Mais preocupadas com a preservação do seu
software ideológico do que com a proteção dos povos contra o coronavírus, as
elites globalistas e diversitárias tiveram má vontade em tomar a única medida
que se impunha: o fechamento das fronteiras.
Mathieu Bock-Coté
Não basta dizer que a crise do
coronavírus fragiliza as nossas sociedades. Na verdade, elas já estão
derrubadas, e as especulações sobre um eventual colapso, que, ainda ontem,
provocavam o sorriso até mesmo nos mais pessimistas, doravante são encaradas
com seriedade.
As sociedades já atingidas por
grandes tensões arriscam de ver as violências se multiplicar no exterior das
zonas onde estavam relativamente contidas, ainda. Talvez não seja mais possível afastá-las da margem simbólica da ordem social.
Se a crise evoluir, a
desintegração simbólica das sociedades ocidentais constatada há algumas
décadas, se concretizará brutalmente numa decomposição mórbida onde os
instintos de sobrevivência comandarão os comportamentos sociais.
O individualismo como o
tribalismo farão desaparecer o senso comum. A diversidade dos costumes num
mesmo país onde coabitam fragilmente tornar-se-á abertamente conflituosa. Os
políticos de tempo de paz serão desconcertados por uma tempestade que os
transforma em tristes crianças, como gestores amadores de calças curtas.
O imprevisível e o indomável
podem surgir em todas épocas. A burrice dos modernos foi a de acreditar que o
trágico pertencia à pré-história da humanidade, como se a força da ciência lhes
desse uma ascendência total sobre a existência. Eles se imaginaram no papel de
divindade.
O homem que acreditou tomar o
primeiro lugar na criação e até confessava um fantasma de imortalidade
alimentado pela tecnociência se descobre desarmado perante a figura da epidemia
que reanima os medos arcaicos da humanidade.
A experiência do confinamento
generalizado que se impunha como uma medida de urgência necessária ao tamanho
do hemisfério Norte tornar-se-á logo insuportável.
O confinamento em casa não
significa a mesma coisa para quem está numa bucólica casa, com amplo jardim, na
província, e para quem está num apertado apartamento.
As provocações inconscientes (ou atos falhos) dos mundanos mostrando seus
luxuosos confinamentos quando um terço das populações se expõe quotidianamente
à possibilidade de contaminação radicalizarão, como nunca, a agressividade
social. A luta de classes tem futuro.
Não é possível reprovar os
dirigentes ocidentais por não terem antecipado esta crise, que surpreende todo
o mundo. Mas é impossível lhes desculpar por terem agido tão tarde, uma vez que
se tornava evidente que ela exigia um reforço da segurança sanitária.
As elites globalistas tardaram
em tomar a primeira medida que se impunha: o fechamento das fronteiras.
Assombradas pelo medo do nacionalismo, elas continuavam a recitar as fantasias
mundialistas e a não acreditar na volta do quadro político que elas, ainda
ontem, decretavam o declínio: o Estado nação.
Leitoras de Habermas ou de
seus epígonos, elas se imaginavam a vanguarda de uma nova época na qual os
eleitos de uma mundialização irreversível e salvadora circulariam sobre o
planeta lamentando a existência de povos retardatários hesitantes em se entusiasmar
pela promessa do desenraizamento. O pós-nacionalismo era o futuro do homem.
A intelligentsia progressista
aproveita-se de uma forma de impunidade ideológica navegando de um erro a
outro, ao longo das épocas, sem nunca pagar o preço.
No melhor dos mundos, a gente perceberá
uma preguiça intelectual com consequências catastróficas. No pior, percebemos
que se trata de uma obstinação em salvar, a qualquer preço, um sistema
ideológico esgotado desde há um bom tempo. Era necessário chegar a crise para
se ter a confirmação? Na escala da história saberemos que foi uma negligência
grave.
É um sistema que desaba e que
arrasta as sociedades que ele subjugou. Uma elite que faliu. No entanto,
aqueles que tudo fizeram para desconstruir a nação ou esvaziá-la da sua substância,
pontificam hoje a sua volta. Não fazem a mínima autocrítica. Eles continuam mesmo
a fustigar aqueles que nunca deixaram de defendê-la e que foram acusados de reacionários
e populistas. A intelligentsia progressista aproveita-se de uma forma de
impunidade ideológica navegando de um erro a outro, ao longo das épocas, sem
nunca pagar o preço.
E, no entanto, quando sairmos
desta crise, nós deveremos repensar as bases de uma civilização que se tornou
inóspita ao ser humano e às suas elementares aspirações. Será necessário
escutar aqueles que ainda ontem eram amaldiçoados, e se perguntar se alguns
párias não assumiram, de fato, a função profética gritando no deserto que o
mundo que aí vinha mutilava a humanidade privando-a dos seus bens essenciais.
O homem tem necessidade de uma
morada, não se pode tratá-lo como uma cobaia. Não é possível transformar uma
sociedade em laboratório a céu aberto de experimentos aleatórios e arriscados.
Estas verdades esquecidas reencontrarão o seu lugar na cidadania.
Título e Texto: Mathieu
Bock-Coté, Valeurs Actuelles, nº 4348, de 26 de março a 1º de abril 2020
Mathieu Bock-Coté é
sociólogo e autor de “L’Empire du politiquement correct” (O império do
politicamente correto) – Edições Le Cerf, 2009.
Tradução: JP, 9-4-2020
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