O ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu e o presidente do PT, Rui Falcão, para
seguir a efetiva ordem de importância de cada um na hierarquia da agremiação,
parecem ter tirado o dia, anteontem, para disputar entre si um acirrado torneio
de primarismo, descaramento e mistificação. Em Cuba, participando de um
daqueles convescotes ideológicos cheios de ar quente e vazios de ideias - no
caso, uma "Conferência pelo Equilíbrio Mundial", no Palácio de
Convenções de Havana -, Lula demonstrou surpreendente sintonia com o espírito
já um tanto fanado da new age, ao pedir ao público que mandasse "energia
positiva" para o caudilho venezuelano Hugo Chávez. Se ele porventura
superar as sequelas da operação a que se submeteu na ilha em meados de dezembro
para extirpar o câncer de que padece, Lula bem poderá se gabar de haver
contribuído para a sua miraculosa recuperação. Pelo menos seria coerente com a
sua propensão a tratar de proezas alheias como se delas fosse o autor.
Mas o apelo ao despacho de
energia cósmica para revigorar o autocrata de Caracas até que passa, com um
pouco de caridade. O que fica é o exemplo confeccionado por Lula para a
ocasião, a fim de ilustrar a sua enésima diatribe contra as "elites"
em geral e a imprensa em particular por seu suposto "ódio" contra
Chávez, a argentina Cristina Kirchner, o uruguaio Pepe Mujica e o boliviano Evo
Morales pelo bem que fariam aos pobres. (Ele omitiu o equatoriano Rafael
Correa.) "No Brasil", afirmou, voando baixo, "a imprensa não
suporta que os pobres viajem de avião." O que os viajantes, ricos,
remediados ou pobres, não suportam - e o que a imprensa denuncia - é a situação
dos obsoletos aeroportos brasileiros, que o lulismo no poder não cuidou de
apetrechar para o aumento do número de voos e passageiros. A mídia, a mesma que
o ajudou a decolar do sindicalismo para a grande política - como certa vez, em
um momento de franqueza, ele admitiu -, é o bode expiatório de há muito
escolhido para livrar o PT do acerto de contas com seus próprios malfeitos.
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Um e Outro |
Desde o julgamento do
mensalão, ela tem a companhia da Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF), que
impôs aos mensaleiros penas compatíveis com o crime de lesa-República que se
esbaldaram em cometer, e o titular do Ministério Público Federal, Roberto
Gurgel, por ter encaminhado à instância adequada as acusações do publicitário
Marcos Valério contra Lula, em vez de lançá-las ao lixo, capitaneiam a
"ofensiva da direita contra o nosso projeto político", nas palavras
de Dirceu (10 anos e 10 meses de prisão, além de multa de R$ 676 mil). Em um
ato da CUT, no Rio, "pela anulação do julgamento do mensalão", o
mensaleiro-chefe acusou o STF de violar os direitos individuais e a democracia.
No seu vale-tudo mental, atribuiu o noticiário da imprensa sobre as mazelas dos
políticos ora à intenção de "amanhã dar um golpe", ora à intenção de
inibir o Congresso de regular a mídia. Às vezes, nessas horas, a verdade assoma
em meio à fabulação. No caso, a pouca vontade do próprio PT em mobilizar as
massas para a defesa dos mensaleiros.
"Aonde (sic) estão os
nossos?", perguntou retoricamente Dirceu para se queixar de que ninguém
"foi para a tribuna denunciar" a decisão de Gurgel de dar curso às
denúncias de Marcos Valério. Por sua vez, Andréa Haas, mulher do condenado ex-dirigente
do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato (14 anos, 8 meses, R$ 1,3 milhão), pediu
aos companheiros "que não sejamos esquecidos, como até hoje fomos".
Não será o desalento petista que motiva as exortações de Dirceu e a campanha
que promete encetar contra o STF? Não será também o que leva o deputado Rui
Falcão a abrir ao máximo a sua "torneira de asneiras", como fazia a
boneca Emília das histórias de Monteiro Lobato? São tantas que não é fácil
escolher a que merece ir ao pódio. Entre a imputação ao Ministério Público de
ter "atuação partidária" e o imperativo de combater a oposição
"sem cara, mas com voz" que "tenta interditar a política no
Brasil", o Oscar vai para esta obra de arte: "Quando desqualificamos
a política (…), a gente abre campo para experiências que, no passado, levaram
ao nazismo e ao fascismo" (apud, Rui Falcão).
Editorial, Estado de S.Paulo, 01-02-2013
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