Há uma máxima não escrita no
jornalismo segundo a qual “good news is
no news”. Em tempos normais, ela é só estúpida. Em tempos de crise, é
garantia de depressão e de desinformação. Se mesmo o jornalismo mais sereno não
consegue senão uma frágil aproximação à realidade, o jornalismo ranzinza fará
seguramente dela uma grotesca caricatura.
Numa recente entrevista ao
“Público”, Carlos Câmara Pestana queixava-se deste fenómeno. Dizia que o
Governo falhou na comunicação, mas dizia também duvidar que uma boa pedagogia
tivesse garantido uma melhor compreensão e aceitação das medidas impopulares
que vieram atreladas ao cheque da troika - e das que terão de vir, com ou sem
mais cheques garantidos por contribuintes de países terceiros.
“A generalidade da população está
mal informada”, afirmava o mais antigo dos banqueiros portugueses no activo, “em parte pelo negativismo, muito significativo, da comunicação social e a maledicência da grande maioria dos politólogos, sociólogos e comentaristas de plantão que são presença constante nos nossos canais de televisão”. “Esse
mau humor”, acrescentava, “ não destaca os resultados positivos obtidos na
execução do programa de assistência e, pelo contrário, desvaloriza-os”.
Mesmo mal informados, muitos portugueses poderão, no entanto, estar hoje de olhos mais abertos. Um dos méritos da vinda da troika foi o de ter obrigado muito esqueleto a sair dos armários (PPP, swaps, real perímetro da dívida pública) e confrontar-nos com o lixo que, durante os anos de baixas taxas de juro, andou a ser varrido para debaixo do tapete de gerações vindouras.
Hoje parece ser uma noção
razoavelmente assente a de que o Estado não pode continuar a acumular défices,
porque mais défices significa mais dívida e ela está já num patamar
insustentável.
Isso significa que, ao
contrário do que Paulo Portas parece querer sugerir com o seu relógio (tão
anedótico que nem na data desejada acertou), a austeridade não vai embora com a
troika em 17 de Maio – três anos depois da assinatura do memorando e (mero acaso?)
uma semana antes das eleições europeias. A austeridade veio para ficar. E,
possivelmente, a parcela de soberania que se perdeu com o resgate só regressará
no dia em que o país tiver contas relativamente equilibradas. Vai, portanto,
levar anos.
Os partidos, designadamente os
que ambicionam governar como o PS, continuam, porém, a discutir o pós-troika
numa óptica míope e imediatista.
António José Seguro começou
por parecer querer confundir um segundo resgate (à grega) com um programa
cautelar (como o que se admitia viesse a ser pedido pela Irlanda) e diz agora
que fracasso é qualquer coisa que não seja o país sair dos braços da troika
directamente para os dos mercados financeiros.
Aritmeticamente, é até
possível ao país ensaiar uma saída “limpa” à irlandesa, como reclama o líder
socialista para não reclamar eleições antecipadas. Mas, nesse caso, é de
admitir que os mercados exijam uma disciplina orçamental até mais rigorosa (ou
seja, tanta ou mais austeridade) do que se o país estiver envolvido pela “rede
de segurança” de um programa cautelar, na medida em que esta reduz o risco de
reestruturação. Ou seja, a condicionalidade só será mais formal, mas não menos
real, no caso de Portugal obter uma linha de crédito preventiva no pós-troika.
Um programa cautelar só
estará, no entanto, disponível se Portugal provar que recuperou o acesso aos
mercados (como tentará fazer hoje com uma nova emissão de dívida a cinco anos)
e os investidores só continuarão a financiar o Estado português com juros
razoáveis se acreditarem que vão ser ressarcidos, o que implica considerarem a
dívida pública sustentável.
Por outro lado, podendo ser
formalmente negociado apenas pelo Governo por ter o prazo de um ano (que
coincide com o fim da actual legislatura), o cautelar corre sempre vários
riscos, entre os quais o de nunca sair do papel. Pode a sua aprovação, por
exemplo, ficar pendurada num qualquer parlamento – o finlandês, sabemo-lo bem,
é um bom candidato.
O país tem, por isso, menos a
perder se, o quanto antes, os principais partidos passarem a falar toda a
verdade e se puserem de acordo sobre o que é preciso fazer diante dela, porque
esta estória vai sobrar para muitos governos.
Como Carlos Costa tem
afirmado, consenso político não significa unanimidade: significa reconhecer que
a discussão das opções de política tem de ser feita dentro dos “limites que
resultam da nossa restrição de financiamento externo e do nosso endividamento público”.
Lamentavelmente, o mais
provável é que os apelos do governador, bem como os do Presidente da República,
continuem a cair em saco roto.
Os pessimistas continuarão,
assim, e com boas razões, com muito com que se entreter. Mas seriam mais úteis (até
porque mais credíveis) se concentrassem o seu cepticismo (e o bom contributo
que a rabugice sempre deu para as cautelas humanas) no que está para vir. E
deixassem de lado o negativismo militante que os impede de reconhecer o que,
não estando bem, está bem melhor.
Título e Texto: Eva Gaspar, Jornal de Negócios, 09-01-2014
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