Péricles Capanema
O “Estado de S. Paulo”,
reportagem assinada por Fernanda Guimarães, noticiou com destaque em 6 de
janeiro “Gigante chinesa XCMG abre banco no Brasil”. (A notícia de
forma resumida voltou no dia seguinte). Colocou ainda no lead,
enfatizando a importância do fato “esse é o primeiro banco do grupo
XCMG em todo o mundo — nem mesmo na China o grupo possui uma instituição
financeira”.
A informação minuciosa explica
ainda que a XCMG (Xuzhou Construction Machinery Group) é um gigante de
construção de máquinas para a engenharia civil. De fato, vendeu em torno de
R$100 bilhões em 2019, verifiquei. Pelo volume anual, cerca de R$100 bilhões,
fica claro, é um mastodonte econômico e terá condições de expandir rapidamente
o banco que acaba de inaugurar no Brasil.
Wang Min, presidente da XCMG
declarou em São Paulo que o objetivo de abrir um banco no Brasil é em especial
ajudar as relações econômicas com a China e facilitar a aplicação de capitais
chineses no Brasil. A XCMG, que já é proprietária de fábrica de máquinas no sul
de Minas, capacidade de 7 mil máquinas anuais, entre as quais
caminhões-guindaste, motoniveladoras, escavadeiras.
Roberto Carlos Pontes,
contratado para vice-presidente do banco, declarou na mesma entrevista que o
novo banco irá procurar clientes e revendedores da XCMG no Brasil. Também irá
atrás de empresas chinesas que operam no Brasil e as que aqui irão se instalar.
Observou: “Por conta
do ciclo econômico no País e o programa de concessões e privatizações, novos
entrantes chineses devem chegar ao Brasil”. Fica a nota, vão colocar foco
especial no programa de concessões (que tem muito de privatização) e no
programa de privatizações.
Sobre a atuação do novo banco
chinês, Davi Wu, sócio-diretor da prática Chinesa da KPMG no Brasil, crê que o
ciclo dos investimentos chineses no Brasil deverá continuar intenso, por volta
de R$1 trilhão nos próximos 20 anos.
A reportagem nota que o banco
da XCMG não é o primeiro banco chinês no Brasil. O China Construction
Bank (CCB) em 2013 comprou o controle do então BicBanco. E
em 2015 o Bank of Communications comprou 80% do BBM S.A.
Agora, complementarei com
informações que não constam da reportagem (nenhuma alusão, espantoso) e nem do
que vem sendo noticiado e pude compulsar. A XCMG é estatal chinesa. O banco a
ser aberto no Brasil será um banco estatal chinês. O China Construction
Bank, o segundo banco citado é estatal chinesa. O Bank of
Communications é estatal chinesa. Provavelmente o dinheiro aplicado
aqui por meio de tais instituições financeiras em programas de concessões e
privatização será de propriedade de estatais chinesas. Vou repetir o óbvio: uma
estatal chinesa é dirigida pelo governo. O governo é dirigido pelo Partido
Comunista Chinês. E vou repetir também, o que para muitos ainda não é óbvio: no
Brasil é virtualmente proibido informar o óbvio a respeito. A casa cai.
Volto-me agora para a
Constituição Federal. O artigo 170 (consta do Título VII e trata dos princípios
gerais da ordem econômica) enumera como primeiro deles a soberania nacional.
Não ameaça a soberania nacional pelo menos potencialmente que um naco grande da
economia brasileira seja de propriedade e dirigido por um governo estrangeiro
imperialista e ditatorial? Não nos encheram os ouvidos com os tais setores
estratégicos? Falamos aqui em especial de infraestrutura e área financeira.
Deixaram de valer? Era pura balela de desocupados meio abitolados, que é
preciso agora fingir que nunca foram divulgados como grandes achados?
Vou para o artigo 171: “A
lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital
estrangeiro”. Está conforme o interesse nacional que boa parte do
capital estrangeiro aqui aplicado (somas gigantescas) seja de governos
estrangeiros imperialistas e ditatoriais? Dirigido por potência estrangeira
suas ações favorecerão a ela ou ao interesse do Brasil? Ficou proibido tocar no
tema e pedir que seja debatido?
Pulo para o artigo 173: “A
exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo”. O artigo, em Constituição estatizante, reflete a doutrina de
que, via de regra, o Estado, no âmbito econômico, deve se limitar a papel
regulador e suplementar. Vamos tratar de sua função suplementar: o Estado só
pode agir diretamente no âmbito econômico por razões de segurança nacional ou
relevante interesse coletivo. Se vale para o Estado brasileiro, com maior
razão, vale para Estado estrangeiro. Quais as razões de segurança nacional para
o Estado chinês aplicar tanto dinheiro no Brasil, tornando-se dono de parte da
economia? Qual o interesse coletivo relevante que justifica o controle pelo
Estado chinês, mediante compra e vencimento de concorrências (investimentos
maciços), de parte da infraestrutura e, no caso, da área financeira? Obrigações
de reciprocidade e isonomia? Haveria no caso paralelismo efetivo?
Sei, levantei questões pela
rama, não as estou solucionando. A resolução demandaria rios de tinta. Mas o
mero fato de levantá-las, passo inicial da caminhada, já aponta para começo de
solução. E as suscitei porque creio, ou estou muito errado ou estamos diante de
graves ofensas à Constituição.
Sei, ninguém tratou delas
antes (pelo menos não vi). Sempre tem a primeira vez. Convido então os constitucionalistas:
estudem por inteiro a questão, reflitam, discutam. É depois, para
esclarecimento da opinião pública, o caso é delicado, opinem com prudência
e doigté (habilidade), que sejam palavras embebidas do senso
agudo dos interesses brasileiros. Quem sabe, avanço, caberia aqui uma como que,
por analogia, modulação de efeitos nas soluções aventadas.
Só peço uma coisa:
objetividade, nunca esbofetear a lei maior. E já aviso, a patrulha sairá dos
gonzos, já que é tema proibido. Vai atacar furiosamente. Em resumo, continua
intacta a impostura. Em espantoso retrocesso, o garrote vil afoga na garganta,
mesmo dos mais lúcidos e informados, as palavras de previsão e alarme.
Título, Imagem e Texto: Péricles
Capanema, ABIM,
14-1-2020
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