A crise económica em Portugal é uma extraordinária
oportunidade para fazer mudanças no MNE, adiadas há décadas
Rodrigo Tavares
Tornou-se quase um lugar-comum criticar o corpo
diplomático português. É apontado como excessivamente cerimonial, caro e pouco
eficaz. Ainda que algumas das críticas sejam legítimas, elas poderiam ser
dirigidas, na verdade, à diplomacia de vários outros países europeus. A
diplomacia é uma instituição centenária e fortemente institucionalizada que se
rege por princípios orgânicos de autopreservação.
Mas o mundo mudou. E a diplomacia vai ter que mudar. Em
tempos idos, os diplomatas eram detentores do monopólio da informação em países
estrangeiros, mas há mais de duas décadas que esse centralismo foi violado. A
informação tornou-se acessível e imediata. Muitas empresas de inteligência
privadas (como a Stratfor ou a Exclusive Analysis) têm acesso a melhores fontes
que diplomatas experientes. E por um custo muito mais baixo. Também se tornou
obsoleta a ideia de que os diplomatas detêm a exclusividade da representação de
um Governo, em países terceiros. É mais fácil para chefes de Governo enviarem
os seus representantes de confiança em missões estratégicas pontuais, do que
confiar em funcionários de carreira que não conhecem pessoalmente. As guerras
territoriais que os diplomatas têm de mediar são, muitas vezes, travadas dentro
da sua própria casa.
São vários os países que já se adaptaram aos novos
tempos, modernizando as suas atividades diplomáticas, como a Suécia, Brasil,
EUA ou Singapura. O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português tem
vários desafios pela frente. Primeiro, precisa de investir fortemente na
qualificação dos seus diplomatas, transformando o Instituto Diplomático numa
verdadeira escola de formação preparatória e contínua. Segundo, é fundamental
que se estabeleçam metas de desempenho, com consequências na carreira, através
da valorização e distinção do mérito. Se, em Portugal, os juízes ou os
professores são avaliados, porque não o podem ser os diplomatas? Terceiro, o
corpo diplomático precisa de se abrir à competição externa. Nos EUA, cerca de
25% dos embaixadores nomeados pela Casa Branca não são diplomatas de carreira.
Porque é que a representação de Portugal no estrangeiro tem que obedecer
exclusivamente a uma classe profissional? Quarto, é fundamental que se unam as
redes externas (a do MNE, do Turismo de Portugal e da AICEP) numa única
entidade, dependente do chefe da missão diplomática. Portugal tem que falar a
uma só voz. Finalmente, e de uma vez por todas, a diplomacia económica tem que
ser posta em prática. Os postos diplomáticos portugueses precisam de se
transformar em novas feitorias, atraindo investimento para Portugal e
facilitando a penetração das empresas portuguesas nesses países. Esta deve ser
uma das suas principais missões.
De forma discreta, o ministro Paulo Portas parece estar a
caminhar na direção certa. A Agência para o Investimento e Comércio Externo de
Portugal (AICEP) saiu do Ministério da Economia e foi incorporada pelo MNE.
Jovens diplomatas portugueses começaram a receber formação de grandes
empresários nacionais. E no Brasil, uma das tábuas de salvação da economia
portuguesa, o MNE trocou recentemente, e de uma só vez, o embaixador, a equipa
da AICEP e os cônsules gerais no Rio de Janeiro e em São Paulo (cujo PIB é mais
de três vezes superior ao de Portugal). A imprensa não prestou atenção, mas
estes movimentos são muito raros em diplomacia. A crise económica em Portugal é
uma extraordinária oportunidade para fazer mudanças no MNE, adiadas há décadas.
Como disse Dag Hammarskjöld, o mais brilhante diplomata sueco da primeira
metade do século XX, "nós prometemos de acordo com a nossa esperança, mas
aquilo que pomos em prática deriva dos nossos medos".
Título e Texto: Rodrigo Tavares, pós-doutorado em
Relações Internacionais pela Universidade de Columbia e formado em negociação
internacional pela Universidade de Harvard, na revista Visão, nº 1004
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