sábado, 2 de março de 2013

O elefante do Papa

Um paquiderme de Ceilão foi a grande vedeta da inesquecível embaixada de D. Manuel I a Leão X, em 1514
Luís Almeida Martins
Nos primeiros anos do século XVI, Portugal e os Estados italianos (a Itália apenas se unificaria politicamente em 1870) representavam, aos olhos da Europa, o suprassumo do espírito renascentista. A Itália, claro, pela criatividade dos seus artistas e a munificência dos seus mecenas, que lhe deram, em conjunto, um lugar ímpar no panorama artístico mundial. O nosso país, mais discreto e tosco, viveu porém nesse tempo de esplendor o auge da sua ostentação, fruto da conquista das riquezas da Índia. Quando, em 1514, D.Manuel I decidiu enviar uma embaixada à corte do papa Leão X, em Roma, convergiram ali nas ruas da Cidade Eterna duas formas de ostentação sem paralelo.
O cortejo formou-se na Porta del Populo. Abriam a marcha 300 cavalgaduras cobertas de tecidos finamente lavrados, conduzidas por palafreneiros engalanados. Vinham a seguir, a par, os criados dos cardeais romanos e os dos embaixadores portugueses e ainda dos muitos fidalgos nossos compatriotas que então residiam na Cidade Eterna. Era depois a vez dos parentes dos embaixadores, cada um mais ricamente vestido do que o outro, com joias, bordados, chapéus deslumbrantes e calções e mangas sedosos e golpeados. Cavalgava logo atrás uma companhia de besteiros do Papa e os oficiais da sua casa, acompanhados por duas guardas de honra, uma de alabardeiros suíços com os uniformes e capacetes que ainda hoje lhes conhecemos e outra de soldados gregos com o seu trajo nacional.

E vinha e então a parte mais exótica do desfile. Atrás do estribeiro menor de D. Manuel avolumava-se, despertando a curiosidade de toda a gente, um elefante de Ceilão com guarnições de ouro maciço, transportando no dorso um belo cofre, oferta do rei português ao pontífice romano. O cornaca do paquiderme era um naire do Malabar vestido com ostentação e fazendo curiosos gestos fora do comum para olhos ocidentais. A seguir desfilava um cavalo da Pérsia montado por um caçador de Ormuz, em cuja guarupa repousava, de olhos semicerrados, uma pantera mosqueada. Era depois a vez dos embaixadores portugueses desfilarem, e, a seguir a eles, os representantes de Espanha, da Inglaterra, da Polónia e de diversos Estados italianos junto da Santa Sé. Entretanto soavam ininterruptamente todos os sinos da cidade e ouvia-se de quando em quando o disparo de salvas de artilharia.


Leão X, rodeado de cardeais, esperava o cortejo no alto do Castelo de Santo Ângelo, também conhecido por Mausoléu de Adriano, na margem direita do Tibre. Ao aproximar-se do Papa, o cornaca, correspondendo a um gesto do embaixador Nicolau de Faria, apresentou ao elefante um grande vaso cheio de água perfumada. O animal, previamente industriado, mergulhou nele a tromba, encheu-a de perfume e borrifou por três vezes tanto o pontífice e o seu séquito como o povo espectador que, entusiasmado, aplaudiu ao rubro. Aurélio Sereno, um poeta da corte pontifical, imortalizaria mais tarde aquele instante em versos que deram brado nos quatro cantos dos Estados papais.
Francisco I de França, que reinou de 1515 a 1547, chamaria logo a seguir ao seu país os maiores artistas do Renascimento italiano, incluindo Leonardo da Vinci, e faria do seu país o farol das artes.
Título e Texto: Luís Almeida Martins, in “365 dias com histórias da História de Portugal”, página 129.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-