quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Jornalismo e pessimismo

Eva Gaspar
Há uma máxima não escrita no jornalismo segundo a qual “good news is no news”. Em tempos normais, ela é só estúpida. Em tempos de crise, é garantia de depressão e de desinformação. Se mesmo o jornalismo mais sereno não consegue senão uma frágil aproximação à realidade, o jornalismo ranzinza fará seguramente dela uma grotesca caricatura.

Numa recente entrevista ao “Público”, Carlos Câmara Pestana queixava-se deste fenómeno. Dizia que o Governo falhou na comunicação, mas dizia também duvidar que uma boa pedagogia tivesse garantido uma melhor compreensão e aceitação das medidas impopulares que vieram atreladas ao cheque da troika - e das que terão de vir, com ou sem mais cheques garantidos por contribuintes de países terceiros.

“A generalidade da população está mal informada”, afirmava o mais antigo dos banqueiros portugueses no activo, “em parte pelo negativismo, muito significativo, da comunicação social e a maledicência da grande maioria dos politólogos, sociólogos e comentaristas de plantão que são presença constante nos nossos canais de televisão”. “Esse mau humor”, acrescentava, “ não destaca os resultados positivos obtidos na execução do programa de assistência e, pelo contrário, desvaloriza-os”.


Mesmo mal informados, muitos portugueses poderão, no entanto, estar hoje de olhos mais abertos. Um dos méritos da vinda da troika foi o de ter obrigado muito esqueleto a sair dos armários (PPP, swaps, real perímetro da dívida pública) e confrontar-nos com o lixo que, durante os anos de baixas taxas de juro, andou a ser varrido para debaixo do tapete de gerações vindouras.

Hoje parece ser uma noção razoavelmente assente a de que o Estado não pode continuar a acumular défices, porque mais défices significa mais dívida e ela está já num patamar insustentável.

Isso significa que, ao contrário do que Paulo Portas parece querer sugerir com o seu relógio (tão anedótico que nem na data desejada acertou), a austeridade não vai embora com a troika em 17 de Maio – três anos depois da assinatura do memorando e (mero acaso?) uma semana antes das eleições europeias. A austeridade veio para ficar. E, possivelmente, a parcela de soberania que se perdeu com o resgate só regressará no dia em que o país tiver contas relativamente equilibradas. Vai, portanto, levar anos.

Os partidos, designadamente os que ambicionam governar como o PS, continuam, porém, a discutir o pós-troika numa óptica míope e imediatista.

António José Seguro começou por parecer querer confundir um segundo resgate (à grega) com um programa cautelar (como o que se admitia viesse a ser pedido pela Irlanda) e diz agora que fracasso é qualquer coisa que não seja o país sair dos braços da troika directamente para os dos mercados financeiros.

Aritmeticamente, é até possível ao país ensaiar uma saída “limpa” à irlandesa, como reclama o líder socialista para não reclamar eleições antecipadas. Mas, nesse caso, é de admitir que os mercados exijam uma disciplina orçamental até mais rigorosa (ou seja, tanta ou mais austeridade) do que se o país estiver envolvido pela “rede de segurança” de um programa cautelar, na medida em que esta reduz o risco de reestruturação. Ou seja, a condicionalidade só será mais formal, mas não menos real, no caso de Portugal obter uma linha de crédito preventiva no pós-troika.

Um programa cautelar só estará, no entanto, disponível se Portugal provar que recuperou o acesso aos mercados (como tentará fazer hoje com uma nova emissão de dívida a cinco anos) e os investidores só continuarão a financiar o Estado português com juros razoáveis se acreditarem que vão ser ressarcidos, o que implica considerarem a dívida pública sustentável.

Por outro lado, podendo ser formalmente negociado apenas pelo Governo por ter o prazo de um ano (que coincide com o fim da actual legislatura), o cautelar corre sempre vários riscos, entre os quais o de nunca sair do papel. Pode a sua aprovação, por exemplo, ficar pendurada num qualquer parlamento – o finlandês, sabemo-lo bem, é um bom candidato.

O país tem, por isso, menos a perder se, o quanto antes, os principais partidos passarem a falar toda a verdade e se puserem de acordo sobre o que é preciso fazer diante dela, porque esta estória vai sobrar para muitos governos.

Como Carlos Costa tem afirmado, consenso político não significa unanimidade: significa reconhecer que a discussão das opções de política tem de ser feita dentro dos “limites que resultam da nossa restrição de financiamento externo e do nosso endividamento público”.

Lamentavelmente, o mais provável é que os apelos do governador, bem como os do Presidente da República, continuem a cair em saco roto.

Os pessimistas continuarão, assim, e com boas razões, com muito com que se entreter. Mas seriam mais úteis (até porque mais credíveis) se concentrassem o seu cepticismo (e o bom contributo que a rabugice sempre deu para as cautelas humanas) no que está para vir. E deixassem de lado o negativismo militante que os impede de reconhecer o que, não estando bem, está bem melhor.
Título e Texto: Eva Gaspar, Jornal de Negócios, 09-01-2014

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