Francisco Vianna
Os países da América Latina,
desde o início de seus processos históricos de independência política de seus
colonizadores europeus e principalmente desde que se tornaram repúblicas, não
conseguem evitar o engodo imediatista do populismo demagógico de agirem contra
as normas e as leis internacionais em vigor desde sempre, mas principalmente
deste Breton Woods. Pagam, por isso, um preço social exorbitante no médio e no
longo prazo.
Não vamos aqui descrever o
comportamento, quase sempre irresponsável e histriônico, dos líderes de todos
esses países, mas, como exemplo do que afirmo, vamos considerar apenas o caso
do Brasil e da Argentina, pela importância e volume de suas economias no
subcontinente.
Desde o final do século XIX,
os maus governos republicanos que se estabeleceram, tanto pelo voto popular
como pela força das armas, nesses dois países, buscaram acima de tudo e com
raras exceções obter uma popularidade imediata junto à opinião pública, sem se
importarem com os altos custos que tal atitude cobraria de seus povos no médio
e no longo prazo. Foi o que se viu na Argentina e no Brasil, respectivamente a
partir da era Perón e da era Vargas.
Esses dois caudilhos
implantaram em seus países culturas patrimonialistas, oportunistas,
imediatistas, e profundamente populistas e demagógicas, cujas origens estão
enraizadas no modo como foram colonizados por Espanha e Portugal, levando seus
povos a se imaginarem viver numa espécie de países fantasiosos que desejavam
ter um dia, mas cuja na realidade sabem não ser essa. Também não vamos aqui nos
delongar em citar múltiplos exemplos de como tais condutas políticas acarretam
prejuízos imensos para os dois países ao longo do tempo. Escolho citar apenas a
questão do petróleo.
Não há nada pior para a
economia dos povos do que a existência de monopólios e a proliferação de oligopólios.
A força desses grupos estabelece dependências importantes das suas soberanias
aos interesses comerciais e de poder típicos das grandes concentrações
produtivas, sejam elas privadas ou estatais. E foi exatamente com base nessa
soberania, xenofobicamente a ser defendida do “capital estrangeiro”, que Brasil
e Argentina criaram respectivamente o monopólio estatal da PETROBRAS e o
oligopólio público-privado da YPF-REPSOL, ambos profundamente dependentes dos
investimentos externos, principalmente no tocante às necessárias prospecções e
extrações de suas reservas conhecidas.
Nunca importou a eles o quanto
o consumidor final iria pagar pelo combustível nos postos, mas sim o
histrionismo de garantir a “máxima populista” de Vargas, de que “o petróleo é
nosso”. Infelizmente não é, pelo menos, como deveria ser. A Petrobrás é hoje o
monopólio estatal que a transformou numa gigante internacional sustentada pelo
consumidor brasileiro que paga na bomba, pelo menos, o dobro do que paga o
consumidor norteamericano. Isso sem falar em outros engodos governamentais não
menos populistas e demagógicos, tais como os do álcool e outros
‘biocombustíveis’. Administrada por governos imediatistas e populistas, a
gigante estatal brasileira é hoje a cornucópia generosa para todo o tipo de
malversação de seus recursos em prol do continuísmo da restrita minoria da
burguesia do politburo estabelecido pelo conluio petista-peemedebista e sua
‘base alugada’ no poder.
Na Argentina, o oligopólio
hispano-portenho REPSOL-YPF, na prática, não era tão ‘eficiente’ nesse mister
quanto o gigantesco monopólio de seu grande vizinho do norte. Os peronistas,
modernamente encarnados como ‘kischneristas’, viam com profunda inveja a capacidade
dos dirigentes ‘hermanos’ de Brasília em usar e abusar dos resultados
financeiros da estatal verde e amarela em suas miríades de falcatruas. A farra
com o dinheiro é tanta que o ex-presidente Lula usou do mais cínico
proselitismo quando o índio cocaleiro da Bolívia, seguindo o exemplo de seis
‘muy amigos’ mestres e inspiradores, resolveu confiscar os ativos da Petrobras
na Bolívia. E tal proselitismo custou ao brasileiro o pagamento pelo dobro do
preço do GLP que importamos de lá. Ora, que se dane o gás se temos abundância
de biocombustíveis, e “somos autossuficientes em petróleo”, não é mesmo?
