Estado de S. Paulo
A presidente Dilma Rousseff
parece acreditar que, ao se manifestar sobre seu governo e seu afastamento,
angaria simpatia e, assim, afasta a hipótese altamente provável de seu
impeachment. Sempre que a petista abre a boca, porém, fica claro para o País
que, se seu governo já foi desastroso, seu eventual retorno à Presidência seria
um cataclismo, pois a administração seria devolvida a quem se divorciou
completamente da realidade. No mundo em que vive, Dilma se confunde com Poliana:
não cometeu nenhum erro, não é responsável pela pior crise econômica da
história brasileira e só foi afastada em razão de um complô neoliberal operado
pelo deputado Eduardo Cunha, e não porque a maioria absoluta dos brasileiros
exige seu impeachment.
“Temos que defender o nosso
legado”, disse à Folha de S.Paulo a presidente responsável por recessão
econômica, desemprego crescente, inflação acima da meta e contração da
atividade, do consumo e do investimento, além de um rombo obsceno nas contas
públicas. Foi essa herança, maldita em todos os sentidos, que criou o consenso
político em torno do qual o Congresso faz avançar o impeachment. Assim, quando
fala em seu “legado”, não é à dura realidade que Dilma está se referindo, mas
sim à farsa segundo a qual seu governo beneficiou os mais pobres – justamente
aqueles que mais sofrem com a crise que ela criou.
Na entrevista, Dilma sugere
que seu “legado” é a manutenção de programas sociais, o que estaria sob risco
no governo de Michel Temer, instituído como parte de uma conspiração para
instalar no Brasil uma “política ultraliberal em economia e conservadora em
todo o resto”. A desmontagem da rede de proteção aos mais pobres seria, segundo
ela, o objetivo dos “golpistas”. Dilma atribui aos adversários a intenção de
fazer o que ela própria já estava realizando na prática: todos os principais
programas sociais de seu governo sofreram cortes nos últimos anos, em razão da
falta de dinheiro.
Especialista em destruir os
fundamentos da economia, Dilma achou-se autorizada a comentar as possíveis
medidas do governo Temer para tentar recuperar um pouco da racionalidade
econômica que ela abandonou. Dilma disse ser “um absurdo” a possibilidade de
que a imposição de um teto para os gastos públicos atinja áreas como educação.
Para ela, “abrir mão de investimento nessa área, sob qualquer circunstância, é
colocar o Brasil de volta no passado”. Foi esse tipo de pensamento, segundo o
qual há gastos que devem ser mantidos “sob qualquer circunstância”, que
condenou o Brasil a um déficit público superior a R$ 170 bilhões.
Ainda em seu universo
paralelo, Dilma disse que em 2014 ninguém notou que o País já passava por uma
crise, embora o descalabro estivesse claro para quem procurou se informar.
“Quando é que o pessoal percebeu que tinha uma crise no Brasil, hein? A coisa
mais difícil foi descobrir que tinha uma crise no Brasil”, disse ela,
desafiando a inteligência alheia de forma grosseira até para seus padrões.
Bastaria ler os documentos de análise da economia produzidos regularmente pelo
Banco Central para constatar o desastre desde sua formação até o seu fiasco
final com o episódio Joaquim Levy. Ela prefere imputar as mazelas da economia
em seu governo à desaceleração da China, à queda do preço do petróleo, à seca
no Sudeste e a um complô da oposição e de Eduardo Cunha, que, segundo suas
palavras, é “a pessoa central do governo Temer”. Ou seja: para Dilma, se Cunha
por acaso não existisse, ela ainda estaria na Presidência, e a crise, superada.
“A crise econômica é
inevitável”, ensinou Dilma na entrevista. “O que não é inevitável é a
combinação danosa entre crise econômica e crise política. O que aconteceu
comigo? Houve uma combinação da crise econômica com uma ação política
deletéria.” Segundo a petista, o Congresso, dominado por forças malignas que
tinham a intenção de criar um “ambiente de impasse propício ao impeachment”,
sabotou todas as “reformas” que ela queria aprovar. Ou seja, Dilma teima em não
reconhecer que o clima hostil que ela enfrentou no Congresso foi resultado de
sua incrível incompetência administrativa, potencializada por descomunal
inabilidade política e avassaladora arrogância. Prefere denunciar a ação de
“inimigos do povo” contra seu governo.
Finalmente, convidada a dizer
quais erros acha que cometeu, Dilma respondeu: “Ah, sei lá”.
Título e Texto: Editorial, Estado de S. Paulo, 31-5-2016
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-