quarta-feira, 20 de junho de 2012

A diplomacia portuguesa

A crise económica em Portugal é uma extraordinária oportunidade para fazer mudanças no MNE, adiadas há décadas
Rodrigo Tavares
Tornou-se quase um lugar-comum criticar o corpo diplomático português. É apontado como excessivamente cerimonial, caro e pouco eficaz. Ainda que algumas das críticas sejam legítimas, elas poderiam ser dirigidas, na verdade, à diplomacia de vários outros países europeus. A diplomacia é uma instituição centenária e fortemente institucionalizada que se rege por princípios orgânicos de autopreservação.
Mas o mundo mudou. E a diplomacia vai ter que mudar. Em tempos idos, os diplomatas eram detentores do monopólio da informação em países estrangeiros, mas há mais de duas décadas que esse centralismo foi violado. A informação tornou-se acessível e imediata. Muitas empresas de inteligência privadas (como a Stratfor ou a Exclusive Analysis) têm acesso a melhores fontes que diplomatas experientes. E por um custo muito mais baixo. Também se tornou obsoleta a ideia de que os diplomatas detêm a exclusividade da representação de um Governo, em países terceiros. É mais fácil para chefes de Governo enviarem os seus representantes de confiança em missões estratégicas pontuais, do que confiar em funcionários de carreira que não conhecem pessoalmente. As guerras territoriais que os diplomatas têm de mediar são, muitas vezes, travadas dentro da sua própria casa.
São vários os países que já se adaptaram aos novos tempos, modernizando as suas atividades diplomáticas, como a Suécia, Brasil, EUA ou Singapura. O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português tem vários desafios pela frente. Primeiro, precisa de investir fortemente na qualificação dos seus diplomatas, transformando o Instituto Diplomático numa verdadeira escola de formação preparatória e contínua. Segundo, é fundamental que se estabeleçam metas de desempenho, com consequências na carreira, através da valorização e distinção do mérito. Se, em Portugal, os juízes ou os professores são avaliados, porque não o podem ser os diplomatas? Terceiro, o corpo diplomático precisa de se abrir à competição externa. Nos EUA, cerca de 25% dos embaixadores nomeados pela Casa Branca não são diplomatas de carreira. Porque é que a representação de Portugal no estrangeiro tem que obedecer exclusivamente a uma classe profissional? Quarto, é fundamental que se unam as redes externas (a do MNE, do Turismo de Portugal e da AICEP) numa única entidade, dependente do chefe da missão diplomática. Portugal tem que falar a uma só voz. Finalmente, e de uma vez por todas, a diplomacia económica tem que ser posta em prática. Os postos diplomáticos portugueses precisam de se transformar em novas feitorias, atraindo investimento para Portugal e facilitando a penetração das empresas portuguesas nesses países. Esta deve ser uma das suas principais missões.
De forma discreta, o ministro Paulo Portas parece estar a caminhar na direção certa. A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) saiu do Ministério da Economia e foi incorporada pelo MNE. Jovens diplomatas portugueses começaram a receber formação de grandes empresários nacionais. E no Brasil, uma das tábuas de salvação da economia portuguesa, o MNE trocou recentemente, e de uma só vez, o embaixador, a equipa da AICEP e os cônsules gerais no Rio de Janeiro e em São Paulo (cujo PIB é mais de três vezes superior ao de Portugal). A imprensa não prestou atenção, mas estes movimentos são muito raros em diplomacia. A crise económica em Portugal é uma extraordinária oportunidade para fazer mudanças no MNE, adiadas há décadas. Como disse Dag Hammarskjöld, o mais brilhante diplomata sueco da primeira metade do século XX, "nós prometemos de acordo com a nossa esperança, mas aquilo que pomos em prática deriva dos nossos medos".
Título e Texto: Rodrigo Tavares, pós-doutorado em Relações Internacionais pela Universidade de Columbia e formado em negociação internacional pela Universidade de Harvard, na revista Visão, nº 1004

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