Tais tiradas populistas e
enganosas causam um fascínio ainda não suficientemente desmascarado junto à
população sulamericana, apesar dela, aos poucos estar aprendendo, ao custo de
muita pobreza e sofrimento, a ver a dura realidade a que esse comportamento
governamental leva e o quanto tais monopólios e oligopólios são, no médio e no
longo prazo, tão deletérios às suas economias.
Recentemente, a decisão populista
e demagógica de estatizar a YPF desapropriando 51% das suas ações no maior
oligopólio energético argentino, tirando da empresa espanhola REPSOL o seu
controle acionário, segue a regra populista e demagógica estabelecida pelos
principais governantes da América latina. Além do mais, acrescida do
protecionismo e a desconsideração pelos credores externos – dos quais em grande
parte dependem – a medida da Presidente Cristina Fernández de Kirchner deixa a
Argentina na iminência de ser considerada, no plano internacional, como uma
nação pária e sem lei.
De fato, o resultado dessa
decisão de Cristina Kirchner faz com que a Argentina mergulhe numa espécie de
ostracismo no âmbito dos mercados financeiros e energéticos internacionais e se
torne incapaz de conseguir tanto investimentos como recursos tecnológicos
indispensáveis, para desenvolver as reservas petrolíferas assim incorporadas à
posse da YPF, por decreto. A medida suscitou, como planejado, uma onda de falso
nacionalismo na Argentina, na verdade, um aumento da xenofobia de um povo que
desconhece que o capital pertence ao local onde é investido e que o
reinvestimento dos seus lucros nesse local depende quase que unicamente da
segurança jurídica que garante que esse lucro se concretize numa base de mercado.
O resultado, no médio e no longo prazo, é o povo argentino que sentirá no
bolso, quando tiver que pagar o dobro do que paga atualmente pelo combustível
na bomba, como ocorre com seu “rico” e “autossuficiente” vizinho do norte.
Esse vácuo operacional criado
pela expulsão forçada da empresa espanhola vai obrigar a Casa Rosada a convidar
as grandes multinacionais a participar da exploração de suas reservas
expropriadas da REPSOL se não quiser cair da armadilha da queda de produção e
do desabastecimento interno e ter que contar com a gasolina barata que a
Petrobrás lhe vende a pouco mais de cinquenta centavos de real o litro.
Acontece que, mesmo essas multinacionais, não terão ânimo suficiente para
embarcar em tais aventuras, levando-se em conta as pífias garantias jurídicas
de tais negócios.
A presidente argentina, em
vista disso, chegou a convidar publicamente a Petrobrás a expandir a sua
produção na Argentina e a aumentar seus investimentos no país. Todavia, levando
em conta essa mesma falta de segurança jurídica e também os interesses
globalizados do monopólio brasileiro, a Petrobrás, em sã consciência, não
poderia jamais aceitar tal convite, principalmente numa ocasião em que tanto se
esforça para obter financiamento e atrair capitais externos para iniciar a
exploração de suas imensas reservas de petróleo do pré-sal do Brasil.
A Reuters recentemente
divulgou as declarações de uma fonte anônima ligada à SINOPEC, a segunda maior
empresa petroleira da China – que alegadamente se preparava para adquirir parte
substancial dos ativos da REPSOL na Argentina – em face de todas as negociações
nesse sentido tenham terminado: “esta é uma realidade altamente desestimulante
para qualquer empresa, ima vez que em função da medida adotada pelo governo
argentino, equivale a um suicídio político e comercial permitir que doravante
uma empresa chinesa venha a ambicionar e adquirir o controle acionário da YPF
agora estatizada. Não temos muita experiência ainda em capitalismo, mas não
somos tão trouxas assim”...
