não é, pelo menos, como deveria ser. A Petrobrás é hoje o monopólio estatal que a transformou numa gigante internacional sustentada pelo consumidor brasileiro que paga na bomba, pelo menos, o dobro do que paga o consumidor norteamericano. Isso sem falar em outros engodos governamentais não menos populistas e demagógicos, tais como os do álcool e outros ‘biocombustíveis’. Administrada por governos imediatistas e populistas, a gigante estatal brasileira é hoje a cornucópia generosa para todo o tipo de malversação de seus recursos em prol do continuísmo da restrita minoria da burguesia do politburo estabelecido pelo conluio petista-peemedebista e sua ‘base alugada’ no poder.
Na Argentina, o oligopólio hispano-portenho REPSOL-YPF, na prática, não era tão ‘eficiente’ nesse mister quanto o gigantesco monopólio de seu grande vizinho do norte. Os peronistas, modernamente encarnados como ‘kischneristas’, viam com profunda inveja a capacidade dos dirigentes ‘hermanos’ de Brasília em usar e abusar dos resultados financeiros da estatal verde e amarela em suas miríades de falcatruas. A farra com o dinheiro é tanta que o ex-presidente Lula usou do mais cínico proselitismo quando o índio cocaleiro da Bolívia, seguindo o exemplo de seis ‘muy amigos’ mestres e inspiradores, resolveu confiscar os ativos da Petrobras na Bolívia. E tal proselitismo custou ao brasileiro o pagamento pelo dobro do preço do GLP que importamos de lá. Ora, que se dane o gás se temos abundância de biocombustíveis, e “somos autossuficientes em petróleo”, não é mesmo?
Tais tiradas populistas e enganosas causam um fascínio ainda não suficientemente desmascarado junto à população sulamericana, apesar dela, aos poucos estar aprendendo, ao custo de muita pobreza e sofrimento, a ver a dura realidade a que esse comportamento governamental leva e o quanto tais monopólios e oligopólios são, no médio e no longo prazo, tão deletérios às suas economias.
Recentemente, a decisão populista e demagógica de estatizar a YPF desapropriando 51% das suas ações no maior oligopólio energético argentino, tirando da empresa espanhola REPSOL o seu controle acionário, segue a regra populista e demagógica estabelecida pelos principais governantes da América latina. Além do mais, acrescida do protecionismo e a desconsideração pelos credores externos – dos quais em grande parte dependem – a medida da Presidente Cristina Fernández de Kirchner deixa a Argentina na iminência de ser considerada, no plano internacional, como uma nação pária e sem lei.
De fato, o resultado dessa decisão de Cristina Kirchner faz com que a Argentina mergulhe numa espécie de ostracismo no âmbito dos mercados financeiros e energéticos internacionais e se torne incapaz de conseguir tanto investimentos como recursos tecnológicos indispensáveis, para desenvolver as reservas petrolíferas assim incorporadas à posse da YPF, por decreto. A medida suscitou, como planejado, uma onda de falso nacionalismo na Argentina, na verdade, um aumento da xenofobia de um povo que desconhece que o capital pertence ao local onde é investido e que o reinvestimento dos seus lucros nesse local depende quase que unicamente da segurança jurídica que garante que esse lucro se concretize numa base de mercado. O resultado, no médio e no longo prazo, é o povo argentino que sentirá no bolso, quando tiver que pagar o dobro do que paga atualmente pelo combustível na bomba, como ocorre com seu “rico” e “autossuficiente” vizinho do norte.
Esse vácuo operacional criado pela expulsão forçada da empresa espanhola vai obrigar a Casa Rosada a convidar as grandes multinacionais a participar da exploração de suas reservas expropriadas da REPSOL se não quiser cair da armadilha da queda de produção e do desabastecimento interno e ter que contar com a gasolina barata que a Petrobrás lhe vende a pouco mais de cinquenta centavos de real o litro. Acontece que, mesmo essas multinacionais, não terão ânimo suficiente para embarcar em tais aventuras, levando-se em conta as pífias garantias jurídicas de tais negócios.
A presidente argentina, em vista disso, chegou a convidar publicamente a Petrobrás a expandir a sua produção na Argentina e a aumentar seus investimentos no país. Todavia, levando em conta essa mesma falta de segurança jurídica e também os interesses globalizados do monopólio brasileiro, a Petrobrás, em sã consciência, não poderia jamais aceitar tal convite, principalmente numa ocasião em que tanto se esforça para obter financiamento e atrair capitais externos para iniciar a exploração de suas imensas reservas de petróleo do pré-sal do Brasil.
