Portugal não
precisa de políticos rendidos a esta lamentável cultura de afetos, mas de
líderes que sejam capazes de, sóbria e esclarecidamente, tomarem as decisões
difíceis que a situação do país e do mundo exige
Graça Canto Moniz
A democracia fundamenta-se na
escolha dos cidadãos; o Estado de direito, na separação de poderes. O que dá
consistência e progresso a uma comunidade é a força das suas instituições -
económicas, políticas e judiciais -, privadas e públicas, e a autonomia dos
seus cidadãos para fazerem escolhas não condicionadas e livres. A ambição
máxima de uma sociedade estruturada é que a gestão da coisa pública se
institucionalize nestes dois pilares e não domine o espaço comunicacional até à
náusea.
Esse espaço, em Portugal, está
longe de ser o expoente de uma sociedade saudável e madura, vivendo antes
dominado pelo culto de personalidades presentes ininterruptamente, quais santos
elevados num altar. Os nossos políticos, em vez de se dedicarem ao exercício
dos seus cargos, procuram diariamente o carinho do povo, numa doentia - e
cansativa - magistratura da ubiquidade. O populismo é isso: a tentação dos
políticos de deturparem o equilíbrio institucional procurando, numa cultura de
afetos, o apoio permanente do povo para legitimar toda e qualquer ação que os
ajude a perpetuarem-se no poder. Como se fossem concorrentes de um reality
show, na mesma semana, Presidente da República (PR) e primeiro-ministro (PM)
dividiram-se entre jogos de futebol e marteladas de S. João. Não que a
comparência nestes eventos não faça parte da “festa da democracia”: já as
escolhas que lhes estão subjacentes são altamente discutíveis. O PM, por estar
supostamente no Porto, faltou a um importante debate parlamentar; já o PR deu
sinal de que não há espaço que não ocupe e faça seu, ao comparecer na flash
interview, local reservado aos intervenientes num jogo de futebol, mostrando
que todo o espaço de protagonismo lhe pertence, desde que o deseje. Pelo andar
da carruagem, não se espantem se virmos o comandante supremo das Forças Armadas
no banco da seleção, a instruir o treinador na tática vitoriosa. Com tanta
omnipresença e apelo ao carinho, é seguro que ao prof. Marcelo a história vai
reservar o cognome de Querido Líder.
Portugal não precisa de
políticos rendidos a esta lamentável cultura de afetos, mas de líderes que
sejam capazes de, sóbria e esclarecidamente, tomarem as decisões difíceis que a
situação do país e do mundo exige. As gerações mais novas, como a minha,
dispensam o clima festivo e a presença permanente dos políticos no espaço
público, e o estilo bolivariano que os acompanha. Não precisamos dos afetos dos
políticos nem da sua irritante presença diária em todos os espaços que
frequentamos - incluindo os mediáticos e os lugares vagos do nosso sofá. Se
fosse para isto, tínhamos votado na Teresa Guilherme. Líderes procuram-se: é
que amigos para beijar e opinadores de bola, é coisa que não nos falta.
Título e Texto: Graça Canto Moniz, jornal “i”, 28-6-2016
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