quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Gol contra

Arnaldo Niskier
Tínhamos tudo para caminhar serenamente, em nosso país, na implantação do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa. Ele foi aceito por todas as camadas da nossa população, mas no último minuto, quando o jogo parecia ganho, o governo fez um gol contra, adiando o início para 2016, de forma incompreensível para os brasileiros.
Embora parecesse pacífica a implementação do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa, na sua versão de 1990, a comunidade lusófona reagiu de maneira diferente. O Brasil aderiu com entusiasmo a essa ideia desimplificação. A partir de 2013 todos os seus instrumentos de comunicação, como jornais, revistas, livros e emissoras de rádio e televisão obedecerão aos ditames do Acordo, sacramentado pelo ex-presidente Lula, em 2008, numa simpática cerimônia, simbolicamente realizada na sede da Academia Brasileira de Letras.
O mesmo, infelizmente, não está ocorrendo em Portugal e nas nações luso-africanas. Há fortes reações, com argumentos inaceitáveis: o Brasil estaria exercendo uma forma de neocolonialismo, querendo impor a sua vontade cultural. Alguns jornais portugueses, como Correio da Manhã, Jornal de Notícias, Público, i, Diário Econômico e Jornal de Negócios, além da revista Sábado, desrespeitam o Acordo e agem como se estivessem com a corda no pescoço. Não existe o consenso social mínimo em torno do assunto.
Um bom número de intelectuais protesta contra o que eles classificam como “empobrecimento da língua portuguesa”. A Faculdade de Letras de Lisboa está na linha do que se pode classificar como desacordo. O jornal Público anuncia com entusiasmo que o governo brasileiro estaria para dar uma volta e conceder um prazo de mais seis anos para tornar obrigatórios todos os postulados. Não é o que se espera. Livros, jornais e revistas circulam de acordo com as novas regras, com a expectativa de que assim será possível sonhar com a oficialização do nosso idioma na Organização das Nações Unidas, uma velha reivindicação estratégica, que se liga ao pedido para que tenhamos assento permanente no Conselho de Segurança da entidade.
O curioso, nessa história toda, é que o Acordo contempla a maioria dos itens da Reforma de 1945, que recebemos de Portugal. Não se mexe na forma de falar, garantindo-se a individualidade dos sotaques (prosódia). A quantidade de palavras mexidas é mínima (menos de 3% dos termos usuais) e a grita pode esconder interesses econômicos disfarçados: o medo de o Brasil, com isso, procurar a conquista de novos mercados no exterior para os seus livros, por exemplo.
O que há de concreto é a decisão política de simplificar o idioma de Camões, aliás, hoje mais fácil de entender pela semelhança com o português que praticamos. O ano de 2013 será marcado pela adoção plena, pelos 200 milhões de brasileiros, de uma grafia simplificadora, apesar dos embaraços com que ainda nos deparamos diante dos hífens traiçoeiros. Mas isso é questão de tempo. 
Título e Texto: Arnaldo Niskier, Jornal do Brasil, 03-01-2013

6 comentários:

  1. "É lastimável que pessoas supostamente elevadas intelectualmente, como aquele que assina a matéria, desconheça que a lingua é um ser vivo. Ela evolui, tal como os seres humanos, adaptando-se ao local, região, aonde foi transplantada. É sabido que existe apenas uma "raça" humana. As diferenças de cor de pele, altura, tipo de crânio, cor dos olhos, etc., referem-se às adaptações sofridas segundo as regiões, locais, aonde foram parar, afora a miscigenação. Embora a estupidez humana não consiga enxergar, ou compreender, ou mesmo alcançar as fases de evolução do ser humano, ele é um. Embora pareça múltiplo. Ora, a língua é múltipla, e não uma. Certamente que as línguas, no plural, faladas em países de lingua portuguesa, são diferentes. Basta tentarmos comprender um português, ou um angolano quando em elocução. Não podemos esquecer que o LATIM era "uma" lingua comum da qual surgiram o portugués, o francês, o italiano, o espanhol, o romeno. Ora, esperemos alguns séculos e veremos uma diversidade lingüística (mantenho o trema) ainda maior. O que é natural. Por que o inglês é a lingua universal? Simplesmente porque é uma lingua que se perpetua na escrita, mas que se fala diferentemente nos EE.UU., no Reino Unido, na Austrália, etc. É simplesmente impossível uma língua universal devido às peculiaridades de cada povo. Peculiaridades essas que são expressas no linguajar. E como os povos têm diferentes peculiaridades, o modo de expressá-las deverá diferir entre os diferentes povos. Faz sentido? Deixemos o idioma em paz, e ele irá naturalmente ajustando-se aos povos e as épocas."
    Verônica

