José Carlos Bolognese
Raramente ia ao aeroporto.
Desta vez resolvera driblar o trânsito que naquela hora costumava ser um tanto
pesado e chegou bem mais cedo. Porém, ao entrar na área de desembarque ouviu o
alto-falante anunciar o atraso do voo que traria seu tio de Porto Alegre. Fazer
o quê? Esperar. Não havia muito o que descobrir num lugar onde entre partidas e
chegadas, passara boa parte de sua vida. Esperar... ultimamente era o verbo que
conjugava com uma repetição exasperante, mas aquela hora ou pouco mais de avião
atrasado não ia tirar seu bom humor.
Acomodou-se num velho banco seu conhecido, e depois de folhear um jornal deixado ali por alguém, passou a observar as pessoas chegando, especialmente os tripulantes e viajou brevemente ao passado, sentindo-se um deles. Sentia falta daqueles tempos como qualquer um que ganha a vida fazendo o que gosta mas… se tudo um dia se acaba, pelo menos as suas boas recordações daqueles tempos eram para ficar. Talvez só se desse conta agora nesse outono de chumbo, que fora sim, muito feliz naquela época, tanto que então nem percebia.
Acomodou-se num velho banco seu conhecido, e depois de folhear um jornal deixado ali por alguém, passou a observar as pessoas chegando, especialmente os tripulantes e viajou brevemente ao passado, sentindo-se um deles. Sentia falta daqueles tempos como qualquer um que ganha a vida fazendo o que gosta mas… se tudo um dia se acaba, pelo menos as suas boas recordações daqueles tempos eram para ficar. Talvez só se desse conta agora nesse outono de chumbo, que fora sim, muito feliz naquela época, tanto que então nem percebia.
Agora, enquanto apreciava a sua
vida passada em flashback, não podia esquecer que sem querer, nem saber porquê,
passara a viver em outra dimensão. Desgastado por tudo o que passou nos últimos
seis anos, perguntou-se:
"De que mais sinto falta?
Do meu trabalho, meus voos, dos pernoites? Sem dúvida, mas passado é passado e
posso viver com isto. Mas… e viajar nas férias com a família, trocar de carro,
comer fora uma ou duas vezes por mês?"… Bem, essas coisas, já fazia tempo,
tinham sido excluídas do quesito “consumir sem culpa” em sua vida.
Na verdade, seu pacote de
renúncias, o… isso não posso… aquilo não dá mais… aumentando à medida que o
tempo ia passando… o falatório, as promessas, os desmentidos... o nada de Aerus
de volta, iam deixando suas marcas cada vez mais profundas no corpo e na alma.
Quando se é submetido a uma situação de penúria progressiva – um otimista
poderia chamar de prosperidade regressiva – a cada dia que passa são tantas as
carências somadas, que fica difícil colocá-las numa ordem de importância. São
referências que se perdem em meio a tantas outras.
Mas, pensava, se lhe fosse
dado recuperar uma dessas tantas coisas que perdeu nesses anos todos, o que
gostaria de ter de volta? O emprego, o cargo que ocupava, certamente seria uma
coisa ótima, mas contra isso já se tinham instalado os obstáculos
intransponíveis da idade e do triste fim da empresa.
Viver como aposentado – não da vida, mas do
emprego – poder continuar a ser produtivo com mais liberdade, a seu modo e com
sua experiência de vida, isto agora aparentava depois de tantos anos de espera,
algo mais inatingível do que voltar no tempo e começar tudo de novo.
Quando se deu conta que não
podia escolher uma coisa que fosse, dentre as que queria recuperar, veio a
revelação:
O queria mesmo de volta, era o contracheque. O
seu nome, a matrícula, o logo da empresa, o bruto, o líquido… os descontos.
Sim, também os descontos, porque embora vistos com desagrado, aquela parte de
seu trabalho que não vinha de imediato para suas mãos, ao menos lhe davam uma
sensação de estar incluído no mundo normal. O que não era pouco, comparado ao
que sentia agora. Em uma dúzia de letras, aquilo que durante todos aqueles anos
na empresa tinha significado toda a razão de ser de um trabalho – que nunca viu
apenas como emprego – pois amava o que fazia. O contracheque era o seu elo, a
sua conexão com o mundo onde a dignidade é medida pela capacidade de cada
indivíduo ser seu próprio provedor.
![]() |
Foto: João
Novello, vista aqui
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Nesse interminável dilema
entre razão e fé em que se debatia, a lembrança daquele pedaço de papel
sobressaía como o mais claro sinal de pertencer ao mundo dos vivos. Tudo o que
tinha havido de bom em sua vida, todas as dificuldades que enfrentara durante
anos, não podiam ser desmerecidas agora pela desistência a um direito, não
importando quanto tempo ainda ia esperar.
Foi com essa convicção que foi
encontrar o tio depois de uma longa espera. Mas já não era a volta para casa
tarde da noite que o preocupava. Seus pensamentos agora se concentravam em
lutar ainda com mais garra para ser o destinatário mensal daquele retângulo de
papel com um título de doze letras… que tanta importância tinha em sua vida.
Título e Texto: José Carlos Bolognese, 10-06-2012
Edição: JP
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