Já a Petrobrás, sendo um
monopólio estatal – com todos os agravos que isso significa para o povo
brasileiro –, dada a política de compadrio e cumplicidade em vigor na América
latina, como aconteceu na Bolívia de Evo Morales, é possível que aceite o
convite feito pela Casa Rosada, mesmo que isso, de novo, contrarie os melhores
interesses comerciais do Brasil e da própria estatal.
Independente do pouco que a
Espanha possa fazer em âmbito internacional para reaver o seu patrimônio e
capital empregado em terras portenhas, a medida populista e demagógica de
Cristina Kirchner só não representará um tiro no próprio pé se houver um
aumento da produção de combustíveis na Argentina, coisa difícil de ser avistada
no turvo horizonte sulamericano, a não ser que a mandatária resolva injetar
doses maciças de seus parcos recursos fiscais na agora estatal YPF, em
detrimento de uma série de outras necessidades urgentes a serem acudidas.
Portanto, como essa possibilidade parece improvável, as perspectivas no médio e
longo prazo levam os analistas a considerar como inevitáveis futuras crises no
abastecimento interno de combustíveis. Mas, e daí? O que interessa – na ótica
populista – é o aqui e o agora, o imediatismo que tal medida acarreta junto à
opinião pública parcamente informada do país vizinho.
O petróleo é ainda o ponto-chave
de todas as teorias conspirativas que brotam no seio da opinião pública de um
povo. Há uma crença férrea de que essa riqueza está sempre ameaçada pelo roubo
planejado de outras nações e tal é, paradoxalmente, a razão pela qual os
governos se antecipam e, eles mesmos, passem a roubá-lo de suas próprias
gentes.
Os países que têm as maiores
reservas de petróleo são os que mais lançam mão de um nacionalismo irracional
para tentar centralizar as decisões e a manipulação dos resultados econômicos e
financeiros de sua exploração. A Venezuela é o maior exemplo disso, sendo o
quinto maior exportador da mercadoria e tendo um povo que sofreu o maior
empobrecimento registrado no mundo na última década.
São poucos os países que tratam
o assunto dentro da lógica fria e direta do comércio internacional com base nas
simples, eficientes, e realistas leis de mercado. O uso político dessa
mercadoria acaba gerando guerras e a construção de estados gigantes com pés de
barro, como soe acontecer na América latina e no Oriente Médio, por
exemplo.
Para o populismo demagógico
dos governantes, que não estão nem aí para o futuro de seus países, mas apenas
para os possíveis resultados imediatos em termos de popularidade junto às suas
opiniões públicas propositalmente mal formadas de suas gentes, o que interessa
é, pois, usar o “ouro negro” como um recurso facilmente acessível para
manipular a imaginação popular com teorias de conspiração e de ondas fabricadas
por marqueteiros de falsos arroubos patrióticos.
Tais decisões, como essa da
Casa Rosada, capazes de criar de forma imediata uma onda de ufanismo patriótico
junto ao povo, acabam, invariavelmente por produzirem resultados catastróficos
no médio e no longo prazo e o governo de Cristina Fernandes de Kirchner (CFK,
que alguns na Argentina dizem significar ‘ConFisKa’) continua a dar sinais de
sua disposição de manter seu comportamento errático, populista e demagógico, o
que, quase sempre leva a economia ao caos e acaba marginalizando o país como um
pária da comunidade internacional.
É lamentável que a Argentina,
na sua ânsia de mimetizar seus vizinhos, tenha se enveredado por esse pântano
erros e enganos grosseiros. Outrora um florescente país, acabou por permitir
que seu povo deixasse de ser visto como sofisticado e altamente progressista
para se transformar em boiada de gado marcado a caminho do abatedouro. O
Brasil, por sua vez, não muito diferente – só maior – não parece ver a
gravidade de ter um vizinho em queda livre, como a Argentina, useira em se
afastar das normas internacionais e em se aventurar perigosamente nas turvas
águas do atraso e do empobrecimento, em grande parte porque também está tomado
dessa onda falsamente nacionalista e estatizante em seus próprios domínios.
As vendas que cobrem os olhos
de brasileiros e argentinos, no frigir dos ovos, são as mesmas.
Título e Texto: Francisco Vianna, 17-05-2012
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