Queremos ser um país de crescimento,
estar na vanguarda europeia, mas somos pobres de espírito. Cultivamos uma
sociedade de doutores onde ter um “canudo” é das coisas mais primordiais
na vida. Dos pais às escolas, passando depois pelos empresários e terminando na
sociedade em geral, ser bem-sucedido é vestir fato “à pinguim” atrás de uma
secretária com um cadeirão a condizer, de preferência num cargo de chefia qualquer,
seja do Estado ou privado, mesmo que não tenha qualquer competência para a
função. Mesmo que para completar o curso universitário tenha andando anos a fio
a arrastar-se pela universidade. Em Portugal é preciso parecer, mais do
que ser, para que todos aplaudam seu “sucesso”.
É por isso que por cá tropeçamos
em doutores. Não importa se esses “canudos” foram obtidos com médias negativas,
se são de cursos inúteis ou para áreas saturadas de profissionais. Importa sim
é que todos os jovens cheguem às universidades mesmo os que não têm qualquer
aptidão para tal. Baixam-se as médias, baixa-se o nível de exigência curricular para
que seja garantido o acesso a qualquer custo.
Porém, uma sociedade eficiente
e altamente produtiva quer-se diversificada profissionalmente com elevado grau
de formação em todas as áreas. As apostas não podem ser só num segmento. Não
podem ser só para os cursos de nível superior. Mas num país com uma cultura
pobre que acha que ser doutor é que é sucesso e onde se promove o maior número
de doutores por m2, só podia dar o resultado que deu: doutores aos pontapés,
ignorantes e no desemprego.
Estive um mês na Alemanha e
percebi o fosso que nos separa daquela civilização. Constatei porque são uma
economia forte e nós uns pelintras. É que culturalmente estamos a léguas de
perceber que a escola tem de oferecer diversas alternativas e que dar igualdade
de oportunidades não é forçar todos os jovens a seguir numa mesma
direção. A escola tem de formar todo o tipo de indivíduos consoante as suas
aptidões e sobretudo motivações. Não é verdade que todos sonham com um curso
superior. Não é verdade que todos querem ser CEO de multinacionais. Não é
verdade de todo.
Na Alemanha e Canadá, duas
realidades que conheço, aposta-se fortemente nas vias profissionalizantes que
consideram tão importantes como a via universitária. Por isso mais de metade
dos alemães, por exemplo, recebe formação para serem eletricistas, chefes de
cozinha, carpinteiros, soldadores e tantas outras profissões que são muito bem
remuneradas. Resultado? A Alemanha possui umas das menores taxas de desemprego
e é um país de referência nas vias profissionalizantes possuindo um dos
sistemas mais bem estruturados do mundo. Estes empregos são altamente
respeitados e valorizados por toda a sociedade. Sabia?
Mas há mais: na Alemanha mais
do que o grau académico, importa a experiência e “know-how”. Por isso, é vulgar
ver gente sem curso superior a obter lugares técnicos nas empresas, altamente
remunerados acima da média, bem como pessoas com mais de 50 anos a serem
admitidas pela sua experiência. Aqui valoriza-se as pessoas e não os
“canudos”. Ah! E os empresários? Esses vestem ténis e calça de ganga
e deslocam-se para o trabalho em bicicletas ou transportes públicos e não
usam “títulos”. Não se distinguem dos trabalhadores porque se consideram parte
da equipa e não “patrões”. Percebem a diferença cultural?
E nós? Bem, a cada governo que
passa destruímos cada vez mais o futuro profissional dos nossos jovens ao criar
apenas uma única via – a universitária – removendo todos os
obstáculos para lá chegar, goste-se ou não de estudar. Contrata-se depois só
jovens até aos 39 anos (estes últimos já com alguma sorte) para depois nos
queixarmos que há pouca gente para profissões intermédias. Na verdade, somos
aquela triste sociedade que desvaloriza por completo o canalizador, o eletricista,
a senhora da limpeza até ao momento em que precisa de um destes
profissionais e não consegue.
Para alcançarmos uma economia
pujante não basta políticas de incentivo ao investimento é preciso também mudar
toda uma mentalidade centrada exclusivamente na produção de doutores
que não investe na formação profissional, não valoriza a experiência das pessoas
e por isso não descola de crescimentos económicos anémicos e desemprego
elevado.
Título e Texto: Cristina Miranda, Blasfémias,
22-2-2019
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