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O certo é pastor
alemão ou pastor-alemão? O nome da raça de cães leva hífen
ou não?
A quem aqui chegar preocupado
em escrever da forma “oficial” e apenas interessado na resposta rápida: escreva
o nome da raça com hífen. É assim que vem, por exemplo, no VOLP, o Vocabulário
Ortográfico da Academia Brasileira de Letras – que, embora não tenha valor oficial, é usado como referência por
dicionários brasileiros e mesmo pelo português Priberam.
Ainda assim, convém resistir à
tentação de apontar o dedo a que escrever “pastor alemão” sem hífen como se se
tratasse de erro: o Dicionário Michaelis, por exemplo, traz o nome da
raça sem hífen, com abonação – a maioria dos bons autores, aliás, sempre
escreveu o nome da raça sem hífen. O Houaiss em papel também
traz apenas “pastor alemão” sem hífen, dentro do verbete “pastor”, mas na
versão na Internet incluiu a forma hifenizada. E o Dicionário Aulete aceita
as duas opções: traz tanto com hífen, “pastor-alemão”, quanto sem hífen, dentro
do verbete “pastor”:
E a verdade é que a solução
salomônica do Aulete é a melhor: por que é que uma forma deve necessariamente
estar errada?
Ouvir isso deve provocar
arrepios no leitor que tenha chegado aqui após perder seu tempo
consultando no Google qual a grafia “correta” para a raça, preocupado em não
cometer um suposto “erro de grafia”; mas o que se quer aqui trazer à discussão
é o fato de a língua portuguesa ser a única cujos falantes perdem tanto
tempo, inutilmente, preocupados em descobrir se uma palavra ou expressão deve
ser escrita com hífen ou não.
Deveríamos aprender a olhar a
questão do hífen como o fazem os falantes das outras grandes línguas europeias
– como o inglês, o francês, o espanhol, o italiano… todos eles há muito
deixaram de se preocupar tanto com o hífen.
Em inglês e em francês, não
existem regras rígidas para o uso dos hifens. Vários gramáticos ingleses
repetem a máxima ensinada em manual da Universidade de Oxford, segundo a qual
quem que se preocupar demais tentando seguir o uso “correto” dos hifens
acabará por enlouquecer (“If you take hyphens seriously you will
surely go mad“).
Assim, com a devida
autorização das gramáticas e dos dicionários, cada falante de inglês tem o
direito de corretamente, na escrita, escrever “air-crew“, “air
crew” ou “aircrew“; “best seller“, “best-seller“, “bestseller”
– todas as opções são corretas em inglês. Os dicionários limitam-se a registrar
todas as opções conforme os autores as vão usando: várias expressões começam
sendo escritas sem hifens, depois passam a levar o tracinho, e anos mais tarde
passam a ser majoritariamente escritas numa só palavra: on line, on-line, online.
Mas não é porque a maioria das
pessoas hoje use online que quem escrever on-line estará
cometendo um erro. As duas opções são corretas. Lá se entendeu, corretamente,
que o hífen é uma questão de estilo, não de gramática.
A Academia francesa igualmente
admite que, nos compostos, os falantes oscilam na grafia, recomendando aos
dicionários o registro das variantes: é igualmente correto, assim,
escrever haut-parleur ou hautparleur (alto-falante
ou “altofalante”), porte-monnaie ou portemonnaie (porta-moedas
ou “portamoedas”), sauf-conduit ou saufconduit (salvo-conduto
ou “salvoconduto”), etc.
Em espanhol e em italiano
foi-se ainda além, abolindo-se simplesmente o uso dos hifens. Em espanhol, por
exemplo, em vez de ex-primeira-dama, escreve-se “ex primera dama“; em
vez de porta-voz, escreve-se “portavoz“.
Se ainda não estamos no nível
dos falantes do espanhol e do italiano, capazes de viverem sem hifens, brasileiros
e portugueses deveriam ao menos aceitar – como já o fazem os falantes do inglês
e do francês – que o uso do hífen é questão de estilo, e não de correção
gramatical.
Haverá, porém, quem diga que a
rigidez no uso do hífen – que só existe em português – é importante; há quem
chegue a dizer que é preciso usá-lo para diferenciar um “pastor-alemão” (o cão)
de um pastor que tenha de fato vindo da Alemanha. O argumento não se sustenta,
já que, exceto em exemplos inventados propositadamente para ilustrar a suposta
confusão, o contexto jamais permitiria uma dúvida do tipo – prova disso é que a
maioria das pessoas já escreve “pastor alemão”, tanto na Internet quanto em
bons livros, sem que jamais tenha havido confusão.
Para concluir definitivamente,
por fim, a inutilidade do hífen em “pastor alemão”, basta ver o nome da raça
nas outras línguas europeias antes citadas: em inglês, German shepherd;
em espanhol, pastor alemán; em francês, berger allemand;
em italiano, pastore tedesco. Em nenhuma dessas línguas se usa hífen
no nome da raça.
Não é possível que os falantes
de português sejam os únicos do mundo a precisar de um hífen para entender, em
cada contexto, se se está falando de um cão ou de um ser humano de origem
alemã.
Revejam o Aulete: https://aulete.com.br/pastor-alem%C3%A3o
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