Gazeta do Povo
O reconhecimento, por parte do
Congresso, do estado de calamidade pública, ainda em março, era a ferramenta de
que o governo federal necessitava para começar a implantar medidas que fizessem
frente à pandemia do coronavírus – tanto nos gastos necessários para reforçar o
sistema de saúde quanto no auxílio a empresas e trabalhadores afetados pelas
políticas de isolamento social. Inicialmente, a equipe econômica avaliou ser
possível usar com parcimônia o poder de gastar acima do permitido pela meta
fiscal, mas logo percebeu que seria preciso colocar muito mais recursos para
conter a explosão do desemprego e a quebradeira de empresas.
No entanto, situações como
essas sempre trazem consigo o risco de deixar as contas fugirem totalmente ao
controle e de tornar permanentes gastos que deveriam ser apenas temporários.
Daí a ideia, surgida dentro do Congresso, mas com apoio explícito da equipe
econômica comandada por Paulo Guedes, de alterar a Constituição para se
instituir o chamado “Orçamento de guerra”, separando do Orçamento tradicional
os gastos relativos ao coronavírus, permitindo ao governo um campo de ação mais
amplo que o delimitado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pela meta de
déficit primário e pela “regra de ouro”, que impede o governo de se endividar
para bancar despesas correntes. A exceção vale enquanto durar o estado de
calamidade pública, e será criado um Comitê de Gestão de Crise, comandado pelo
presidente da República, mas cujas decisões podem ser derrubadas pelo Congresso
caso se avalie que elas extrapolam as funções do órgão.
O texto passou pela Câmara dos
Deputados em votação realizada durante uma sexta-feira (o que é incomum para os
padrões da casa) e com apoio quase unânime – 505 a 2 na primeira votação, e 423
a 1 na segunda. A sessão foi marcada por apenas duas controvérsias: sobre o uso
dos fundos partidário e eleitoral no combate ao coronavírus, infelizmente
rejeitado; e sobre a possibilidade de o Banco Central comprar títulos públicos
e privados, questionada pelo PSol, mas mantida na proposta. No entanto, os
senadores parecem mais refratários não apenas a alguns pontos da PEC, mas até
mesmo ao uso do sistema de votação remota para decidir a questão, motivo pelo
qual o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), vem empurrando para a
frente a votação, que até o momento está prevista para ocorrer na
segunda-feira, dia 13. De fato, a sessão realizada a distância prejudica a
dinâmica do debate, mas não o inviabiliza totalmente; além disso, os
parlamentares estão tendo o tempo que desejavam para analisar melhor a PEC e
discutir seu conteúdo entre si.
“A Constituição da República
não foi feita para ser alterada nos momentos de crise. Ela foi feita para ser
justamente o nosso guia em momentos de crise”, afirmou o senador Alessandro
Vieira (Cidadania-SE). Mas o que fazer quando há o risco de se instalar uma
confusão orçamentária que pode ser difícil de desfazer, ou se os mecanismos
constitucionais existentes deixam dúvidas a respeito de até onde o gestor pode
ir? Sim, o “Orçamento de guerra” é uma solução ad hoc, costurada no calor do
momento, mas, ao manter seu escopo na questão orçamentária, é uma alternativa melhor
à que outros países vêm usando, ao decretar ou considerar a possibilidade de
implantar estados de emergência que permitem até mesmo o cerceamento de
direitos e garantias individuais, o que no Brasil equivaleria aos estados de
defesa ou de sítio. Há alguns trechos que mereceriam esclarecimento, como por
exemplo quais seriam os “atos de gestão praticados desde 20 de março de 2020”
que seriam “convalidados”, segundo o artigo 3.º da PEC – eles incluiriam também
decretos estaduais e municipais? Neste caso, seriam apenas os atos relativos ao
gasto público ou também estariam contemplados decretos de constitucionalidade
duvidosa, como os que impuseram toques de recolher em algumas cidades? Mesmo
assim, isso não invalida o projeto como um todo.
O “Orçamento de guerra” dá
mais segurança jurídica ao governo para fazer o que for necessário com o
intuito de combater os efeitos sanitários e econômicos da pandemia da Covid-19,
ao mesmo tempo em que preserva o restante do Orçamento e as regras muito
saudáveis que o regem, como o teto de gastos. A separação evitará – ou ao menos
tornará mais difícil – que, uma vez restaurada a normalidade, o gasto público
não acabe contaminado por penduricalhos criados para serem emergenciais, mas
que poderiam continuar vivos, comprometendo a saúde fiscal do Brasil.
Título e Texto: Editorial,
Gazeta do Povo, 9-4-2020, 20h36
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