Paulo Ferreira
Quem, há meia dúzia de anos, dissesse que
um congresso do PS haveria de ovacionar alguém que aconselha que se rasgue o
Tratado Orçamental seria rapidamente apelidado de louco.
Confirma-se que entre os
piores fóruns para se discutir o futuro do país estão os congressos
partidários. É um contrassenso, porque devia ser aí que muitas políticas deviam
começar a ser debatidas e a ganhar forma. E essa dificuldade em discutir o país
é tanto maior quando mais instalado no poder está o partido que faz a sua
reunião magna.
Este Congresso dito do Partido
Socialista não foi excepção. E escrevo “dito do Partido Socialista” porque, na
verdade, aquela reunião mais pareceu um congresso das esquerdas unidas, como
aquele que há três anos se realizou na Aula Magna, em Lisboa. Mais do que
discutir o partido, os desafios da governação e do exercício do poder, o que se
fez ali foi consagrar e ovacionar a solução governativa que se encontrou há
seis meses. Tudo, claro, devidamente acomodado na falta de espírito crítico
geralmente encontrada neste tipo de reuniões de partidos que estão no poder,
como os assobios a Francisco Assis o demonstraram – um partido que se respeita
devia dar graças por ter entre os seus militantes personalidades com a coragem,
a lealdade e a frontalidade de Assis, para quem teria sido mais cómodo assistir
ao congresso no sofá de sua casa.
Quem, há meia dúzia de anos,
dissesse que um congresso do PS haveria de ovacionar alguém que aconselha que
se rasgue o Tratado Orçamental ou aplaudir a culpabilização da moeda única para
os nossos problemas estruturais, seria rapidamente apelidado de louco. Mas foi
isso que aconteceu, com a ironia acrescida de ter ali muitos dos que há cinco
ou quinze anos aplaudiram com a mesma convicção a criação do Tratado Orçamental
e a vitória que representou para o país a entrada no primeiro pelotão do euro,
ainda por cima pela mão de um governo socialista.
Mas é assim o poder. Ele cala
(quase) todas as vozes críticas, afasta o debate sobre caminhos e alternativas,
transforma em mau o que ontem era óptimo. E vice-versa.
Do discurso de António Costa,
demasiado longo (cerca de 60 minutos) e atabalhoado, sobram algumas bandeiras
que vão, certamente, ser empunhadas mediaticamente nos próximos meses.
A primeira é a luta contra as
sanções europeias a Portugal pelo incumprimento do défice do ano passado.
Ninguém, no país, parece estar conformado com a justiça destas sanções depois
de quatro anos de chumbo. Mas, está visto, não acontecendo elas, como se prevê,
o Governo e os partidos que o suportam farão disto o símbolo de como batem o pé
em Bruxelas e em Berlim e estará aqui o exemplo acabado de como deixámos de ser
subservientes perante a Europa. Será pouco relevante que, olhando para trás, se
constate que nenhum país alguma vez foi sancionado pelo incumprimento do défice
e se a Europa está repleta de alguma coisa é de violações ao limite dos 3% (com
ou sem razão, não interessa).
Temos depois a formação e
educação. As Novas Oportunidades vão regressar com outro nome, o programa
Qualifica. Nada contra, mas será que podíamos fazer uma avaliaçãozita do
impacto que teve a atribuição de diplomas a dezenas de milhares na última
década? Só para perceber onde acabam as boas intenções e começam os resultados
efectivos das políticas.
Temos, por fim, a inovação, a
indústria e o Startup Portugal. Sem dúvida que um dos caminhos é este. Se este
governo conseguir replicar no país o que João Vasconcelos fez na capital com o
Startup Lisboa, esse será um enorme avanço.
O que faltou explicar é como é
que estas políticas de tendência liberal nos negócios convivem com a agenda
restante do governo, capturada pelo PCP, Bloco de Esquerda e suas clientelas
sindicais e corporativas. Mas isso não era matéria porque podia estragar a
festa congressista. Tratava-se ali de celebrar a Geringonça. E isso foi
conseguido em pleno. O país segue já amanhã.
Título e Texto: Paulo Ferreira, Observador,
5-6-2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-