A doença real não vai ser encontrada na
infecção dos pulmões, e sim no equipamento cerebral de cada um
J. R. Guzzo
Oito meses seguidos de covid
estão deixando claro, cada vez mais, que um dos piores efeitos colaterais da
epidemia foi um assalto maciço à saúde mental de pessoas que nunca tiveram um
único sintoma real da infecção, nem precisaram de qualquer tipo de cuidado
médico por causa dela. Essa patologia, mal percebida no começo da onda, e
progressivamente instalada no comportamento cotidiano das vítimas, se manifesta
através de uma anomalia básica: a aceitação passiva, e em seguida muito ativa,
de convicções irracionais no seu sistema cerebral, emotivo e psicológico. É
como se tivessem desligado, em algum lugar, a chave-geral que assegura o
funcionamento normal — ou aquilo que era considerado normal até algum tempo
atrás — dos circuitos nos quais se movimenta o pensamento humano.
Faz algum sentido o cidadão
entrar num restaurante, sentar-se à mesa e só tirar a máscara na hora de comer
— ou, pior ainda, ficar pondo e tirando a cada garfada? Claro que não, mas quem
se comporta desse jeito está convencido de que está certo e os demais estão
arriscando a própria vida — e a vida dele, nas ocorrências mais
radicais de militância antivírus. Não é normal, da mesma maneira, que muita
gente considere essencial, além da “bike”, do capacete e do uniforme
importados, usar máscara para rodar ao ar livre de bicicleta. Fazem como se
fazia no ano 1300, ou por aí, quando os barões, os médicos e os padres
convenceram as pessoas que a peste negra vinha pelo “ar”. (Seu conselho
capital, 700 anos atrás: “Fique em casa”.) Já se viram mães que colocam
minimáscaras em seus bebês quando vão passear com o carrinho; é óbvio que a
única doença presente no caso está na cabeça delas mesmas.
Na França, berço da
civilização ocidental-cristã-progressista, farol da sabedoria, da inteligência,
da lógica e do humanismo, as autoridades acabam de tomar uma medida realmente
extraordinária: os quase 70 milhões de habitantes do país estão proibidos de
sair de casa entre as 9 horas da noite e as 6 da manhã. Nada de restaurante,
bar, café, concerto, teatro, balada; só no dia seguinte. Ficamos assim, então:
segundo o governo francês, o vírus só pega de noite; durante o dia o cidadão
pode circular à vontade, pois o bicho vai embora e só volta quando escurece.
Naturalmente, eles dizem que a sua providência vai reduzir “a aglomeração” de
pessoas (estar próximo dos seus semelhantes, nestes dias de perturbação mental,
é quase um crime de lesa-pátria), mas na verdade não é nada disso. Por que a
“aglomeração” à noite seria pior que a “aglomeração” ao meio-dia? Trata-se de
puro pânico de manada por parte de governantes que continuam não tendo ideia do
que fazer e se valem, para dar as suas ordens, da aceitação religiosa do
“distanciamento social”.
“Macron representa, apenas, a média de qualidade dos governos que
vigora nos países da Europa avançada”
É a tal coisa; a mesma França
que nos deu Descartes, Voltaire e Balzac hoje nos dá Emmanuel Macron. Fazer o
quê? C’est la vie, diriam os próprios franceses — isso é tudo o que
temos a oferecer no momento. O problema do presidente francês, e dos agentes do
seu governo, não é propriamente ter ideias erradas. O problema é que não são
capazes de ter ideia nenhuma — não uma ideia original, ou mesmo simplesmente
aproveitável, ou com algum propósito útil. Apenas repetem ideias mortas; não há
o menor risco de criarem alguma coisa. Não se trata só de Macron, obviamente,
ou só da França. Ele representa, apenas, a média de qualidade dos governos que
vigora hoje em dia nos países da Europa avançada. Mais ainda: Macron é uma das
megavítimas, também ele e mais muita gente boa, do progressivo colapso
psicológico que a epidemia trouxe para todos.