quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Fazer história

Berta Cabral
Foi há 124 anos. Elisa Andrade concluiu com mérito o curso de Medicina e tornou-se a primeira médica em Portugal. Foi a primeira data marcante da crónica pela luta da igualdade de género.

A segunda? Incompreensivelmente diria: 1918. Data em que passou a ser permitido às licenciadas em Direito praticarem advocacia. Foi uma luta difícil.

O Código Civil explicava que só os homens podiam exercer a profissão. Em 1976 entra finalmente em vigor a constituição que consagrava a igualdade entre homens e mulheres. Mas ainda tivemos de esperar alguns meses para que os maridos deixassem de ter o direito de abrir a correspondência das suas mulheres.

As primeiras mulheres a servir no Exército? As extraordinárias enfermeiras paraquedistas em 1961. A primeira mulher autorizada a pilotar um avião militar foi só em 1994. E a primeira mulher secretária de estado da Defesa Nacional tomou posse há quatro meses atrás.

Recapitulando: A primeira mulher licenciada em Portugal foi em 1889.

Hoje, 124 anos depois, as mulheres têm juridicamente os mesmos direitos do que os homens mas não podiam, até agora, estudar no Colégio Militar. E sobre o Colégio Militar tinha essa profissional obrigação de ajudar a pôr fim a tal impedimento.


As mulheres podem votar, tirar a carta, tirar um curso, podem quase tudo, menos estudar no Colégio Militar. Podem ser secretárias de Estado, Presidentes da República, da Assembleia da República, ministras, líderes partidárias. Podem tudo isso. Não podiam estudar no Colégio Militar.

As mulheres podem estudar. Em qualquer universidade do País. Em qualquer liceu ou escola pública. Do Técnico à Faculdade de Direito de Coimbra. Das letras, em Lisboa, à biologia, em Ponta Delgada. De Harvard a West Point. Em todos os colégios e universidades do mundo.
Podem ser soldados, comandar homens, ser pilotos ou conduzir carros de combate. Podem tudo isso. Menos estudar no Colégio Militar.

Porque no fim do dia a polémica criada, nos últimos meses, sobre a reforma dos estabelecimentos militares de ensino resumiu-se a isso. Garantir que as mulheres continuariam sem entrar no Colégio Militar.

Mesmo quando todos os indicadores, como a perda progressiva de alunos nos últimos dez anos, ou a estrutura de custos desadequada da realidade obrigam que se faça essa reforma.
E desta enciclopédica cronológica estamos quase a acrescentar uma outra data: setembro de 2013. O ano em que será extinta a ultima limitação de género da república portuguesa. O ano em que a primeira mulher se sentará num banco do Colégio Militar.

E se for só para assinar o documento que proporcione a extinção de um paradoxo histórico, já valeu a pena passar por aqui. Nesse dia passarei a ter uma coisa em comum com os alunos do Colégio Militar: nesse dia estaremos a fazer história.
Título e Texto: Berta Cabral, Secretária de Estado adjunta e da Defesa Nacional, Diário de Notícias

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