Rui Ramos
Para o PSD, a exclusão do PCP e do BE é a
grande prioridade nacional. Mas para isso, é indiferente votar PSD ou PS. Como
explicaram os quadros do BCP, uma maioria absoluta do PS também serve.
Para quando a resposta é
óbvia, há em inglês um dito, sob a forma de uma pergunta retórica: “o Papa é
católico?” Na política portuguesa, porém, o Papa nem sempre é católico.
Lembramo-nos disso, mais uma vez, com a entrevista do cabeça de lista do PSD às eleições europeias:
Paulo Rangel [foto] diz que nunca disse que era de direita, e, sobre questões fundamentais,
pensa o mesmo que a esquerda.
Não vou entrar aqui em
escolásticas sobre direita e esquerda. Direita e esquerda não são coisas: é
apenas a dicotomia com que tem sido pensada a política nas democracias
pluralistas do Ocidente, a partir da maneira como os partidos se dispõem nas
assembleias representativas. Por isso, em todos os regimes se pode falar de uma
direita e de uma esquerda. Na atual democracia, desde 1975 que o CDS e o PSD se
sentam à direita em São Bento, e têm defendido e proposto o que as direitas
defendem e propõem nas democracias ocidentais. São, para todos os efeitos, a
direita desta democracia. Que sentido faz negar esta evidência?
É verdade que podemos brincar
com as palavras. Se me disserem que a direita é o fascismo (ou que a esquerda é
o comunismo), eu também não sou de direita (nem de esquerda). Mas repito: a
direita e a esquerda de que estamos a falar são as desta democracia. Houve dois
momentos, porém, em que à direita portuguesa não conveio dizer o seu nome. O
primeiro, em 1975, quando isso equivalia a chamar o COPCON. O segundo, em 1976,
quando as direitas se convenceram de que só chegariam ao poder à boleia do PS,
e que, por isso, não seria prudente vincar identidades que incomodassem a
consciência de esquerda dos socialistas. A chave da entrevista de Rangel é que
a direção do PSD se persuadiu de que estamos outra vez em 1976. É uma
estratégia, dir-me-ão. Sem dúvida, e terá as suas razões de ser. Mas cria dois
problemas graves.
O primeiro deriva do facto de
a democracia ter amadurecido. Há quem, pelos vistos, queira imitar manhas de
1976. Mas não estamos em 1976. A entrevista de Paulo Rangel foi, por
isso, naturalmente estranhada. Na política de hoje,
assumir claramente a respectiva posição é uma questão de transparência. O que
Rui Rio e o seu candidato não parecem perceber é que este tipo de declarações
têm o efeito daquelas pequenas mentiras que, embora sem gravidade, nos fazem
desconfiar um pouco das pessoas a quem as ouvimos.
O segundo problema é sugerido
pela apresentação que o BCP fez em Londres a investidores estrangeiros. Para quem
olha de fora, o PCP e o BE, com os seus caprichos venezuelanos, são o primeiro
susto. Ora, o PSD está a tratar os portugueses como se os portugueses fossem
investidores estrangeiros e, também para eles, a única urgência fosse afastar o PCP e o BE da “esfera do poder”.
Mas o problema de Portugal não é simplesmente ter comunistas a sustentar um governo minoritário do PS. O problema de Portugal é ser governado por uma pequena “família socialista” – sempre os mesmos desde 1995 –, a quem devemos dois “estouros” (2002 e 2011), o maior escândalo de corrupção da democracia, e o mais longo período de divergência da Europa. O que o PSD devia estar a fazer era a explicar que é este PS quem precisa de ser afastado da “esfera do poder”, e que o PSD tem, sobre o crescimento ou a desigualdade, perspectivas e propostas muito diferentes. Em vez disso, a estratégia da direção do PSD tem sido confundir-se com o PS e argumentar que o problema está todo no facto de os socialistas dependerem, para mandar no país, do PCP e do BE. Mas se a questão é apenas limitar a influência comunista, tanto faz votar PSD como PS. Porque, como explicaram os quadros do BCP, com uma maioria absoluta socialista também se obtém esse resultado. Se o Papa não é católico, então, para os católicos, qualquer igreja serve.
Mas o problema de Portugal não é simplesmente ter comunistas a sustentar um governo minoritário do PS. O problema de Portugal é ser governado por uma pequena “família socialista” – sempre os mesmos desde 1995 –, a quem devemos dois “estouros” (2002 e 2011), o maior escândalo de corrupção da democracia, e o mais longo período de divergência da Europa. O que o PSD devia estar a fazer era a explicar que é este PS quem precisa de ser afastado da “esfera do poder”, e que o PSD tem, sobre o crescimento ou a desigualdade, perspectivas e propostas muito diferentes. Em vez disso, a estratégia da direção do PSD tem sido confundir-se com o PS e argumentar que o problema está todo no facto de os socialistas dependerem, para mandar no país, do PCP e do BE. Mas se a questão é apenas limitar a influência comunista, tanto faz votar PSD como PS. Porque, como explicaram os quadros do BCP, com uma maioria absoluta socialista também se obtém esse resultado. Se o Papa não é católico, então, para os católicos, qualquer igreja serve.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
22-2-2019
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