A Reuters recentemente divulgou as declarações de uma fonte anônima ligada à SINOPEC, a segunda maior empresa petroleira da China – que alegadamente se preparava para adquirir parte substancial dos ativos da REPSOL na Argentina – em face de todas as negociações nesse sentido tenham terminado: “esta é uma realidade altamente desestimulante para qualquer empresa, ima vez que em função da medida adotada pelo governo argentino, equivale a um suicídio político e comercial permitir que doravante uma empresa chinesa venha a ambicionar e adquirir o controle acionário da YPF agora estatizada. Não temos muita experiência ainda em capitalismo, mas não somos tão trouxas assim”...
Já a Petrobrás, sendo um monopólio estatal – com todos os agravos que isso significa para o povo brasileiro –, dada a política de compadrio e cumplicidade em vigor na América latina, como aconteceu na Bolívia de Evo Morales, é possível que aceite o convite feito pela Casa Rosada, mesmo que isso, de novo, contrarie os melhores interesses comerciais do Brasil e da própria estatal.
Independente do pouco que a Espanha possa fazer em âmbito internacional para reaver o seu patrimônio e capital empregado em terras portenhas, a medida populista e demagógica de Cristina Kirchner só não representará um tiro no próprio pé se houver um aumento da produção de combustíveis na Argentina, coisa difícil de ser avistada no turvo horizonte sulamericano, a não ser que a mandatária resolva injetar doses maciças de seus parcos recursos fiscais na agora estatal YPF, em detrimento de uma série de outras necessidades urgentes a serem acudidas. Portanto, como essa possibilidade parece improvável, as perspectivas no médio e longo prazo levam os analistas a considerar como inevitáveis futuras crises no abastecimento interno de combustíveis. Mas, e daí? O que interessa – na ótica populista – é o aqui e o agora, o imediatismo que tal medida acarreta junto à opinião pública parcamente informada do país vizinho.
O petróleo é ainda o ponto-chave de todas as teorias conspirativas que brotam no seio da opinião pública de um povo. Há uma crença férrea de que essa riqueza está sempre ameaçada pelo roubo planejado de outras nações e tal é, paradoxalmente, a razão pela qual os governos se antecipam e, eles mesmos, passem a roubá-lo de suas próprias gentes.
Os países que têm as maiores reservas de petróleo são os que mais lançam mão de um nacionalismo irracional para tentar centralizar as decisões e a manipulação dos resultados econômicos e financeiros de sua exploração. A Venezuela é o maior exemplo disso, sendo o quinto maior exportador da mercadoria e tendo um povo que sofreu o maior empobrecimento registrado no mundo na última década.
São poucos os países que tratam o assunto dentro da lógica fria e direta do comércio internacional com base nas simples, eficientes, e realistas leis de mercado. O uso político dessa mercadoria acaba gerando guerras e a construção de estados gigantes com pés de barro, como soe acontecer na América latina e no Oriente Médio, por exemplo. 
Para o populismo demagógico dos governantes, que não estão nem aí para o futuro de seus países, mas apenas para os possíveis resultados imediatos em termos de popularidade junto às suas opiniões públicas propositalmente mal formadas de suas gentes, o que interessa é, pois, usar o “ouro negro” como um recurso facilmente acessível para manipular a imaginação popular com teorias de conspiração e de ondas fabricadas por marqueteiros de falsos arroubos patrióticos.
Tais decisões, como essa da Casa Rosada, capazes de criar de forma imediata uma onda de ufanismo patriótico junto ao povo, acabam, invariavelmente por produzirem resultados catastróficos no médio e no longo prazo e o governo de Cristina Fernandes de Kirchner (CFK, que alguns na Argentina dizem significar ‘ConFisKa’) continua a dar sinais de sua disposição de manter seu comportamento errático, populista e demagógico, o que, quase sempre leva a economia ao caos e acaba marginalizando o país como um pária da comunidade internacional.
É lamentável que a Argentina, na sua ânsia de mimetizar seus vizinhos, tenha se enveredado por esse pântano erros e enganos grosseiros. Outrora um florescente país, acabou por permitir que seu povo deixasse de ser visto como sofisticado e altamente progressista para se transformar em boiada de gado marcado a caminho do abatedouro. O Brasil, por sua vez, não muito diferente – só maior – não parece ver a gravidade de ter um vizinho em queda livre, como a Argentina, useira em se afastar das normas internacionais e em se aventurar perigosamente nas turvas águas do atraso e do empobrecimento, em grande parte porque também está tomado dessa onda falsamente nacionalista e estatizante em seus próprios domínios.
As vendas que cobrem os olhos de brasileiros e argentinos, no frigir dos ovos, são as mesmas.
Título e Texto: Francisco Vianna, 17-05-2012

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