Vitor Cunha
O João Miguel Tavares, no seu
artigo no Público, “Homofóbico e terrorista”, defende a tese (partilhada por diferentes pessoas, sejam
de esquerda ou direita) de que não se deve escamotear o “homofóbico” do
atentado terrorista ocorrido no bar de homossexuais em Orlando, Flórida. Há uma
insistência de muitas pessoas no “combate à homofobia”, como se fosse possível
ou sequer desejado combater o que as pessoas pensam. A homofobia, como qualquer
outra fobia, é um sentimento interior. Trata-se de uma convicção formada
através de um conjunto de ideias, ideias estas que, independentemente de
fazerem ou não sentido, solidificaram na mente de um ser humano. Ninguém se
lembra de combater a aracnofobia ou de combater a agorafobia com a excepção do
psicólogo da pessoa que, por persistir num medo que condiciona a sua vida,
procura ajuda para enfrentar o dia-a-dia.
Convenhamos que, para a
sociedade como um todo – uma noção que, enfim, já roça uma certa boa vontade
para que a aceitemos – é indiferente se o Zé das Couves é aracnofóbico,
xenófobo ou, para o caso em questão, homofóbico. Durante dezenas de anos, a
população portuguesa em geral viu com uma certa desconfiança (estou a ser
simpático) a comunidade cigana sem que acções de sensibilização aparecessem.
A única coisa que interessa
para a tal de sociedade é se o Zé cometeu ou vai cometer um crime. Ora, para
prevenir o crime do Zé, campanhas de sensibilização anti-homofobia são
indiferentes: o Zé é um sociopata se está disposto a cometer um crime em
virtude do seu medo ou aversão. Como prevenir que o Zé chegue a cometer o
crime? Se o Zé tem filiações a organizações que defendem o extermínio de
pessoas – imaginemos uma hipotética Organização Para a Aniquilação da
Homossexualidade por Via de Armas de Fogo (OAHVAF) – pode-se extinguir a
organização, assumindo que, mesmo na ausência de crime, se viola o princípio da
livre associação de pessoas. Por outro lado, se o Zé não pertence a qualquer
organização desse tipo, o crime só pode ser prevenido através de um processo
inquisitório. Há suspeita que o Zé não gosta de homossexuais, faz-se um
julgamento e mete-se o Zé na fogueira, por bruxaria
convicção de que poderá cometer um crime. Neste caso, assume-se o delito de
opinião. O combate a ideias, boas ou más, se não estão instanciadas em acções,
só gera resultados através de thought police.
“Combater a homofobia” é, quer
se queira, quer não, incentivar o delito de opinião. Já diz o povo, e bem, que
“quem vê caras não vê corações”. As acções de sensibilização são engraçadas,
dispõem bem, mas não servem para mais do que nos fazer sentir bem por sentirmos
que fizemos alguma coisa. Um sociopata que entra num bar e mata gente não se
compadece com um arco-íris e beijinhos entre pessoas do mesmo sexo, como é
óbvio. Essa é, inclusivamente, a crítica mais certeira ao feminismo moderno:
alguém acha mesmo que é possível sensibilizar um selvagem com disposição para
violar uma mulher para que não o faça através de cartazes ou segmentos
televisivos?
Associar o “homofóbico” ao
atentado terrorista não acrescenta qualquer coisa, como não acrescentaria associar
o 11 de Setembro a “terrorismo antropofóbico” ou “terrorismo
arranha-céu-fóbico”. Aliás, chamar-lhe “terrorismo homofóbico” não serve para
mais que originar uma falsa sensação de segurança a todos os heterossexuais, a
grande maioria da população. Não, não estão seguros de um ataque terrorista,
como já se viu vezes sem conta. Nem sequer muçulmanos estão livres de
terrorismo, o grupo religioso mais atingido pelos terroristas do Daesh.
Engalfinhar na lógica de compartimentação do terrorismo é, como pretendia a
malta do Baader Meinhof ao associar terrorismo ao anti-capitalismo,
justificá-lo sob a égide de uma convicção. Terrorismo é terrorismo,
injustificável, inaceitável, ponto final.
Apesar disto tudo ser óbvio,
há um único travão: aceitar a sua obviedade implica aceitar a necessidade de desigualdade
– tratar por desigual o que é diferente. E é precisamente isso que a
esquerda gramsciana não quer.
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias,
16-6-2016
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