    ResponderExcluir
  2. Olá, Verônica!
    Tá tudo muito bem!
    Eu sou radicalmente a favor da universalização da ORTOGRAFIA da língua portuguesa. Ou seja, que qualquer "escrevente" da língua portuguesa escreva da mesmíssima forma "autocarro", "ônibus" ou "maximbombo". Só isso.

    ResponderExcluir
  3. Prezado Jim, veja o que Caetano Veloso escreveu sobre a Nova Ortografia:



    "Leio com certa preocupação que o “acordo” sobre a Língua Portuguesa ficará ainda em banho-maria até 2015. A preocupação não impede que haja alívio. O acordo é cheio de lacunas e é suspeito. Tantos livros corrigidos e reimpressos. Pra que? Mas o que me interessa comentar aqui é a docilidade – não, não apenas docilidade, a verdadeira paixão – com que os brasileiros adotam essas normas que são anunciadas. Isso me impressiona. Sempre me impressionou. Nos anos 1970, quando caíram os acentos diferenciais e os que indicavam sílaba subtônica (antes, tínhamos de escrever, por exemplo, “fôra”, para diferençar de “fora”, e tínhamos de pôr um acento grave em, por exemplo, “ràpidamente”, para frisar que o advérbio vinha de um adjetivo proparoxítono). Todo mundo se guiou. Em editorial da Folha, leio que o “acordo” não é uma dessas leis brasileiras que “não pegam”. Ao contrário. A mim, esse respeito rápido (vejo-o nos jornais e nos e-mails, ouço perguntas sobre as mudanças mesmo de pessoas pouco letradas) me parece da mesma natureza do interesse pelos professores de gramática: o povo quer ordem na língua que fala. Quer saber o que é certo, como se deve escrever. Deseja, num plano mais superficial, exercer sua vaidade; num plano mais profundo, saber que sua língua é respeitada e respeitável, que ela é forte."

    abraço,
    Verônica

    ResponderExcluir
  4. Obrigado, Verônica!
    Mas, com todo o respeito e carinho, não entendi patavina do "discurso" do Sr. Caetano Veloso.

    ResponderExcluir
  5. Imagina, Jim! O Caetano é assim mesmo e é preciso traduzir as entrelinhas rs
    Primeiro ele diz que já foram corrigidos os livros com a nova ortografia mas que o governo brasileiro adiou para 2015 a colocação em prática da nova ortografia.
    Segundo, ele diz ficar pasmo com a docilidade com que o povo brasileiro tudo aceita, sem discutir nunca.
    Terceiro, ele afirma saber que esse mesmo povo quer, afinal, saber como escreve-se, como fala-se o português.
    Verônica

    ResponderExcluir
  6. Continuo não entendendo! A que "docilidade do povo brasileiro" ele se refere?
    O Brasil foi pioneiro na simplificação da ORTOGRAFIA.
    Até há horas, quando recebi o seu comentário, imaginava que o Acordo Ortográfico não fazia parte das preocupações dos brasileiros... pensei, porque vi, que fosse "birra" de alguns "portugueses"...
    Conclusão:
    Aderi (e utilizo) o Acordo Ortográfico!

    ResponderExcluir

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-