quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A economia portuguesa

Rui A.

Imagine que você tem 40 anos e que, por qualquer razão que não vem agora ao caso, recebia 500 mil euros limpos de encargos e impostos, prontos a que lhes dê o destino que muito bem entender.

Sendo embora muito dinheiro, não é, contudo, suficiente para você se encostar às boxes e deixar de trabalhar. Donde o mais sensato seria investir esse dinheiro nalguma coisa que lhe dê rendimento e segurança para alguns anos de vida.

Assim, a primeira ideia que tem é a mais natural do mundo: ir depositá-lo num banco. Todavia, informando-se sobre o estado da banca portuguesa (e europeia) e dos depósitos bancários, facilmente constatará que os depósitos a prazo não lhe dão qualquer rendimento, que terá que pagar taxas bancárias elevadas para manter a sua conta e, pior do que isso, que nenhum banco lhe oferece a garantia de que, daqui por meia-dúzia de anos, esteja ainda de portas abertas, com o seu dinheiro em segurança. Você desiste da ideia e passa para a seguinte.

E pensa, com naturalidade, em investir em imóveis, de modo a poder colocá-los no mercado para obter rendimento. A primeira constatação, contudo, é que irá pagar elevados impostos na transação de compra. Depois, que terá de pagar, de quatro em quatro meses, o IMI, que tem vindo a crescer nos últimos anos e que é muito pesado. Também ouviu falar no Imposto Mortágua e, obviamente, teme que este o abranja.

Depois, pensa no Alojamento Local, negócio de que ouviu dizer muito bem e onde constava que se ganhava algum dinheiro. Foi informar-se e ficou a saber que já não é assim: os impostos sobre esse ramo de atividade aumentam todos os anos, a cada orçamento que é feito, criaram-se zonas de proteção, nas grandes cidades, onde o imposto sobre os rendimentos do negócio aumenta ainda mais, criam-se regras burocráticas em cima de regras burocráticas, a água que se consome tem um preço superior ao dos imóveis comuns, etc.. Então, você conclui que o Alojamento Local também já não é negócio seguro para gastar o seu dinheiro.

Aí pensa no arrendamento comum. Mas fica imediatamente de sobreaviso com as notícias de que o governo se prepara para impor rendas de valor limitado, para garantir o chamado «direito constitucional à habitação», que tem vindo a congelar as atualizações anuais e que se prepara para aprovar legislação que impeça, ou dificulte ao extremo, os despejos em caso de incumprimento contratual. Para além do mais, qualquer renda que cobre tem o inconveniente de ter de pagar, à cabeça, 28%, sendo que, no fim do ano fiscal, quando faz a sua declaração de IRS, a soma de rendimentos que daí vêm, mais os que tem do seu trabalho, provavelmente o farão aumentar de escalão e terá, por isso, de pagar ainda mais impostos. Por tudo isto, também desiste dessa hipótese.

Em seguida, põe a possibilidade de investir num negócio. Ter um negócio é bom! é? Talvez, mas qual? E como? Você informa-se e fica imediatamente a saber que, se abrir um negócio é fácil, mantê-lo e, sobretudo, fechá-lo, se as coisas correrem mal, é um completo inferno. Ouviu até dizer que um vizinho seu, que abriu uma padaria de rua, teve azar no andamento das coisas e agora o fisco não lhe larga a perna, penhorou-lhe a conta bancária e a casa, e, inclusivamente, o homem anda a responder em tribunal por não ter pago alguns dos impostos que o estado lhe exigia, para pagar os salários aos seus trabalhadores e ver se conseguia manter o negócio aberto. Pondera bem todas as circunstâncias e desiste, porque não está para ficar sem o dinheiro e ainda arranjar chatices.

Posto isto, você. começa a ficar sem grandes opções para dar destino ao dinheiro que, em sorte, lhe entrou nos bolsos. Mas, um dia, a ver o noticiário das 20:00, ouviu um senhor ministro e um grande economista da praça a dizerem, num debate sobre »O Estado da Economia Portuguesa”, que é a consumir que o país vai por diante e que todos ganhamos muito quando muitos gastam muito. Você, que é um patriota e está farto dos 500 mil euros que tem, compra um carro topo de gama, uma casa num bairro social de classe média-alta e ainda arranja uma namorada gastadora, que está sempre a pedir-lhe roupa de marca e maquilhagens de qualidade, com quem embarca para um resort de luxo nas Caraíbas. Seguindo as instruções de tão importantes figuras, você. gasta o que tem, até que um dia deixa de ter, mas continua a gastar por hábito e necessidade de deixar satisfeita a loira platinada, que entretanto é cada vez mais exigente para consigo.

Um dia, você acordará cheio de dívidas, com o banco onde foi buscar o resto do dinheiro para a casa a penhorá-la, sem dinheiro para manter o carro (que vende ao desbarato) e com um bilhete da loura na cozinha com os seguintes dizeres: «Juvenal, afinal não és o homem da minha vida. Tchau!».
Título e Texto: Rui A., Blasfémias, 22-1-2020

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