Helena Matos
Com a liderança de António Costa o PS
vive uma assombrosa questão de escala . O PS miniaturizou-se. Não por acaso
Portugal é governado há seis meses como se fosse uma autarquia.
Estão a ver aqueles casais
muito mediáticos que à beira da ruptura, muito unidos e sorridentes, se
desdobram em fotos? Fotos essas corroboradas por declarações, geralmente do
elemento feminino, a reiterar que se amam como nunca? É certo e sabido que,
mais semana menos semana, anunciam que, tendo feito tudo para salvar o
casamento, não conseguiram ultrapassar uma crise que já durava há largo tempo.
Precisamente esse largo tempo em que garantiam ser a sua uma união para a vida.
E é exactamente esse momento – aquele em que reiteram as maravilhas daquela
união – que se viveu no congresso do PS.
Não foi por acaso que ouvimos
várias vozes, sem mais nem porquê, a garantirem que “Aliança com o PSD seria
uma traição ao nosso eleitorado” (Manuel Alegre). A dramatizarem: “Poderíamos
ter viabilizado o segundo governo de Passos Coelho? Poderiam os socialistas ter
deixado continuar o governo da direita que radicalizou a vida política? A
resposta é não” (Porfírio Silva). E a concluírem, como quem coloca ponto final
num angustiante monólogo interior, “Se tivéssemos acompanhado o movimento de
flexão à direita que o PSD e o CDS-PP fizeram na sua conversão à direita
neoliberal europeia, teríamos sido submersos num núcleo político, cujas
alternativas seriam apenas os extremismos à direita e à esquerda.” (Carlos
César)
Na verdade esta é a questão
que atravessou o congresso do PS, a questão que está instalada na cabeça dos
socialistas e a questão mais relevante da política partidária portuguesa: se o
PS tivesse negociado com Passos ou se Costa estivesse no parlamento como líder
da oposição, como estaria hoje o país? São essas geringonças, as que nunca
existiram, que preocupam o PS. O problema é a outra. Qual outra? A outra
geringonça. Aquela que o PS podia ter construído com o PSD e o CDS. No
parlamento ou no Governo. Como oposição ou com acordos.
Tenho a forte convicção de que
Portugal estaria muito melhor caso o PS tivesse negociado à direita. É óbvio
que no PS há também quem pense assim e, sobretudo, entre aqueles que não pensam
assim – como é o caso daqueles que atrás citei – há o forte receio de que esta
questão, mais cedo ou mais tarde, se lhes atravanque no meio do caminho. E por
isso fazem de conta que essa questão não existe, está ultrapassada, resolvida.
E por isso, ironia das ironias, é ela, qual moinha, que está no cerne dos seus
temores. Não, eles não temem que a presente geringonça se quebre. Esta não se
quebra enquanto houver poder e cargos para atribuir aos seus parceiros. E
quando já não houver criam-se outros: o Porto de Lisboa ficou entregue ao
sindicato? Agora há que estender a negociação aos outros portos que por esta
hora já têm a sina lida. O senhor Pedrosa ficou sem a TAP? Fica com o Metro do
Porto.
Mas qual vai ser o ónus de
tudo isto para os socialistas? Não é difícil perceber que a par da narrativa
sobre a conversão do PSD à direita neoliberal europeia que teria impedido o PS
de negociar com Passos vamos ter, mais cedo ou mais tarde, a narrativa sobre o
radicalismo do BE e do PCP. Ora tal como o PSD não se converteu a nada, o BE e
o PCP não estão nem mais nem menos radicais do que sempre foram. O PS é que, a
par das dúvidas sobre o futuro do socialismo em si mesmo – dúvidas essas comuns
a outros partidos socialistas como o espanhol e o francês –, protagoniza com a
liderança de António Costa uma assombrosa questão de escala. O PS
miniaturizou-se.
Não por acaso Portugal é
governado há seis meses como se fosse uma autarquia: o pessoal dos sindicatos
afectos ao PCP faz greve? Contratam-se mais trabalhadores. Posso estar a falar
dos estivadores do Porto de Lisboa ou dos trabalhadores do lixo da CML. Os
nomeados em cargos de chefia não são os que lá se gostava de ter? São corridos.
Posso estar a falar dos saneamentos dos presidentes das comissões de
coordenação regional, do presidente do CCB ou da forma como se convidam e
afastam pessoas para cargos na CML. Protestos? Faz-se uma inspecção. Posso
estar a falar dos colégios com contratos de associação ou de uma obra…
António Costa nunca saiu da
CML. Olha para o país, para os seus parceiros e opositores como se tudo isto
fosse aquele mundo pequeno – em que ele é grande – da autarquia. O resto é
óbvio e nessa mesma escala: um misto de esperteza, descaramento e fuga para a
frente. Quando as coisas correrem mal o Governo vai gritar contra a UE (um dos
adquiridos deste congresso foi a “voz grossa” na Europa!), como se fosse um
qualquer autarca a mandar vir com Lisboa. Esperteza das espertezas, Costa vai
procurar amarrar a oposição em sucessivas votações contra as sanções (ainda
vamos ver o executivo a desfilar no 1.º de Dezembro embrulhadinho na bandeira!)
Depois virá o momento EGEAC da eleição directa dos presidentes das comissões de
coordenação regional…
E foi este PS, ideologica e
programaticamente miniaturizado, que se viu neste congresso. Mas, como bem
sabiam muitos dos presentes, algures no futuro, haverá um outro congresso, em
que a questão que agora foi dada como encerrada voltará de novo. Até lá
experimente-se fazer o exercício e perguntar: como estaria hoje Portugal caso
Costa fosse capaz de negociar fora do mundo a que se habituou na CML?
Certamente melhor.
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